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Luís António Santos
Opinião de Luís António Santos
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​O Papa no Twitter – a distância entre o que diz e o que se percebe...

28 set, 2018 • Opinião de Luís António Santos


Em cerca de 24 horas a mensagem foi replicada 18 mil vezes e teve mais de mil comentários.

Na quarta-feira passada, a conta oficial do Papa Francisco em língua portuguesa no Twitter - @Pontifex_pt – publicou o seguinte texto: “Rezemos para que no mundo prevaleçam os programas de desenvolvimento e não aqueles para os armamentos.” Mais ou menos à mesma hora foram publicadas versões traduzidas desta frase na conta em italiano, na conta em espanhol e na conta em inglês.

Dir-se-ia que não há nada de estranho no facto de a mensagem ser publicada em simultâneo em várias línguas usando, para isso, contas oficiais diferentes. Aliás, sugere-nos a existência de uma gestão profissionalizada da presença do Sumo Pontífice nas plataformas digitais – algo, positivo, portanto.

Dir-se-ia, também, que não parece haver nada de polémico no enunciado – um apelo a um mais forte investimento em programas de desenvolvimento e na redução de gastos com armas.

Mas a leitura que aqui fizemos não é nem foi consensual. Um tweet ‘normal’ do Papa na sua conta em língua portuguesa é, na melhor das hipóteses, replicado duas a três mil vezes. Em cerca de 24 horas esta mensagem foi replicada 18 mil vezes e teve mais de mil comentários.

Acontece que a frase de Francisco entrou nos circuitos incendiados da campanha eleitoral brasileira sendo assumida por muitos como uma crítica direta a um dos candidatos. Replico, a seguir, apenas alguns dos comentários mais brandos: “Papa eu sou católico roxo que pratica a leitura bíblica, em Mateus cap 10 ver 34 Jesus fala que veio trazer a espada, que hoje simboliza a arma atual, não dá pra enfrentar o terrorismo com pombas brancas e cantando imagine do John Lenon!!!”; “Fala da Venezuela Papa esquerdista”; “Pela Família, pela Paz! Porém com o direito de defendê-la contra os bandidos que estão armados na rua. Bolsonaro é Deus, Pátria e Família. Como está a situação na Venezuela Papa?”; “É melhor votar num armamentista ou num abortista?”.

São vários os apontadores de espanto para os quais este insólito episódio nos remete. O primeiro é a assustadora situação de proto-guerra civil que se vive nas redes sociais brasileiras, da qual conseguimos ter aqui um pequeno vislumbre (uma situação potenciada por enormes investimentos na criação e circulação de falsas narrativas, ou mesmo em acções de ‘terrorismo’ digital – como a usurpação de identidades ou o ‘assalto’ a grupos de Facebook, por exemplo). O segundo é a força política de uma narrativa religiosa radical de matriz Cristã fundada no medo e apoiada em leituras muito discutíveis dos textos sagrados. O terceiro é a permanente e (talvez) insanável dificuldade da Comunicação Humana; em virtude do contexto de quem ouve, vê ou lê, uma certa mensagem pode ser entendida como sendo isto ou (quase) o seu oposto. É um fenómeno já muito estudado e certamente tomado em consideração por quem gere a presença do Papa em redes sociais mas é difícil não o ler com surpresa sempre que nos aparece à frente dos olhos.

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