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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

​A pedofilia na Igreja portuguesa? Ficar e limpar

15 fev, 2019 • Opinião de Henrique Raposo


Em Portugal ou em qualquer outro país, a dimensão dos abusos dentro da Igreja só é compreensível à luz da hipocrisia dos paroquianos em geral, que baixam os olhos e pactuam com a cultura do silêncio. É esse silêncio que tem de ser rasgado em nome do evangelho.

Qual é a pior coisa que os católicos portugueses podem fazer em relação às reportagens do "Observador" relativas aos abusos pedófilos cometidos por membros do clero português? Fechar os olhos ou fingir que a Igreja está a ser vítima de uma cabala mediática.

A Igreja tem razões de queixa do ambiente mediático, sem dúvida, mas não neste caso. Não, a Igreja não é a vítima neste caso, é a agressora. É agressora três vezes. Primeira: os abusadores comprovados são membros do clero. Segunda: a hierarquia escondeu o problema de várias maneiras. Terceira: os paroquianos em geral também fingiam que nada se passava. Em Portugal ou em qualquer outro país, a dimensão dos abusos dentro da Igreja só é compreensível à luz da hipocrisia dos paroquianos em geral, que baixam os olhos ao poder clerical, que se sentem inferiores ao senhor padre e ao senhor bispo e que, por isso, pactuam com a cultura do silêncio. É esse silêncio que tem de ser rasgado em nome do evangelho. A cúria e o clero não são o evangelho.

Dos casos relatados pelo "Observador", o que mais me marcou foi o do seminário do Fundão. Um padre mais velho e superior recebeu uma queixa dos alunos relativa aos abusos praticados no seminário pelo padre abusador. Qual foi a sua reacção? Uma mera conversita com o padre suspeito e, de seguida, deixou cair o assunto, não o levando ao bispo da Guarda. Quando foi confrontado pela polícia, invocou que o seminário (o local dos abusos) é uma “família” e que não podia meter a colher “nessa família”.

É tão grave que até me dá vontade de rir ou chorar, não sei bem. Isto mostra que há um estranho corporativismo entre padres, é como se os padres tivessem uma lealdade corporativa acima de qualquer outra lealdade. Ora, a lealdade do padre deve estar no evangelho, na verdade, na defesa das crianças, não deve estar no respeitinho pelo colega, seja ele qual for. A Igreja não é uma corporação, é a pedra da palavra.

Este ambiente corporativo e secreto continuou a forma como a estrutura da Igreja de Guarda quis anular o testemunho do único padre, Vítor Fonseca, que acreditou de facto nos jovens. É triste – mesmo triste – ver a estrutura da Igreja a usar um legalismo do direito canónico para camuflar a verdade. Vamos lá ver se nos entendemos: Vítor Fonseca era (é?) o director espiritual do seminário, isto é, recebia as confissões; sucede que as queixas por ele ouvidas não foram ouvidas no contexto da confissão. Vítor Fonseca recebeu denúncias colectivas dos pais e depois ouviu dois garotos, que, a chorar, lhe descreveram os abusos. Foram conversas normais, não confissões. O que fez a Igreja? Tentou alegar que o testemunho do padre Vítor Fonseca estava a violar o sigilo inerente à confissão. Aqui não tenho dúvidas: é mesmo para chorar. Aquelas conversas não foram confissões privadas e sagradas, foram denúncias públicas, gritos de ajuda.

O trabalho notável da equipa do "Observador" interpela-nos como católicos e como portugueses. Neste sentido, há que repetir para a realidade portuguesa aquilo que já foi dito para a realidade católica internacional: perante desilusão que é esta face da Igreja, há que resistir e ficar em nome da fé, do evangelho, de Jesus Cristo, que nos avisou que a sua própria igreja seria composta por pecadores (Pedro está quase sempre errado ou desorientado no evangelho).

Há que resistir, ficar e ajudar a limpar. Há que ficar e ajudar a mudar esta cultura de secretismo.

Desde mudanças no protocolo até ao reforço da presença feminina (a agressão sexual é 99% masculina), há muita coisa a fazer. Há que enfrentar o problema de frente aqui e agora, até porque o cenário vai piorar antes de melhorar.

