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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

​Ter fé vs. pensar que devo ter fé

04 jan, 2019 • Opinião de Henrique Raposo


Quando me ajoelho na missa, há uma parte de mim que recusa a rendição, há uma parte de mim que acha o gesto ridículo, é como se o velho Henrique ateu e defensor do absoluto poder da razão humana estivesse de pé a lançar um sorriso cínico ao Henrique católico.

Senhor, muitos amigos fazem agora perguntas sobre mudanças concretas na minha atitude após a conversão. O que mudou? Qual é a diferença entre o Henrique ateu e o Henrique católico? A parábola que me vem à cabeça, na hora de responder, é o judo. A grande arte do judo é aproveitar a energia do adversário em nosso benefício. É impossível travarmos a energia e movimento do outro lado, mas podemos mudar a direcção desse movimento. Com um leve toque ou torção, transformamos uma acção violenta contra nós num tropeção do adversário, que se vê enleado na sua própria força. Também me vem à cabeça a labuta do agricultor que utiliza a força do rio em seu benefício; ele sabe que é impossível travar a força da água, mas também sabe que é possível desviar o curso do rio ou que, pelo menos, é possível desviar parte dessa energia aquática para uma azenha, para um canal de rega, para uma rede de pesca.

Nesta fase, os meus interlocutores perguntam: mas onde é que está a componente cristã nestas parábolas? Está na ideia de humildade: nós não controlamos tudo; na verdade, controlamos muito pouco. É um acto de rendição assumir que a força do outro vai sempre existir, tal como a força do rio. Não as podemos travar em absoluto. Resta-nos ser humildes e inteligentes no desvio dessa força exterior à nossa razão. Aceitar esta rendição é difícil. Como sabes, Senhor, sinto muitas vezes que estou a mentir quando lhes digo isto. Às vezes sinto-me como o homem que julga que deve ter fé e não o homem que tem fé de facto. Sei que a fé na transcendência cristã é a coisa certa, mas muitas vezes não actuo nem penso de acordo com essa certeza. Se quiseres, tenho fé (uma decisão intelectual), mas falta-me a esperança (uma acção). Uma coisa é perceber que Tu és uma inevitabilidade física e moral; outra coisa, bem diferente, é ver a criação através dessa lente. Uma coisa é perceber que sem Deus não há direito natural e dignidade humana acima da lei do poder. Outra coisa é ver uma flor, uma onda, uma criança, uma tangerina ou o sol através da esperança, deixando-a fluir, deixando que ela contamine o modo de pensar, sentir e escrever.

Quando me ajoelho na missa, há uma parte de mim que recusa a rendição, há uma parte de mim que acha o gesto ridículo, é como se o velho Henrique ateu e defensor do absoluto poder da razão humana estivesse de pé a lançar um sorriso cínico ao Henrique católico que se ajoelha perante a Tua presença, Que menino! Agora acreditas em superstições? Às vezes penso que nunca conseguirei destruir este velho avatar, embora já sinta diferenças enormes, embora já sinta os benefícios do tal judo cristão. No passado, quando a razão e a autonomia me falhavam, tinha um certo gosto masoquista em marinar na melancolia. Rendia-me ao torpor, gostava de andar na orla exterior da caldeia do vulcão, caindo nela muitas vezes. Agora, não. Reajo, desço de imediato dessa orla lunar. Se estou mal por alguma razão, não me refugio na minha timidez de sempre, procuro contacto humano. Se vejo que a vizinha está triste, abro a janela e ajudo-a com a roupa presa no arame do estendal, ou ofereço-lhe parte das tangerinas da horta do meu pai. Se a senhora da loja está triste porque não tem vendido nada, entro lá com as miúdas e faço um pouco de conversa, compro qualquer coisa.

