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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Tentar perceber

Contra a pena de morte

11 ago, 2018 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Há menos países a aplicar a pena capital. Mas na China, na Índia e nos EUA a pena de morte mantém-se. Tudo depende do valor que se dá à vida humana.

Como se sabe, o Papa Francisco decidiu alterar o Catecismo da Igreja Católica para condenar absolutamente a pena de morte. Até agora, a Igreja Católica admitia essa pena em casos muito raros e específicos. A partir daqui, deixa de haver exceções. E o Papa tornou claro que a Igreja se empenhará na abolição da pena capital em todo o mundo.

Até porque existem católicos que defendem a pena de morte, sobretudo nos Estados Unidos, importa sublinhar que esta decisão do Papa Francisco aproxima mais a posição da Igreja do Evangelho, como disse à Renascença o presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, o juiz Pedro Vaz Patto. “A pena de morte é para rejeitar, porque afasta em absoluto a possibilidade de regeneração da pessoa; e isso vai contra o Evangelho, que dá sempre essa possibilidade”, justifica Vaz Patto. No fundo, tudo depende do valor que é dado à vida humana.

Também há católicos alérgicos a qualquer mudança na Igreja, talvez porque mudar o que quer que seja abala a sua fé. Mas o que fizeram sucessivos concílios, nomeadamente o Vaticano II, se não aperfeiçoar a doutrina católica? Aliás, sem mudanças ainda hoje teríamos de tolerar a escravatura, como a Igreja tolerou durante muitos séculos.

Eliminar a pena de morte significa reconhecer plenamente a dignidade da pessoa, por muitos erros que ela cometa. “Todo o homem é maior do que o seu erro”, afirmou, a este propósito, Luís Gagliardini Graça, presidente executivo da Confiar, organização dedicada ao trabalho voluntário com reclusos.

E sabe-se que, por vezes, existem erros judiciais. Há presos que são libertados ao fim de décadas na prisão, porque se descobre que foram injustamente condenados. Com a pena de morte, não há hipótese de reparar o erro. A sentença de morte é definitiva, por muitas provas que, depois, surjam a provar que o condenado afinal estava inocente.

E as estatísticas desmentem a ideia de que a pena de morte tem, pela sua severidade, um efeito dissuasor na criminalidade. É uma ilusão, para tranquilizar consciências. Como escreveu o secretário-geral da ONU, António Guterres, “a pena de morte faz pouco pelas vítimas ou para impedir o crime”.

Abolição pioneira em Portugal

Portugal orgulha-se, com razão, de ter sido o primeiro Estado soberano europeu a abolir a pena de morte. Em 1852 a pena capital foi abolida para crimes políticos (as guerras civis tinham marcado as três décadas anteriores). Em 1867 foi eliminada para crimes civis. E três anos depois foi eliminada também nas províncias ultramarinas. Mas continuou em vigor no Código de Justiça Militar, do qual só foi retirada em 1911, após a proclamação da República; a eliminação da pena capital ficou consagrada na Constituição de 1911.

Quando Portugal se preparava para entrar na I guerra mundial (na Europa, pois em África já há anos decorriam sangrentos combates com as tropas alemãs) foi em 1916 readmitida a pena de morte, em caso de guerra com país estrangeiro e apenas no teatro de guerra. De facto, a última execução determinada por autoridades portuguesas ocorreu em França. Um soldado do Corpo Expedicionário Português foi julgado por traição à pátria (tinha tentado passar para o lado alemão) e sentenciado com pena de morte, sendo executado no teatro de guerra da Flandres.

Depois do 25 de Abril, a Constituição de 1976 ditou a abolição total da pena de morte no nosso país. É essa a situação nos países europeus. A Rússia suspendeu indefinidamente a aplicação dessa pena. Aliás, se contarmos os países que aboliram formalmente a pena de morte e aqueles que, embora mantendo-a na lei, não a aplicam, conclui-se que perto de três quartos dos países no mundo se afastaram desta pena bárbara. E a tendência vai no sentido da abolição. Embora haja recuos pontuais, como aconteceu na Turquia. Erdogan restabeleceu a pena de morte.

China, Índia, EUA – campeões da pena capital

Mas ainda 56 países aplicam a pena de morte. E são países que, em conjunto, representam 5 mil milhões de habitantes – contra cerca de metade dessa população que vive nos 147 países que não aplicam a pena capital.

A China, a Índia e os EUA incluem-se nos países onde se mantém a pena de morte. Calcula-se que a China é o país com o maior número de execuções – provavelmente mais do que as execuções em todos os outros países somadas. Mas o número das execuções na China é secreto… A Índia não executou ninguém em 2015 e 2016, mas no ano passado foram ali pronunciadas 109 sentenças de morte.

Nos EUA foram em 2017 executados 23 condenados e pronunciadas 41 novas sentenças de morte. Embora a constituição americana proíba punições cruéis, desde 1945 foram executadas 1 479 pessoas nos EUA – das quais 169 foram consideradas inocentes, depois de mortas. O que é chocante. Também impressiona o facto de uma grande parte dos executados nos EUA serem negros, pobres e diminuídos mentais - que num país civilizado seriam declarados inimputáveis.

Ainda 31 dos 50 Estados americanos permitem a pena de morte. Mas em apenas dez se registaram execuções desde 2014. A tendência é para diminuir o recurso à pena de morte nos EUA? Com Trump na Casa Branca e com a influência que ele tem em pessoas pouco dadas a reflexões éticas, infelizmente não parece provável.

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