Comentários
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  • José Carlos Costa Re
    02 mar, 2019 Torres Novas 00:14
    O Observador anda numa campanha sobre pedofilia na Igreja.... Católica, apenas. Deixo de lado a razão desta campanha. Mandei-lhes uma lista sobre o mesmo problema nos Protestantes, Muçulmanos, Hindus, etc. e tal e ... silêncio. Os católicos batem a mão no peito, dizendo: "sim, somos todos muito maus. todos os pedófilos são padres e todos os padres são pedófilos". Ora até um tonto vê que isto não pode ser. É impossível: a curva de Gauss prova-o. Conclusão: a pedofilia é uma doença, segundo a Organização Mundial de Saúde. Incurável. Abrange tanto padres como o Carlos Cruz como o ex-médico da selecção feminina de Ginástica dos EUA e Embaixadores, etc. Por que ninguém fala disso que está á mão de qualquer um descobrir ? Ainda por cima a OMS é de médicos não de gajos que mandam bocas. E a solução é, na China e Arábia Saudita, a pena de morte. Noutros países (ver net) a castração física ou química. Custa ouvir isto ? A mim custa-me mais ouvir o Observador e a afirmação, vinda de dentro, de que a Igreja Católica tem o monopólio da pedofilia. Acriticamente. E o Papa? Sou seu servo fiel mas exagera ao culpar-se de todos escândalos do mundo. E a culpa individual que é confessada na confissão. Nesta não se confessam os pecados dos outros. Mas, prontos, faz o que pode, coxo e com 80 anos, coitado, rezo por ele.
  • me too
    21 fev, 2019 13:42
    Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados. Desejo-lhe dar os pêsames por trabalhar para uma organização que elimina, v.g., censura, opiniões normais: que não são reles nem ordinárias. Ainda bem que não é católica...
  • me too
    18 fev, 2019 20:59
    Esqueci: Quer Raposo, quer Duque, fazem o mea culpa indispensável. E que só lhes fica bem. Apesar do aroma a fariseísmo...
  • Paulo Victória
    18 fev, 2019 16:25
    Parabéns, Henrique Raposo. Parabéns pela frontalidade; pela honestidade intelectual; pela justiça e pela verdade evangélicas tantas vezes propalada nas homilias e sermões e, aqui, sonegadas. É com clareza e sem o "politicamente correto" que caminhamos na construção do Reino. «Eu sou o caminho, a verdade e a vida».
  • Arnaldo
    17 fev, 2019 Macau 12:50
    Duro mas inequivocamente certeiro. Enquanto a Igreja achar que pode ser e fazer tudo não vamos a lado nenhum. Não, vamos acrescemos ao ateísmo ignorante que acha que tudo é matéria e não há papel para o espirito. Enquanto esta cultura de servilismo e subserviência à estrutura continuar a Igreja não se liberta do retrocesso, da crise de vocações, da perda de crentes relativamente às novas congregações que ganham dia a dia adeptos e encaram este e outros problemas de frente. Falo de fora como observador e estudioso do fenómeno religioso. Precisamos de corpo e espirito para sermos completos, como ensinavam os gregos. E no mundo conturbado em que vivemos, com,a crise da identidade e o séquito de aberrações construídas à volta da ideologia do 'género' precisamos das religiões. Veja-se nos chamados países ateus o regresso em força das religiões. O que seria um absurdo. Se a religião é o ópio do Povo e comunismo libertou essas populações da "negritude" das religiões porque é que as pessoas regressam a elas? Porque elas são retemperadoras, dão esperança. Parabéns Henrique.
  • Miguel Cordeiro de S
    16 fev, 2019 Lisboa 13:39
    O Henrique Raposo não leu o mesmo artigo do Observador que eu li. Ou então não o leu de todo. É que o que eu li é uma data de asneiras, é acusações sem provas. O Ministério Público arquivou por falta de provas e o Observador acusa baseado nos mesmos testemunhos, dando a ideia de que há provas, que não há! É uma autêntica caça às bruxas!
  • Vera
    15 fev, 2019 Palmela 14:09
    Este assunto parece complicado de se resolver, mas não é! é muito simples: quando um homem decide ser padre é para servir Deus, para representar Jesus! se falha, prende-se o padre e acabou-se as falhas! isto no que diz respeito à pedofilia! mas, se a falha for com uma pessoa adulta, é preciso ser julgado em tribunal, para se ver se a culpa foi do padre, porque pode não ser! Um padre tem uma missão! mas ele é uma máquina humana; se meterem carne numa picadora que está (sossegada) num canto da cozinha e carregarem nela, ela funciona! Então o tribunal serve para resolver as culpas de cada um! e um padre deve ser julgado, como manda a lei! se a culpa foi do padre, prende-se o padre! se a culpa não foi do padre, prende-se a pessoa culpada. Vêem como é fácil? difícil é as pessoas (em geral) terem que andar sempre a ouvir as mesmas coisas.
  • JOAQUIM S.F. SANTOS
    15 fev, 2019 TOJAL 12:08
    "a dimensão dos abusos dentro da Igreja só é compreensível à luz da hipocrisia dos paroquianos em geral, que baixam os olhos e pactuam com a cultura do silêncio. É esse silêncio que tem de ser rasgado em nome do evangelho." O silencio que deve ser rasgado é a blasfema que os eruditos teólogos têm prégado, nos últimos tempos contra o cumprimento dos mandamentos da Lei de Deus Também é culpa do clero português da segunda metade do século XX, Que excomungou o apelo de Deus para o cumprimento dos Seus Mandamentos na aldeia de Asseiceira. Se pode fazer mais, que escrever sobre o que desconhece, diga ao senhor cardeal, que herdou esta pedra no sapato, que reabra o processo da Nossa Senhora da Asseiceira, ou dei-a mais atenção a estas aparições. Naquele local Deus pretendia também promover a reconciliação entre as nações. Os problemas de Portugal com as suas colónias foi uma das consequenciais desta excomunhão, pois Deus escreve direito por linhas tortas.