Estes pequenos gestos são curto-circuitos que reiniciam o sistema, são ignições que aceleram a convalescença. Com a Tua ajuda, utilizo a tristeza em meu benefício, transformando-a num gesto de empatia em relação aos outros e sobretudo em relação ao meu velho eu, que, nestas alturas, perde aquele sorriso cínico e pós-moderninho. Vale a pena, Senhor.

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  • Mateus
    05 jan, 2019 penamacor 14:52
    Quando me ajoelho na missa é por respeito aos Homens que provaram a sua existência vivendo,rezando,lutando por convicções impostas ou por defesa propria e da comunidade.Deus como entidade concreta não aparece ,o q é muito estranho.Uma coisa é construir determinados valores para se conviver em certa comunhão de interesses e ter um certo encosto outra é acreditar que há um Deus ou só um DEus.Tudo suspenso ,tudo no segredo dos Deuses ou DEUS .As dificuldades e provações da vida são um castigo de DEUS?Ninguém tem respostas e por isso a Fé vai permitindo viver com mais ou menos conforto nesta grande prova q é VIVER.
  • Vera
    05 jan, 2019 Palmela 14:44
    1º) Ser humilde sempre vale a pena! ajudar quem precisa, sempre vale a pena! ter pena de alguém que sofre, sempre vale a pena! 2º) Ser autoritário, não vale a pena! ajudar quem não precisa, não vale a pena! não ter pena de alguém que sofre, é absurdo! neste patamar não vale a pena ajoelhar diante de Deus! No 1º) patamar, vale a pena ajoelhar, vale a pena ficar triste (mesmo que se riam de nós), vale a pena chorar (mesmo que nos mandem calar), vale a pena sentir, que mundo não foi feito só para nós! e que Deus está perto de nós! " Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena" no meu entender, quis Fernando Pessoa dizer que: uma alma só é pequena, quando não se dá ao trabalho, de pensar... E quero deixar aqui bem claro, que sou católica porque nasci numa família católica! e não mudo de religião por isto ou por aquilo, porque nasci segundo a vontade de Deus! Agora se alguém me disser que um católico não é cristão, eu fico sem entender, que religião será a dele? só acredita em Cristo sacrificado? não acredita que Jesus teve vida como qualquer outra criança até chegar à idade adulta? um adulto pensa de forma diferente de uma criança! Jesus tornou-se adulto e pensou por todos nós! não caiu do Céu, já adulto numa nave espacial!!! Que este novo ano de 2019, seja um ano de Paz, de Boa saúde e de 'sensatez' para todos nós. «se andarmos às turras uns com os outros, nunca conseguimos nada que jeito tenha»
  • Vera
    05 jan, 2019 Palmela 01:10
    1º) Ser humilde sempre vale a pena! ajudar quem precisa, sempre vale a pena! ter pena de alguém que sofre, sempre vale a pena! 2º) Ser autoritário, não vale a pena! ajudar quem não precisa, não vale a pena! não ter pena de alguém que sofre, é absurdo! neste patamar não vale a pena ajoelhar diante de Deus! No 1º) patamar, vale a pena ajoelhar, vale a pena ficar triste (mesmo que se riam de nós), vale a pena chorar (mesmo que nos mandem calar), vale a pena sentir, que mundo não foi feito só para nós! e que Deus está perto de nós! " Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena" no meu entender, quis Fernando Pessoa dizer que: uma alma só é pequena, quando não se dá ao trabalho, de pensar... E quero deixar aqui bem claro, que sou católica porque nasci numa família católica! e não mudo de religião por isto ou por aquilo, porque nasci segundo a vontade de Deus! Agora se alguém me disser que um católico não é cristão, eu fico sem entender, que religião será a dele? só acredita em Cristo sacrificado? não acredita que Jesus teve vida como qualquer outra criança até chegar à idade adulta? um adulto pensa de forma diferente de uma criança! Jesus tornou-se adulto e pensou por todos nós! não caiu do Céu, já adulto numa nave espacial!!! Que este novo ano de 2019, seja um ano de Paz, de Boa saúde e de 'sensatez' para todos nós.