23 jul, 2018 • Sarsfield Cabral
A suspeita de que terá havido graves irregularidades na atribuição de apoios financeiros às vítimas dos fogos florestais em Pedrógão Grande provoca uma sensação de forte incomodidade. É que se trata de dinheiro generosamente doado por inúmeros portugueses para ajudar quem muito sofreu e ainda sofre com esse desastre. É repugnante a possibilidade de alguém aproveitar um grande gesto de solidariedade para proveito próprio e indevido. Oxalá tal possibilidade se não confirme.
Mas, a confirmar-se, não será caso único. Nos últimos anos têm-se levantado sérias suspeitas de desvio de dinheiros na área da solidariedade social - um dos últimos casos que vieram a público foi o da “Raríssimas” (que trata doentes de doenças raras), instituição que felizmente parece já ter ultrapassado o escândalo. Essas suspeitas levam um número crescente de pessoas a recearem canalizar donativos para instituições que precisam de dinheiro para ajudar os mais pobres.
Não admira que os que tentam ganhar dinheiro de forma iníqua utilizem organizações e iniciativas que têm como lema a generosidade e a ajuda aos outros. É uma conveniente cobertura para a ilegalidade. Recorde-se B. Madoff, o americano que montou um monumental esquema de roubo em pirâmide - o chamado esquema Ponzi, que paga a quem lá mete dinheiro com as anteriores entradas, como por cá, a outra escala, fez a célebre D. Branca. Madoff era um conhecido benfeitor de instituições de solidariedade social judaicas e cristãs. Dava-lhe boa imagem...
Um recente Inquérito Social Europeu, que se encontra no Portal da Opinião Pública da Pordata, coloca os portugueses como o povo europeu que menos confia nas pessoas, juntamente com os polacos. Somos simpáticos e abertos aos estrangeiros, mas desconfiamos uns dos outros.
Há fatores históricos que podem explicar, pelo menos em parte, a nossa desconfiança. Vários séculos de Inquisição, por exemplo. Mais recentemente tivemos quase meio século de censura e PIDE, obrigando a não confiar muito nos outros. Já depois do 25 de Abril, a implosão do grupo BES e acusações graves a políticos e gestores de topo abalaram a nossa confiança na própria democracia.
Por isso se exige a maior transparência possível em instituições e iniciativas criadas para a prática do bem, de modo a que não sejam aproveitadas para praticar o mal. Transparência que sabemos nem sempre ser valorizada nem concretizada.