23 out, 2018 • André Rodrigues , Paulo Teixeira (Sonorização)
A mudança é um processo dinâmico que, de uma forma ou de outra, acaba por levar a uma evolução. Em que sentido ninguém sabe ao certo. E mesmo quando a mudança nos parece um retrocesso, ela pode seguir aquela lógica de ‘um passo atrás para dar muitos mais em frente’.
Vivemos num tempo em que um verão prolongado é logo motivo de desconfiança. Logo o fenómeno acaba por ser atribuído às alterações climáticas que, às vezes (mais parece moda), têm as costas largas. Na verdade, aquilo a que vamos assistindo com o nosso clima é uma amostra do que pode ser um cenário irreversível lá para meados do século. Não é por falta de aviso. Temos tempo, mas não temos muito.
E à conta destes fenómenos que, apesar de ainda não seguirem um padrão, nos deixam desconfiados, vamos ouvindo os alertas de quem antecipa que os conflitos pela água tendem a tornar-se globais. E que os principais pontos de disputa estão no Médio Oriente e em África.
Foi assim no passado. Em 1967, na Guerra dos Seis Dias, Israel invadiu os Montes Golan, na Síria. Não apenas pela posição estratégica mas, também, pelo facto dessa região ser exatamente a nascente do rio Jordão.
E no futuro, é possível que venhamos a assistir a mais diferendos mas em África. Por estes dias, li um artigo da CNN que deixava a pergunta: "Estará a Etiópia a assumir o controlo do rio Nilo?"
Na verdade, a par com o Amazonas, o Nilo é o maior rio do mundo. Percorre 6.650 quilómetros e atravessa 11 países africanos.
Porquê que é associado quase exclusivamente ao Egito? Porque uma em cada 4,5 partes deste imenso curso de água corre de sul para norte a caminho do Mediterrâneo em solo egípcio. São pouco mais de 1.400 em 6.650 quilómetros.
Para os atuais 97 milhões de habitantes egípcios, o Nilo é, literalmente, uma linha de vida. Quer perceber porquê? Entre na aplicação Google Maps e introduza “Egito”. Clique na vista de satélite, faça zoom e vai ver uma sinuosa linha verde de aproximadamente 1.500 quilómetros. À volta, nada mais do que a aridez do deserto. O verde é a vegetação que coincide com as zonas habitadas.
A esmagadora maioria da população egípcia vive nas margens do rio. Ou, melhor dito, vive das margens do rio.
Por isso, esta ambiciosa barragem etíope de 5.000 milhões de dólares reduz drasticamente o caudal do Nilo no país que mais depende dele. É o único rio existente no Egito.
E a seca é um problema sério no país. Em 2014, o Egito tinha pouco mais de 600 metros cúbicos de água per capita. Em 2030, a população do país vai disparar para os 130 milhões. E em meados do século serão mais de 150 milhões. Significa isto que, com o passar dos anos, a disponibilidade de água no país vai diminuir drasticamente.
O Egito corre o risco de perder mais de 250 mil hectares de terrenos férteis para a agricultura. Correspondem a 18 vezes as áreas de Lisboa e Porto juntas.
Um prejuízo estimado de mais de 2.000 milhões de dólares para a economia do país.
É aí que reside o risco de conflito com os países vizinhos: o Egito não só depende das águas do Nilo, como diz ter um direito legal e histórico de controlá-las.
O problema é que os outros dez países atravessados pelo rio não concordam nada com esta ideia.