11 dez, 2018
Imagine o leitor que o Estado ou outra entidade lhe deve há vários anos uma determinada quantia - de salários em atraso, novos cálculos de pensões ou indemnizações por despedimento ilegal, por exemplo - quantia que lhe é finalmente paga. Para efeitos de IRS, esse valor é, na totalidade, contabilizado no ano do pagamento, e não distribuído pelos sucessivos anos em que quem devia pagar não o fez. Resultado: o leitor é penalizado com um IRS fortemente agravado por essa acumulação. Ou seja, o infrator é beneficiado, pois não paga juros, e o leitor é duplamente prejudicado...
Esta situação, que persiste há décadas, foi debatida no programa “Em nome da lei”, moderado por Marina Pimentel e transmitido no sábado passado aqui na Renascença. A Provedoria de Justiça dirigiu uma recomendação ao Ministério das Finanças para alterar esta prática absurda. Mas não é a primeira vez que o faz. A primeira recomendação é de 2008 e não foi acatada pelo governo de Sócrates. Em 2001 havia sido eliminada uma norma determinando que estes rendimentos deveriam ser tributados segundo as regras de IRS em vigor em cada um dos anos a que diziam respeito. Agora, o governo voltou a recusar a nova recomendação da Provedoria.
O atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais alega que já foram feitas alterações à lei e invoca um acórdão do Tribunal Constitucional, que declara não ser a legislação em causa geradora de situações de desigualdade tributária, para concluir que não é oportuno mudar a lei.
A Provedora de Justiça Maria Lúcia Amaral responde ao governo que as alterações legislativas feitas “não corrigiram as situações de profunda e incompreensível injustiça fiscal” e quanto ao acórdão do Tribunal Constitucional argumenta que “nem todas as injustiças são necessariamente inconstitucionais”.
É uma estranha situação de injustiça fiscal que se arrasta há praticamente 18 anos. A maior parte das queixas dizem respeito a pensionistas, mas há também casos de trabalhadores com salários em atraso ou mães que anos a fio não recebem a pensão de alimentos para os filhos.
Quando finalmente os valores em dívida são pagos, o fisco faz o englobamento dos rendimentos de quem os recebe, o que dispara o valor do IRS a pagar, porque se trata de um imposto progressivo. Nem sequer é preciso chamar a atenção para que o governo de A. Costa, que permite esta anomalia, é alegadamente “de esquerda”. Trata-se de uma prolongada e injustificável injustiça tributária, que qualquer executivo decente tem a obrigação de eliminar.