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Cristina Sá Carvalho
Opinião de Cristina Sá Carvalho
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​Brincar às casinhas

26 mar, 2019 • Opinião de Cristina Sá Carvalho


Estes programas acéfalos sobre “relacionamentos” que inundam as televisões são bons motivos para uma conversa educativa sobre o que é o amor e sobre a violência que assola as relações íntimas.

A escola é um sítio peculiar. Cada dia, iniciado sempre num horário estupidamente madrugador, juntam-se nos corredores e nas salas duas realidades distintas e, por obra e sem graça do managerialismo educativo, parcamente dialogantes: a realidade instável e confusa das crianças e adolescentes e a realidade pró-adaptativa dos professores, uma espécie de revisão infantilizada da vida “real” marcada por teorias várias sobre o que os infantes apreciam e são capazes de entender. Assim, não se ensina nem literatura nem ciência, mas um vislumbre de ambas, ou seja, coisas assaz inteligentes, como as instruções dos concursos de televisão e os princípios científicos deturpados. Resta, depois, ou o Secundário ou a criatividade pessoal dos docentes e o seu amor à sua disciplina, para, literalmente, salvar a nação. No entanto, estas oportunidades de contornar tonteiras várias sobre a infância e o seu lugar na sociedade estão cada vez mais comprometidas uma vez que a formação científica dos futuros docentes, assim como a qualidade da sua reflexão ética e pedagógica, se viu brutalmente coartada pelas iluminadas decisões da ministra Rodrigues e pela inércia concertada dos seus sucessores.

Mas hoje, e desculpem-me os leitores e as leitoras por esta extensa introdução - apesar de eu ter amplamente beneficiado de uma geração de professores bem preparados e conscientes - o que me trás aqui é o sexo, tema aliás muito atrativo para literaturas de tipo variado e ciências variáveis na sua objetividade. Falando mais especificamente, os ensaios de educação sexual que vão tendo lugar nas nossas escolas, de modo mais ou menos canhestro e desafortunado.

Em primeiro lugar, havendo imensíssima educação sexual nas escolas, principalmente nos balneários e nos cantos escuros dos muito ignorados recreios, aquilo a que os adultos se deveriam dedicar ė à sexualidade. Há na sexualidade uma quantidade enorme de competências e de conhecimentos úteis para a vida feliz das pessoas e a concórdia nas sociedades que, ainda por cima, são favoráveis à missão da escola, isto é, à preparação cívica, social, intelectual e vocacional dos seus alunos. Há, pois, muito na sexualidade que não é sexo, e é esse mundo da vida pessoal, relacional, amorosa e coletiva que a escola deveria abraçar com entusiasmo e sem o embaraço ideológico e técnico das bananas e do género. Depois, com ou sem género, deveríamos ter presente que o Estado não é dono das criancinhas e, assentando entre si os professores o que querem propor, sejam leituras angélicas da sexualidade ou aquelas ideias extravagantes sobre o terceiro sexo, deveriam garantir que todos os pais estão informados e consentiram em tal. Dizer-se que se vai salvar os alunos com necessidades sexológicas especiais da violência, abuso e perseguição dos demais colegas - certamente colegas com necessidades especiais em relações humanas e dinâmica de grupos - fazendo palestras que apresentam visões particulares sobre sexo é tão irrelevante pedagogicamente que até 50 cêntimos é um abuso e lembra muito atitudes manipuladoras de consciências impressionáveis que, na história, foram primeiros passos para eugenias diversas. Um Estado sério e responsável deveria perceber isto e lembrar-se - ou ir aprender - que o sentido político comum de ideologia rima com totalitarismo. E deveríamos deixar as associações para dialogar com os professores e, tendo condições científicas, formá-los. A sexualidade deve ser discutida com os adultos que conhecem os alunos e em quem estes confiam.

Por fim, a sensatez - e a investigação em educação da sexualidade - recomendam que não se arranjem respostas para problemas ou questões que a garotada ainda não tem e que, por isso, um programa de educação da sexualidade deve partir dos interesses dos alunos. Certamente há padrões de interesses relativamente típicos das idades e do sexo, do mesmo modo como os acontecimentos da cultura veiculada pela comunicação social podem levantar problemas que devem ser bem tratados. Por exemplo, estes programas acéfalos sobre “relacionamentos” que inundam as televisões ou o regresso da “Guerra dos Tronos”, são bons motivos para uma conversa educativa sobre o que é o amor e sobre a violência que assola as relações íntimas.

Depois, enquanto assim continuarmos a brincar às casinhas com a educação da sexualidade, quem ensina são os perturbados amigos mais velhos e a pornografia que grassa na internet. Não estranha que, depois, haja disfunção sexual, confusão identitária, suicídio. Mas, se alguém quisesse mesmo educar a sexualidade dos jovens para a bondade, a beleza e a paridade, formava os pais, a incontornável influência.

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