17 jan, 2019
O enorme sarilho em que o Brexit se tornou, por causa da incapacidade do Reino Unido avançar posições com suficiente apoio parlamentar, culmina mais de 70 anos de uma relação difícil, e variável, entre os ingleses e a integração europeia. Os problemas não começaram nos últimos anos.
Em 1946, após o fim da II guerra mundial, Churchill (então na oposição, apesar de ter ganho a guerra) propôs num discurso, em Zuriqu,e a criação dos Estados Unidos da Europa. Mas o Reino Unido não faria parte dessa nova entidade, talvez pela ligação de Churchill ao império britânico - que começaria nessa altura a desfazer-se.
Na década de 50, na Europa ocidental, debateu-se muito a integração europeia. Alguns países queriam dar continuidade à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), outros - com o Reino Unido à cabeça - preferiam uma grande zona europeia de comércio livre. Os seis países da CECA avançaram com o Tratado de Roma, criando o Mercado Comum (CEE). Londres manifestou o seu ceticismo quanto a essa iniciativa e teve de se contentar com uma pequena zona de trocas livres, a EFTA (da qual o Portugal de Salazar teve a surpreendente sorte de fazer parte).
Mas cedo os ingleses perceberam que haviam apostado no cavalo errado. Por isso, em 1961, solicitaram a adesão à CEE. O general de Gaulle opôs-se por duas vezes à entrada na CEE dos ingleses (que ele considerava “cavalos de Tróia dos americanos"). Só depois do general de Gaulle abandonar a presidência da França, conseguiu o Reino Unido entrar na CEE (1973).
Mas, dois anos após essa entrada, o primeiro-ministro Harold Wilson entendeu que, perante dúvidas no seu país sobre a pertença ao Mercado Comum, deveria convocar um referendo. Assim aconteceu e aquela pertença foi, em 1975, apoiada em referendo por uma maioria de 67%.
Nos doze anos de M. Thatcher como primeira-ministra, multiplicaram-se os seus conflitos nas instâncias comunitárias. E foram as divisões no partido conservador quanto à Europa que levaram à sua queda, bem como à queda do seu sucessor, John Major.
Numa tentativa para pôr termo a tais divisões, numa altura em que os conservadores receavam a concorrência do partido eurocético UKIP, o anterior primeiro-ministro, David Cameron, decidiu convocar um referendo sobre a manutenção do seu país na UE. Cameron estava convencido de que o “sim” à UE ganharia - mas ganhou o “não”, em junho de 2016.
Seguiram-se dois anos de duras negociações de um acordo de saída do Reino Unido da UE. A principal dificuldade foi obter de Londres propostas claras. Depois de inúmeras demissões de ministros de May, foi finalmente alcançado um “acordo de divórcio”. Acordo rotundamente rejeitado na terça-feira na Câmara dos Comuns.
E agora? Uma saída sem acordo da UE é má para os países que ficam na Europa comunitária e péssima para o Reino Unido. Mas não parece possível alcançar na Câmara dos Comuns qualquer posição maioritária - apenas posições de rejeição.
Um segundo referendo sobre a UE no Reino Unido, além de não garantir um "sim" à permanência dos ingleses na Europa comunitária, arrisca-se a acirrar ainda mais as divisões na Grã-Bretanha, caso sejam derrotados os “brexiters” - que não irão cessar de clamar “traição!”
Adiar a saída britânica alguns meses só por milagre fará surgir um acordo aceitável pela UE e pelo parlamento britânico. Manter o Reino Unido na UE apenas irá adiar o problema. A questão mais espinhosa - manter aberta a fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte (Ulster), que pertence ao Reino Unido - poderá ter solução no quadro de um acordo, não já de saída, mas de futuras relações entre o Reino Unido e a UE.
Mas se não houve agora acordo aceite por Londres na mera questão da saída, não será otimismo demasiado esperar para o futuro próximo um acordo, muito mais amplo, de relacionamento entre o Reino Unido e a UE?
Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus