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Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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NAFTA: Trump ganhou uma batalha, não a guerra

06 out, 2018 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


México e Canadá concluíram que um medíocre acordo era preferível a nenhum acordo. Foi evitada a fragmentação comercial da América do Norte. A China perde por tabela.

Trump sempre criticou a NAFTA, uma área de comércio livre englobando os EUA, o Canadá e o México, que entrou em vigor em 1994. As trocas comerciais entre estes países aumentaram substancialmente com a NAFTA, cerca de 1,2 triliões de dólares anuais.

Mas a balança comercial dos EUA com seus parceiros na NAFTA tem-se mantido em défice do lado americano – o que é um horror para o Presidente Trump, que ainda pensa como um mercantilista do séc. XVIII.

A maneira de acabar com a NAFTA foi típica do Presidente Trump: começou com um acordo bilateral com o México. Só após concluído esse acordo entrou o Canadá em negociações.

Como é óbvio, os EUA têm um poder económico e político de tal forma superior ao poder de qualquer outro país que as negociações bilaterais os favorecem, sobretudo para quem tenha uma visão protecionista.

Comecemos pelo México.

Mexicanos otimistas

O acordo com o México trouxe para este país regras mais restritivas do que as das NAFTA. Por exemplo, para beneficiar da isenção de impostos alfandegários os bens transacionados têm de incorporar 75% de componentes fabricadas na América do Norte (EUA, Canadá e México), contra 62,5% na NAFTA.

Trata-se daquilo que Portugal bem conheceu no tempo da EFTA: as chamadas “regras de origem”. E 40% desses bens devem ser produzidos em áreas onde os salários sejam, pelo menos, de 16 dólares a hora (o que limita a vantagem competitiva que até aqui eram os baixos salários mexicanos).

Estas medidas restritivas representam provavelmente a maior diferença face ao acordo original da NAFTA. Por outro lado, mantiveram-se as subidas de impostos aduaneiros nos EUA sobre importações de aço e alumínio.

Mas os dirigentes empresariais mexicanos ficaram aliviados com o acordo, sobretudo quando o Canadá também alinhou. Os motivos para o regozijo têm a ver com as péssimas alternativas à falta de acordo: teriam um mercado dos EUA muito mais fechado. E o fim da incerteza acaba com hesitações no investimento.

Tal fim ainda não aconteceu plenamente: o acordo que substitui a NAFTA terá que ser ratificado pelo Congresso de Washington.

Quanto às restrições que atingem artigos mexicanos que não cumpram uma determinada incorporação de elementos produzidos na América do Norte, a ideia é que a China será a principal prejudicada, pois tais restrições excluem indiretamente componentes chinesas.

Os mexicanos otimistas esperam, mesmo, mais investimento dos EUA no México, para produzirem componentes e assim beneficiarem do acordo. Já a aparente exclusão dos baixos salários, a saída será transferir a produção em causa para o território dos EUA ou do Canadá – para grande satisfação de Trump, mas não parece que isso beneficie o México.

Canadá conformado

O Canadá demorou semanas a chegar a acordo com os EUA. No final, o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, considerou a conclusão do acordo “um bom dia para o Canadá”.

Recorde-se que na tática negocial de Trump entraram terríveis ameaças às importações e automóveis provenientes do vizinho do Norte dos EUA. Trump falou várias vezes na imposição de direitos aduaneiros proibitivos na importação de carros do Canadá, se este país ficasse fora do acordo que substitui as regras da NAFTA. A adesão do Canadá a esse acordo afastou a ameaça.

Washington reclamou vivamente o acesso ao mercado leiteiro do Canadá. O governo canadiano abriu 3,5% do seu mercado aos EUA, em contrapartida de se manter o sistema de arbitragem de conflitos que vigora na NAFTA.


Na indústria da madeira, o Canadá conseguiu proteger-se de eventuais subidas de impostos alfandegários pelos EUA como defesa de Washington contra o alegado “dumping” – o que foi possível graças à manutenção do sistema de arbitragem de conflitos.

O novo acordo contem medidas sobre propriedade intelectual e a economia digital, a partir do que estava previsto na abortada (por Trump) parceria trans-Pacífico. Uma atualização às regras da NAFTA, que em boa parte fica a dever-se à administração Obama e ao seu trabalho para criar aquela parceria.

Numa palavra, mexicanos e canadianos concluíram que um medíocre acordo era, neste caso, preferível a nenhum acordo. Foi evitada a fragmentação comercial da América do Norte, o que é positivo.

Mas o acordo tripartido suscita dúvidas legais que podem dificultar a sua aprovação no Congresso. E como as coisas se atrasaram, será um novo Congresso, saído das eleições de novembro próximo, a apreciar o acordo tripartido. Se os democratas recuperarem a maioria na Câmara dos Representantes, a ratificação do acordo não será garantida.

Este foi mais um passo da guerra comercial desencadeada por Trump e cujo alvo principal é a China. Novos episódios se irão seguir, esperemos que não muito prejudiciais para a Europa comunitária.

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