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Direitos de autor

Fim da liberdade de expressão ou salvaguarda dos direitos de autor? Nova diretiva divide opiniões

26 mar, 2019 • Rui Barros , com redação


A polémica nova diretiva de direitos de autor divide opiniões. De um lado há quem defenda que a nova diretiva vem pôr ordem na anarquia em que se tornaram os direitos de autor na internet. Do outro, chamam-lhe uma machadada na liberdade de expressão.

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A polémica estava instalada, a troca de argumentos prolongou-se ao longo do ano e, chegado o momento da votação final, os eurodeputados decidiram: a diretiva dos direitos de autor é mesmo para avançar.

O texto aprovado incluí o polémico artigo 17 (anteriormente conhecido como artigo 13), que, segundo a nova diretiva, permitirá aos autores cobrar pelos conteúdos da sua autoria que sejam publicados em plataformas como o YouTube. Outro dos artigos aprovados que gerou mais controvérsia é o artigo 15 (antes, artigo 11), que deixa que as empresas de comunicação social passem a cobrar pelos links em agregadores como o Google News.

“É um dia lamentável para a internet e para a liberdade de expressão”, considera a Associação Defesa dos Direitos Digitais (D3). Para Eduardo Santos, presidente da D3, os eurodeputados não souberam ouvir aqueles que se opuseram ao longo do tempo contra a normativa, defendendo a ideia de que o documento terá efeitos nefastos na forma como a internet é usada dentro da União Europeia.

A gigante Alphabet, dona da Google, também já reagiu à votação. O grupo de Silicon Valley, que ativamente fez campanha contra a nova diretiva, veio a público defender a ideia de que a “diretiva está melhor face à formulação inicial”, mas considera que vai gerar “grande incerteza jurídica”.

“A Directiva dos Direitos de Autor foi melhorada, mas vai continuar a gerar incerteza jurídica e ainda afetar as economias criativas e digitais europeias. Os pormenores são importantes e estamos ansiosos por trabalhar com decisores políticos, “publishers”, criadores e detentores de direitos, à medida que os Estados-membros da UE se forem movimentando para implementar estas novas regras”, diz fonte da empresa, num comunicado enviado à Renascença.

Para Eduardo Santos, a posição da empresa é natural uma vez que esta será, na sua visão, uma das principais beneficiadas com a nova diretiva. “No futuro isto vai fazer com que as grandes plataformas de internet fiquem responsáveis por aquilo que pode ser dito ou não”, explica.

A nova diretiva passa a responsabilizar plataformas como o YouTube e o Facebook pelos conteúdos que os seus utilizadores lá colocam. Algo, que na prática, levará estas empresas a criar mecanismos que automaticamente impeçam o carregamento de conteúdos protegidos por direitos de autor.

A aplicação destes "filtros" são, para Eduardo Santos, uma ameaça à liberdade de expressão. O presidente da associação portuguesa teme que gigantes como a Google passem a deter o monopólio desses filtros. “A Google fica assim numa posição forte: pode vender esses serviços a outras empresas e as PME europeias não vão sequer conseguir competir neste mercado”, diz.

Luís António Santos, professor da Universidade do Minho, considera que a nova diretiva não representa os cidadãos, mas sim dois grupos muito fortes: as indústrias criativas e as gigantes tecnológicas. “Tivemos um debate intenso entre posições extremadas destes dois grandes grupos de forças e não tivemos quase ninguém a representar os cidadãos”, explica o diretor-adjunto do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho.

Uma ideia que Paulo Perneta, da Wikimédia Portugal, subscreve. “A ideia que passa é que aquilo foi uma construção de um conjunto de lóbis. Até pode ter havido um texto inicial com alguma boa intenção. Mas a quantidade de lóbis que se juntaram ali – de um lado e de outro – foram moldando aquilo ao ponto de já não fazer sentido”, argumenta o membro do capítulo português da Wikimedia Fundation.

Um caso que preocupa especialmente o membro da Wikimédia Portugal é o material para fins educativos. “Uma série de material que estava disponível através das prerrogativas para uso educativo não poderá ser carregado nas plataformas”, explica Perneta. “Pelo que eu percebo, da maneira como está disposto na diretiva, o material para uso educativo fica limitado a instituições de ensino mesmo. Não basta dizer que aquilo é para educação”, explica.

“A nova diretiva não põe em causa a internet. Põe em causa a percepção que as pessoas dela”

Por outro lado, Henrique Mota, ex-presidente da Federação Europeia de Editores, defende que a diretiva aprovada não só é um direito, como também uma “necessidade para que continuem a existir pessoas interessadas em produzir conteúdos culturais”.

Para o editor, “se os direitos dessas pessoas não forem salvaguardados, ou seja, se as pessoas não forem remuneradas, terão que procurar outras atividades profissionais.”

Ao contrário daquilo que é o receio de vários opositores ao artigo 17, Henrique Mota não considera que a Internet como todos a conhecem vai ser prejudicada. Argumenta, por sua vez, que “não pode ser construída sobre a convicção de que os conteúdos são bens livres e disponíveis para todas as pessoas.”

O ex-presidente da Federação Europeia de Editores explica que as novas regras do pagamento de direitos de autor não prejudicam a abundância de conteúdos na Internet e que são semelhantes à “existência de preço por comprar frutas e legumes”.

E agora?

A nova diretiva aprovada esta terça-feira exige o pagamento de direitos de autores na criação e partilha de conteúdos na internet. No entanto, esta confirmação é apenas o primeiro passo de um processo longo.

O texto vai ser apresentado ao conselho geral e só depois negociado de país, para país.
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