13 abr, 2019
A Líbia nunca foi um estado digno desse nome. Começou por fazer parte do império otomano. Depois da I guerra mundial o território líbio foi ocupado por turcos e italianos. Mas nem uns nem outros lograram afirmar plenamente a sua autoridade sobre algumas tribos, que ali eram e ainda são quem realmente manda.
Em 1952 a Líbia tornou-se independente, com o nome de Reino Unido da Líbia. Mas nunca foi unido e só foi reino durante breves anos. Em outubro de 1969 um grupo de militares, liderados pelo então coronel Kadafi, derrubou a monarquia e fundou um regime ditatorial, pan-arabista, muçulmano e militarizado. Mas foi uma revolta pacífica.
Significativamente, Kadafi não se instalou numa capital: a capital era onde ele e os seus acompanhantes instalavam temporariamente a grande tenda do ditador, que assim ia percorrendo o país. Sinal de que a Líbia continuava dividida e que o chefe supremo tinha de negociar frequentemente com os chefes tribais. A tenda ambulante de Kadafi esteve, aliás, instalada no Forte de S. Julião da Barra, perto de Lisboa, quando da cimeira UE-África de 2007.
A queda de Kadafi
A Líbia produz petróleo. E já teve o mais alto nível de vida de África, com saúde e educação gratuitas, quando Kadafi estava no poder. Mas pouco durou. Sucederam-se os conflitos militares entre as várias milícias ao serviço dos chefes tribais.
Kadafi foi internamente acusado, não pelos tribunais, de corrupção e de possuir uma fortuna pessoal estimada em 200 mil milhões de dólares, enquanto boa parte da população do país vivia na pobreza. Muitos dos negócios e empresas líbias estavam supostamente sob controle direto de Kadafi e de membros de sua família.
Na década de 1980 a Líbia terá adquirido armas químicas. Daí várias sanções internacionais. Mas seis dias depois da captura do presidente do Iraque, Saddam Hussein, por tropas americanas, em 2003, Kadafi anunciou que renunciava a todos os programas de fabrico de armas destruição maciça e convidou inspetores internacionais para que verificassem que se ele cumpria o que dissera. Em resposta, a ONU retirou as sanções impostas contra a Líbia.
Se internacionalmente Kadafi melhorou a sua imagem, a contestação interna aumentou. Kadafi respondeu aos contestatários com a força, o que originou uma autêntica guerra civil. Kadafi foi então acusado de crimes contra a humanidade, tendo o Tribunal Penal Internacional expedido contra ele um mandado de prisão, nunca executado.
Em março de 2011 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução autorizando os Estados membros a "tomar todas as medidas necessárias para proteger os civis e áreas civis densamente povoadas, sob ameaça de ataque na Líbia". Logo a seguir, forças aéreas da França, Reino Unido e Estados Unidos bombardearam alvos militares por toda a Líbia.
Crise humanitária
No decurso daquela guerra civil, com intervenção externa, forças militares do chamado Conselho Nacional de Transição atacaram e conquistaram Tripoli, pondo Kadafi e o seu governo em fuga. Foi às mãos de simpatizantes daquele Conselho que em outubro de 2011 Kadafi foi barbaramente assassinado.
A partir daí, o caos instalou-se na Líbia. Passou a haver dois governos rivais. Um com sede em Tripoli, reconhecido pela ONU; o outro no porto de Tobruk, a quase mil quilómetros de distância a Leste. Falharam todas tentativas de unificar o poder na Líbia. Recentemente regressou a guerra civil.
Não é, porém, apenas uma guerra entre duas fações: são múltiplos conflitos armados entre grupos diferentes. Embora sobressaia uma figura militar: o general Haftar, que lidera o Exército Nacional da Líbia e que iniciou os combates no Leste; agora Haftar ataca Tripoli, onde se encontra o frágil governo oficial.
A vida tornou-se um inferno para a maioria dos líbios. Praticamente toda a Líbia atravessa uma grave crise humanitária, que é largamente ignorada no estrangeiro. No Ocidente sucedem-se as dúvidas e os arrependimentos sobre ter contribuído para o derrube e a morte de Kadafi.
E há o petróleo, produzido sobretudo na zona Leste da Líbia. O general Haftar atacou em janeiro dois campos de prospeção e extração de petróleo e tem em seu poder vários outros. O barril de Brent ultrapassou esta semana os 70 dólares. A situação na Líbia não ajuda a descer o preço do “crude”, nem dos combustíveis.
Bem mais preocupante, está a morrer muita gente no caos líbio, mas o Ocidente olha para o lado.