Emissão Renascença | Ouvir Online
Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
A+ / A-

​Originalidades portuguesas

22 out, 2018 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A remodelação ministerial simultânea à aprovação pelo governo da proposta de Orçamento para 2019 é mais uma singularidade nacional.

Mesmo sem falar no extraordinário caso de Tancos, em Portugal acontecem coisas que não costumam acontecer noutros países. No sábado, dia 14 deste mês, os ministros estiveram reunidos numa longa sessão de quase 12 horas, para aprovarem a proposta de Orçamento do Estado para 2019. Conta o semanário “Expresso” que, após essa maratona, o primeiro-ministro revelou a quatro ministros que tinham deixado de fazer parte do Governo. Alguns, como o ex-ministro da Saúde, não terão achado graça alguma à coisa, obviamente antes combinada com os novos ministros.

Esses novos ministros também não têm motivos para deitar foguetes. É que vários deles terão de governar com um orçamento que outros elaboraram e com o qual eles podem até discordar.

Claro que este Governo remodelado se destina a ganhar eleições e tem uma esperança de vida de apenas um ano. Não se esperem, portanto, quaisquer reformas – apesar de se saber, por exemplo, que a nova ministra da Saúde, Marta Temido, tem ideias próprias para o sector. Mas antes da remodelação também não houve reformas dignas desse nome – não o permitia a “geringonça”, com dois partidos de extrema-esquerda a apoiar o executivo do PS no Parlamento.

Ora a “geringonça” também é uma singularidade nacional, que parece irrepetível. Eu próprio, como muitos outros, há três anos não julgava possível que um governo apoiado em partidos que detestam a integração europeia e o euro pudesse vir a cumprir as regras da moeda única e até ver o seu ministro das Finanças presidir ao Eurogrupo.

O PCP perdeu peso político com o apoio parlamentar ao governo; o BE, que já anunciou ir votar favoravelmente a proposta orçamental, aspira entrar no próximo executivo. Mas é provável que um futuro governo minoritário do PS prefira governar isolado, com alianças pontuais à esquerda e à direita, do que esquerdizar-se acolhendo o BE.

Quanto à proposta orçamental, o problema está na falta de prudência para enfrentar uma possível crise do euro, desencadeada pela Itália. O jornal britânico “Financial Times” publicou na sexta-feira passada um artigo de Peter Wise, seu correspondente em Lisboa, comparando a Itália com Portugal. A comparação é simpática para o nosso país, como se calcula.

Ora o governo italiano de coligação pode vir a provocar uma crise aguda na zona euro, até porque os dois partidos coligados são eurocéticos. A tensão entre Bruxelas e Roma abrandou um pouco na sexta-feira, com a perspetiva de negociações entre a Comissão Europeia e o governo italiano. Depois disso, a agência de notação financeira Moody’s baixou o nível atribuído à Itália. Os juros da dívida italiana tendem a subir e a economia de Itália está perto da estagnação, contra as previsões optimistas dos governantes italianos – que, de resto, parece não se entenderam entre si.

Os juros da dívida portuguesa têm subido por causa da situação italiana, mas moderadamente. Só que, se a crise provocada pela Itália se agravar, Portugal arrisca-se a sofrer por tabela, de pouco valendo, então, a singular fidelidade deste governo dito “de esquerda” às normas de Bruxelas. Com a nossa dívida pública que, apesar de ter descido um pouco, continua gigantesca, teremos de recorrer ao financiamento externo durante décadas – e há o risco de o preço (o juro) se tornar incomportável.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.