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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​A crise da poupança nacional

24 ago, 2018 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O pequeno aforrador não pode aspirar a rendimentos significativos a médio e a longo prazo. Em numerosos casos, já não será mau evitar que a inflação diminua o valor real do dinheiro que colocou de lado.

Enquanto o consumo das famílias cresce, a sua poupança diminui. O consumo das famílias portuguesas reflete-se num aumento das importações, que superam as exportações, ameaçando o equilíbrio das contas externas do país. Recorde-se que o principal fator que em 2011 trouxe a Portugal a “troika” e o seu programa de resgate financeiro foi um desequilíbrio externo que chegou a ultrapassar os 10% do PIB. Ora, com a sua enganadora propaganda do fim da austeridade, o Governo de A. Costa tem estimulado o consumo, esquecendo a poupança, que se encontra em níveis muito fracos, apesar da reposição de vários rendimentos (salários e pensões, nomeadamente), que aumentaram o rendimento disponível de muitas famílias. Daí a entrada em vigor de limites impostos pelo Banco de Portugal à concessão de crédito bancário à habitação e ao consumo.

Nesta altura, a verdade não é animadora quanto à poupança: o pequeno aforrador não pode aspirar a rendimentos significativos a médio e a longo prazo. Em numerosos casos, já não será mau evitar que a inflação (ainda baixa, mas que tende a subir) diminua o valor real do dinheiro que colocou de lado. Uma das principais causas para esta situação que não incentiva a poupança é o nível historicamente muito baixo a que se encontram as taxas de juro. Nos EUA o banco central, a Reserva Federal, já começou a subir gradualmente a sua taxa diretora; na zona euro, à qual Portugal pertence, o BCE deverá terminar no fim do ano a compra de dívida pública portuguesa e de outros países, mas por enquanto mantém baixíssima a sua taxa de juro.

As baixas taxas de juro levam os bancos a remunerar muito pouco os depósitos a prazo. E extinguiram-se incentivos fiscais (que são um encargo para o Estado) a planos de poupança-reforma – não é provável que os incentivos voltem tão cedo, pois o corte e as cativações na despesa pública têm sido os principais instrumentos para a redução do défice orçamental. Na falta de outras opções, muitos pequenos aforradores portugueses voltam-se para a dívida do Estado. Os certificados de aforro deixaram de ser uma aplicação interessante. Mas os certificados do Tesouro Poupança Crescimento atraíram em julho quase 16 mil milhões de euros, apesar de a sua remuneração ser baixa. Calcula-se que 11% da dívida pública portuguesa esteja nas mãos de famílias e de pequenos aforradores.

Enfim, as perspetivas não são brilhantes, mas seria um erro as pessoas e as famílias desinteressarem-se de poupar. Quando, há quatro ou cinco décadas atrás, o rendimento médio das famílias portuguesas era bem inferior ao atual, a poupança era proporcionalmente muito superior à de hoje. Muita gente se convenceu que o Estado se encarregaria de pagar as pensões e a saúde na sua velhice. Convirá perceber que essa é uma ilusão perigosa, face ao rápido envelhecimento da população. Importa poupar o possível, ainda que as remunerações do dinheiro poupado sejam fracas.

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