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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Recuo na globalização

09 fev, 2019 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A globalização, que se acentuou desde os anos 70 do séc. XX, entrou numa fase de recuo. O que já aconteceu várias vezes na história. O progresso dos transportes e comunicações indicia uma tendência a longo prazo de mais globalização.

Globalização era uma palavra quase desconhecida há trinta ou quarenta anos. Mais recentemente, porém, foi tema de inúmeros livros, artigos, conferências, debates... Agora a globalização parece recuar – inserindo-se numa tendência que ao longo da história revela altos e baixos. Mas o progresso nos transportes e comunicações torna inevitavelmente o mundo mais pequeno e as pessoas, as empresas e os países mais interdependentes, embora não forma linear e contínua.

As descobertas marítimas portuguesas e de outros países nos séculos XV e XVI foram uma manifestação importante de globalização. No século XIX os caminhos de ferro e o telégrafo impulsionaram a globalização. Nessa altura, aliás, a maioria das fronteiras era atravessada pelas pessoas sem qualquer controle de passaportes – nesse ponto, hoje estamos mais atrasados.

Entre a última década do século XIX e a I guerra mundial a livre circulação de pessoas, dinheiro e mercadorias acentuou-se. Mas a guerra e, sobretudo, a Grande Depressão dos anos 30 voltaram a colocar obstáculos a essa circulação. O protecionismo comercial foi muito reforçado nessa altura. Subiam os direitos aduaneiros, as moedas desvalorizavam em competição umas com as outras, etc., com prejuízo para todos.

Por isso, após o fim da II guerra mundial e sob a liderança dos Estados Unidos, procurou-se solidificar um mundo não comunista onde a circulação de pessoas e bens fosse mais livre. Lamentavelmente, os EUA de Trump – um país de imigrantes - são protecionistas e hostis à imigração.

Balanço positivo

A globalização é positiva ou negativa? Há quem a considere a raiz de todos os males. Mas não tenho dúvidas de que a globalização, implicando aspetos positivos e outros negativos, tem um balanço altamente positivo. Sobretudo porque tirou da miséria centenas de milhões de chineses e algo semelhante se passa noutros países asiáticos, como a Índia e o Vietname, por exemplo.

Houve, e há, sacrificados do progresso. Os trabalhadores não qualificados dos países desenvolvidos sofreram a concorrência dos salários baixos da China, nomeadamente. Mas os salários chineses têm vindo a subir e por causa disso já várias empresas se deslocalizaram da China para países como o Vietname.

A informática e a internet trouxeram muitos benefícios, mas facilitaram a circulação quase instantânea do dinheiro, acentuando o peso do sector financeiro nas economias, por vezes provocando crises.

Nem todas as lições da crise financeira desencadeada nos EUA em 2007, depois espalhada em todo o mundo, foram aprendidas e postas em prática. Mas isso depende da política e da sua capacidade para enfrentar “lobbies” poderosos.

Sinais de abrandamento

O semanário “The Economist” dedicou recentemente uma análise aprofundada ao abrandamento atual da globalização. Daí recolhi alguns indicadores.

O comércio mundial cresceu de 39% do PIB global em 1990 para 58% em 2018. Mas havia atingido 61% em 2008. Os custos de transporte, que baixaram muito nas décadas de 1970 e 1980, sobretudo graças aos contentores, deixaram de embaratecer. E o desarmamento pautal, bem como a eliminação de obstáculos não pautais, estagnou. A última série de negociações multilaterais lançada pela Organização Mundial do Comércio, em 2001 – o “Doha round” – encerrou em 2006 sem resultados.

O avanço das empresas multinacionais deu sinais de ter parado; em 2008 os seus lucros representavam 33% dos lucros de todas as empresas cotadas em bolsa no mundo, baixando para 31% no ano passado. O retorno financeiro de todo o investimento multinacional caiu de uma média de 10% em 2005-07 para apenas 6% em 2017.

O investimento direto estrangeiro caiu de 3,5% do PIB mundial em 2007 para 1,3% em 2018. Os empréstimos interbancários, atravessando fronteiras, representavam 60% do PIB em 2006, descendo para 36% doze anos depois. Os grandes fluxos internacionais de capital passaram de 7% em 2007 para 1,5% agora.

Parte desta evolução recente tem a ver com a crescente importância dos serviços na economia – muitos serviços não atravessam fronteiras. Mas pesou também um certo protecionismo nacionalista dos governos, não só no plano comercial, mas também na forma não igualitária como as empresas estrangeiras são tratadas em vários países, comparando com as empresas nacionais. Acontece na China, nos EUA, na própria UE, sendo que as empresas de serviços tecnológicos são os principais alvos de discriminação. Até na Alemanha o ministro da Economia apelou, há dias, para a criação de um fundo destinado a travar a compra de empresas nacionais por estrangeiros.

Numa área a globalização não recuou, pelo contrário: nas migrações de países pobres e/ou em guerra para países desenvolvidos. Essa migração, legal ou não, criou alguns problemas em zonas restritas dos EUA e sobretudo da Europa. Como reação, surgiram políticas anti-imigração que não só são socialmente injustas como travam a compensação, por imigrantes, do envelhecimento demográfico que reduz o número de trabalhadores nacionais no ativo.

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