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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

Ordenação de mulheres: um início de conversa

01 mar, 2019 • Opinião de Henrique Raposo


A mulher, que surge sempre a partir da obscuridade doméstica, é iluminada por Jesus naqueles momentos públicos. A mulher invisível ganha através de Jesus uma luz que os doutores da lei não têm.

Ordenação de mulheres. Os sectores ditos tradicionalistas gritam contra a ideia, alegando a imutabilidade da igreja. Esquecem um pormenor: a igreja não é Deus; Deus é imutável, a igreja não. A igreja é uma pedra, sim, mas é uma pedra rolante, que vai rolando ao longo da história num compasso lento. É lenta, mas muda. Se a memória não me falha, o celibato só foi imposto como obrigatório no século XII. A igreja que aparece nos livros de Dante não é a mesma que a nossa. A igreja é uma estrutura humana, não é Deus. O direito canónico não é a voz de Deus, é uma negociação entre uma estrutura de homens e o Evangelho.

Os sectores que reagem a qualquer mudança dizem ainda que a ordenação de mulheres não foi ordenada por Jesus no Evangelho. Pois bem: Jesus também não contestou a escravatura. Jesus também não ordenou o celibato. De resto, o celibato não tem validade bíblica. Ou melhor, pode ser feito um argumento bíblico a favor do celibato, mas não existe uma ordem expressa para o celibato. Ademais, a vivência dos Doze é normal. Pedro e os outros têm mulheres e sogras. Eram pastores no sentido moral do termo, não padres. O que é conservar o essencial? Uma regra eclesiástica da idade média ou a essência bíblica?

Do ponto de vista bíblico, faz mais sentido defender a ordenação de mulheres do que impor o celibato aos seguidores. Não existem referências à obrigatoriedade do celibato, existem inúmeras passagens que colocam a mulher no centro. Se repararem, Jesus dá sempre razão às mulheres que aparecem. No Evangelho, a norma parece ser esta: a mulher tem sempre razão contra homens, contra fariseus, contra multidões. A mulher, que surge sempre a partir da obscuridade doméstica, é iluminada por Jesus naqueles momentos públicos. A mulher invisível ganha através de Jesus uma luz que os doutores da lei não têm. Depois, no momento decisivo na cruz, são elas que não desistem, são sobretudo elas que ficam. Quando José de Arimateia coloca o corpo do Senhor no sepulcro, são elas que vêem, são elas que reportam. Eles não estão, fugiram. Maria, Madalena e Salomé ficam e observam na hora mais difícil.

“Maria de Magdala e Maria, mãe de José, observaram onde o depositaram. Passado o sábado, Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago, e Salomé comprara perfumes para ir embalsamá-lo” (Mc 15, 47; Mc 16, 1).

Em novo momento decisivo, Jesus aparece pela primeira vez a uma mulher, Maria Madalena. “Disse-lhe Jesus, Maria! Ela aproximando-se, exclamou em hebraico, Rabbuni - que quer dizer Mestre” (Jo 20, 16). O curioso é que, a seguir, os onze não querem acreditar em Madalena. Ela é uma mulher e, portanto, desprezam o anúncio por ela feito, Ele ressuscitou. Além disso, estão com medo e recusam ouvir a boa nova. Madalena é o novo Caleb e os onze são como as tribos que recusaram acreditar na terra prometida. No momento decisivo, são as mulheres que não desistem. São eles que reúnem as tropas.

O Evangelho não é o Alcorão, não é um conjunto de alíneas obrigatórias. No Evangelho, nem Jesus nem São Paulo negam a escravatura. Quer isto dizer que não devemos condenar a escravatura? Claro que não. A cristandade, porém, demorou mais de milénio e meio até começar a debater a fundo a escravatura, que, como se sabe, só foi ilegalizada no século XIX, mil e novecentos anos depois da semente deixada por São Paulo:

“Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3, 28)

Não há escravo nem livre. Não há homem e mulher. Lá chegaremos. A pedra é rolante.

