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Ana Sofia Carvalho
Opinião de Ana Sofia Carvalho
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Bebés com “3 pais”: nem tudo é o que parece…

17 abr, 2019 • Opinião de Ana Sofia Carvalho


As técnicas deverão ser usadas sempre para o melhor interesse da criança que vai nascer e não, somente, para o melhor interesse do casal. A criança deve ser sempre o vulnerável a proteger.

De uma forma simples a célula tem núcleo, o citoplasma, onde se encontram estruturas fundamentais para a sobrevivência celular e uma membrana citoplasmática que circunda todo este material. Uma célula humana tem a maioria do seu material genético (DNA) no núcleo. No entanto, existe uma pequena percentagem de material genético que se encontra em pequenas estruturas que estão no citoplasma que se denominam mitocôndrias. De facto, mesmo em percentagem muito reduzida (cerca de 0,1%), as alterações genéticas nestas estruturas levam ao aparecimento de doenças muito graves e incapacitantes. Desta forma, se existirem estas alterações no material genético mitocondrial quando, na fertilização o núcleo do espermatozoide se funde com o núcleo do óvulo, as estruturas que estão no citoplasma do óvulo, incluindo as mitocôndrias, vão permanecer. Assim, no caso de doenças mitocôndrias graves da parte da mãe (as do pai não penetram a barreira do óvulo) estas, irão, certamente, passar às gerações futuras.

Este debate começou no Reino Unido quando após várias experiências em animais e em células humanas se percebeu que era possível ter sucesso na substituição destas estruturas citoplasmáticas. Assim, a técnica passava por substituir no óvulo de uma dadora com mitocôndrias saudáveis o seu núcleo pelo núcleo do óvulo da mãe. Deste modo, o material genético maioritário seria o da mãe mas as mitocôndrias afetadas seriam substituídas por mitocôndrias saudáveis provenientes de uma dadora.

Após um intenso debate, esta técnica foi aprovada para situações limite (doenças muto graves e incapacitantes) pelo Parlamento Inglês em 2015. Interessa sublinhar que no Reino Unido esta técnica é usada somente para fins terapêuticos, cada caso tem que ter a aprovação pela HFEA (Human Fertilisation and Embriological Authority), a entidade reguladora da procriação medicamente assistida e, só é realizada pelo grupo de Newcastle que tem muitos anos de experiência nesta área.

A situação na Grécia é bastante diferente…. Neste caso específico, um casal grego com dificuldades em ter sucesso com o recurso às técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA) actualmente consideradas seguras recorreu a esta solução não para evitar o nascimento de uma criança gravemente doente, mas sim, para conseguir ter um filho com o seu material genético. Esta possibilidade parte da premissa que as mitocôndrias podem ter um papel importante no aumento da taxa de sucesso da PMA. Assim, tal como no caso anteriormente descrito existe uma substituição de núcleos, o núcleo do óvulo da mãe é colocado num óvulo de uma dadora em que o núcleo foi previamente removido, criando, teoricamente, melhores condições para o sucesso da técnica.

No entanto, do ponto de vista ético, estamos a falar de situações de diferentes complexidades. A situação aprovada no Reino Unido compreende o uso de uma técnica invasiva, arriscada com fins terapêuticos muito específicos ligados à saúde da criança a nascer; ou seja para evitar o nascimento de uma criança com uma doença muito grave e incapacitante. No caso da Grécia, é a próprio método, altamente invasivo, que coloca a criança em risco. Não existindo dados científicos que permitam garantir que a criança não será afetada pela técnica, esta, evidentemente, não deveria ter sido realizada.

A situação anunciada esta semana como um enorme feito científico além de eticamente controversa não deixa de estar ferida de legalidade. A Grécia tal como Portugal ratificou a Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina em 1999 (Portugal só ratificou em 2001) onde no seu artigo 13º sublinha “Uma intervenção que tenha por objecto modificar o genoma humano não pode ser levada a efeito senão por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e somente se não tiver por finalidade introduzir uma modificação no genoma da descendência”.

Assim, a utilização desta metodologia modifica o genoma das gerações futuras (ao nível do material genético da mitocôndria). De facto, ao modificar geneticamente uma célula da linha germinativa, o óvulo, significa que os riscos não são só para a criança que vai nascer mas para toda a sua geração futura. Mais uma vez o debate situa-se entre o direito a ter um filho ou o direito a ser filho... As técnicas deverão ser usadas sempre para o melhor interesse da criança que vai nascer e não, somente, para o melhor interesse do casal. A criança deve ser sempre o vulnerável a proteger nestas situações e, consequentemente, aumenta essa vulnerabilidade usando uma técnica absolutamente insegura é, no mínimo, irresponsável.

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