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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Uma estranha injustiça fiscal

11 dez, 2018 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Quando os valores em dívida são pagos, o fisco faz o englobamento dos rendimentos, o que dispara o valor do IRS a pagar pelo credor, porque se trata de um imposto progressivo.

Imagine o leitor que o Estado ou outra entidade lhe deve há vários anos uma determinada quantia - de salários em atraso, novos cálculos de pensões ou indemnizações por despedimento ilegal, por exemplo - quantia que lhe é finalmente paga. Para efeitos de IRS, esse valor é, na totalidade, contabilizado no ano do pagamento, e não distribuído pelos sucessivos anos em que quem devia pagar não o fez. Resultado: o leitor é penalizado com um IRS fortemente agravado por essa acumulação. Ou seja, o infrator é beneficiado, pois não paga juros, e o leitor é duplamente prejudicado...

Esta situação, que persiste há décadas, foi debatida no programa “Em nome da lei”, moderado por Marina Pimentel e transmitido no sábado passado aqui na Renascença. A Provedoria de Justiça dirigiu uma recomendação ao Ministério das Finanças para alterar esta prática absurda. Mas não é a primeira vez que o faz. A primeira recomendação é de 2008 e não foi acatada pelo governo de Sócrates. Em 2001 havia sido eliminada uma norma determinando que estes rendimentos deveriam ser tributados segundo as regras de IRS em vigor em cada um dos anos a que diziam respeito. Agora, o governo voltou a recusar a nova recomendação da Provedoria.

O atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais alega que já foram feitas alterações à lei e invoca um acórdão do Tribunal Constitucional, que declara não ser a legislação em causa geradora de situações de desigualdade tributária, para concluir que não é oportuno mudar a lei.

A Provedora de Justiça Maria Lúcia Amaral responde ao governo que as alterações legislativas feitas “não corrigiram as situações de profunda e incompreensível injustiça fiscal” e quanto ao acórdão do Tribunal Constitucional argumenta que “nem todas as injustiças são necessariamente inconstitucionais”.

É uma estranha situação de injustiça fiscal que se arrasta há praticamente 18 anos. A maior parte das queixas dizem respeito a pensionistas, mas há também casos de trabalhadores com salários em atraso ou mães que anos a fio não recebem a pensão de alimentos para os filhos.

Quando finalmente os valores em dívida são pagos, o fisco faz o englobamento dos rendimentos de quem os recebe, o que dispara o valor do IRS a pagar, porque se trata de um imposto progressivo. Nem sequer é preciso chamar a atenção para que o governo de A. Costa, que permite esta anomalia, é alegadamente “de esquerda”. Trata-se de uma prolongada e injustificável injustiça tributária, que qualquer executivo decente tem a obrigação de eliminar.

Comentários
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  • António Costa
    12 dez, 2018 Cacém 12:22
    Sempre pensei que nesses casos, o IRS de anos anteriores fosse recalculado. Isso é banditismo pura e simples, legal ou não.
  • Rogério
    11 dez, 2018 lisboa 17:32
    Está a funcionar aquilo que se apelida de neo comunismo.Através da fiscalidade vai-se esvaziando a privacidade,liberdades,valores ancestrais,familia,pleno direito á propriedade privada etc.Há outros englobamentos como famílias e não empresas querem vender património este vai ser englobado em sede de IRS e o estado leva uma boa parte e entre imobiliárias e imposto não justifica a venda porque o que fica não dá para cantar a um cego.Temos um estado PAPÂO pra não chamar outras coisas.
  • Cidadao
    11 dez, 2018 Lisboa 09:57
    Raramente concordo com FSC, mas neste caso tem 100% de razão e pasmo de ver que apesar dos avisos de Provedores de Justiça e da situação em si, que não é preciso ser Provedor para ver a injustiça, continua a lógica de saque do Fisco, sempre na mira de caçar mais uns cobres ... Lá está: falta-nos uma Sociedade Civil organizada e atenta, que levasse o governo a Tribunal - se este também funcionasse em devido tempo - numa acção popular contra o Governo ou liderasse uma campanha de desobediência Civil, que obrigasse o governo a repor a justiça. Fêz-se isso no tempo de PPC contra a TSU que nos queria impor. Pena as coisas terem ficado por aí.