Comentários
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  • Fernando Castro
    03 mar, 2019 Ponta Delgada - Açores 20:11
    NÃO NOS PODEMOS CALAR! “A IGREJA CATÓLICA MANDA CRER FIEL E FIRMEMENTE TUDO O QUE DEUS REVELOU, ISTO É, O QUE ESTÁ CONTIDO NA SAGRADA ESCRITURA E NA TRADIÇÃO, TANTO ORAL COMO ESCRITA, E, NO DECURSO DOS SÉCULOS, DESDE O TEMPO DOS APÓSTOLOS, FOI ESTABELECIDO E DEFINIDO PELOS SUMOS PONTÍFICES E PELOS LEGÍTIMOS CONCÍLIOS ECUMÉNICOS.” (Papa João XXIII, Carta Encíclica «AD PETRI CATHEDRAM» sobre a Verdade, a Unidade e a Paz, que se devem fomentar com espírito de caridade) Através de um processo, agora bem mais acelerado e visível, a anti Igreja, modernista, vai marcando o seu terreno com o rasto lamacento da dúvida e da discórdia (ou, se quisermos, com “um início de conversa”) sobre um tema que há muito foi resolvido, e definitivamente, pelo santo Papa João Paulo II. E, tudo isto, utilizando órgãos de comunicação “católicos”, e a cumplicidade silenciosa daqueles que têm como dever primordial zelar pela verdade católica e pela integridade da fé. De recordar as palavras do Papa João Paulo II na Carta Apostólica ORDINATIO SACERDOTALIS, de 22 de maio de 1994: “PARA QUE SEJA EXCLUÍDA QUALQUER DÚVIDA EM ASSUNTO DA MÁXIMA IMPORTÂNCIA, QUE PERTENCE À PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DIVINA DA IGREJA, EM VIRTUDE DO MEU MINISTÉRIO DE CONFIRMAR OS IRMÃOS (CF. LC 22,32), (…) A IGREJA NÃO TEM ABSOLUTAMENTE A FACULDADE DE CONFERIR A ORDENAÇÃO SACERDOTAL ÀS MULHERES, E QUE ESTA SENTENÇA DEVE SER CONSIDERADA COMO DEFINITIVA POR TODOS OS FIÉIS DA IGREJA”. Ponto final.
  • Vera Costa
    03 mar, 2019 19:58
    Olá, vou começar pelo fim: "Não há escravo nem livre. Não há homem e mulher. Lá chegaremos. A pedra é rolante." No 1º parágrafo desta frase: Se a minha liberdade acaba, quando começa a liberdade do outro, então eu passei a ser escravo da vida, eu digo da vida, porque a escravidão não é só trabalhar no duro! a escravidão pode ser relacionada com a minha forma salarial, eu posso trabalhar doze horas e o outro só trabalhar dez ou seis; se eu ganhar o mesmo, estou a ser escravizada! isto é um pormenor importante na vida dos cidadãos! deviam dar à escolha, quantas horas as pessoas querem trabalhar e recebiam um ordenado mensal, mas segundo as horas de contracto assinado! 6 - 8 - ou 10 horas? ninguém consegue trabalhar mais que 10 horas/dia! lá atrás eu disse 12h porque sei de quem trabalha de estafeta 12h/dia; também há quem só possa trabalhar 6 horas, por terem que tomar conta dos filhos, ou dos pais idosos...tudo isto é muito relativo à vida de cada um! Agora: "Não há homem nem mulher", se a mulher faz um trabalho que pertence ao homem, a mulher passa à igualdade entre eles, ou vice versa! também há homens que não conseguem um emprego e se a esposa conseguiu! é justo que ela vai ter que trabalhar e o marido vai ter que fazer em casa o que era para ela fazer! é esta igualdade ou desigualdade como lhe queiram chamar, que dá por vezes confusão! "Lá chegaremos!" chegaremos se houver acordo... "A pedra é rolante"vamos supor que como as pedras mudam de sítio, também as ideias mudam!!!
  • me too
    02 mar, 2019 10:40
    Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Havendo gente como Dom Américo Aguiar, isto será, tão só, um início de conversa. Ponto final.
  • Maria Helena Santos
    02 mar, 2019 Carcavelos 00:51
    Totalmente de acordo. A Igreja tem que evoluir.
  • José Carlos Costa Re
    01 mar, 2019 Torres Novas 17:07
    Para que é que Maria, a Mãe de Jesus, precisava de ser sacerdotisa? Ou a Madre Teresa de Calcutá? Neste caso, só empatava. E eu que queria ser Papa! Por que não ? É uma cegada ser padre. Os que confessam 6 horas a fio ficam num trapo. Não desejem tal frete para as mulheres...................
  • João, o Amado
    01 mar, 2019 ILHA de PATAMOS 14:34
    As mulheres irão subir ao sacerdócio! Disto eu não tenho duvidas! Os Sacerdotes vão casar, legalmente dentro da Igreja. Também não tenho duvida alguma, o mesmo sucederá com bispos e cardeais, porém toda esta gente pertence à grande avalanche de almas, que renegando a Cristo segue o papa saído do próximo conclave, melhor o anticristo. Papa Francisco e o emérito refugiam-se nas catacumbas, mas não nas de Roma. Aí, da Cova da Moura, quantos estão dispostos a ir com o Francisco? Até aqui ele era o maior!? Agora, pelo menos que venha a Aura Miguel.
  • Silvia Carvalho
    01 mar, 2019 Ferreira do Zezere 10:28
    Parabéns pela coragem. Subscrevo na integra
  • João Lopes
    01 mar, 2019 10:02
    Ninguém é obrigado a ser sacerdote e a permanecer sacerdote. Se o quer ser, é para procurar imitar em tudo Jesus Cristo, que também viveu o celibato. Ser sacerdote não é uma profissão como outra qualquer. E não há na sociedade civil muitíssimos abusos sexuais contra crianças e até dentro das famílias? E não tem sido o ambiente artístico, político e muitos meios de comunicação que têm vindo a promover o aborto, a eutanásia e outras disfunções sexuais e sociais: que originam um abandalhamento ético nas pessoas e na sociedade?