20 jul, 2018
É a bondade uma matéria que pode ser ensinada e aprendida? Ou é inata? É uma daquelas coisas que se tem ou não se tem como um talento? Ser bom é tão arbitrário como ter jeito para jogar à bola? Há pessoas naturalmente menos marcadas pelo pecado original? Ou seja, até que ponto a generosidade que as minhas filhas demonstram num determinado momento é fruto do meu esforço e educação? Até que ponto aquele momento terno ou aqueloutro rude são intrínsecos à sua natureza e, portanto, exteriores a qualquer acção formativa da minha parte? Na resposta à questão, o meu orgulho fala bastante alto. Quando uma delas é generosa com a irmã ou com um estranho, sinto a doce picada do ferrão do orgulho, Sou mesmo bom pai! O inverso também acontece. Quando uma é agressiva ou ingrata, sinto de imediato a frustração, Estou a falhar! Faz isto algum sentido?
Numa entrevista já antiga ao Wall Street Journal, o grande Cormac McCarthy afirmou que a bondade não pode ser ensinada ou apreendida. Ele tem um ponto. A bondade não é um conhecimento técnico que se acumula, isto é, a ética não é como a ciência. A ciência é cumulativa, cada geração acrescenta algo de novo ao pote que se vai enchendo de areia. Ao invés, a ética é uma luta constante, o pote nunca fica cheio, a areia está sempre a desaparecer pelo fundo rachado, todas as gerações cometem os mesmos erros. Talvez seja por isto que Cormac, enquanto pai, sente que tem pouco ou nada para ensinar ao filho. Mas aqui é preciso ter cuidado com a inércia. A impossibilidade de estabilizarmos e isolarmos a bondade enquanto princípio activo não legitima o cinismo. Se o bem não pode ser ensinado passo a passo, se não há um road map para a bondade, há de certeza um mapa para o mal. O mal, recorda o escritor americano, pode ser ensinado. “Não há muito que possas fazer para transformar um miúdo em algo que ele não é. Mas podes de certeza destruí-lo. Se fores cruel e ruim, podes destruir a melhor pessoa”.
Se calhar, é isto. Se calhar, temos de educar segundo uma teoria do mal, não segundo uma teoria do bem. Não, não é uma desistência. É o reconhecimento de que a bondade vem de uma fonte que não controlamos. Quando os nossos filhos estão a ser generosos, temos de aceitar que aquela generosidade é sobretudo deles e de Deus. Devemos estimá-la e potenciá-la, mas sempre na consciência de que promover o bem é como fazer castelos na areia na praia. Aquilo que pode ser um castelo de ferro indestrutível e sempre debaixo do nosso controlo não é a bondade. É a decência. É por isso que falo em criar “crianças decentes”, uma meta honesta e exequível, e não em "crianças boas”, uma meta quimérica e cheia de bazófia. Haverá poucas frases mais arrogantes do que "o meu filho é bom". A bondade é o trabalho dos santos e almeja a utopia dos céus. A decência é o nosso trabalho e procura a elevação acima do estado da natureza. O bondade é demasiada gasosa e fugaz, vai e vem, é uma matéria que não está na nossa tabela periódica. A decência, sim, é algo que se pode ensinar e treinar. E educar para a decência passa sobretudo por confrontar as crianças com as suas próprias falhas.
Por outras palavras, eu não posso ensinar a bondade às minhas filhas, mas posso ensiná-las a terem a guarda levantada em relação aos seus próprios pecados. Elas têm e continuarão a ter os seus grandes momentos de bondade, mas esses momentos nascem e nascerão da sua centelha, não da minha educação. Portanto, quando elas demonstram generosidade, devo ficar feliz por elas e agradecer a Deus. O meu orgulho deve ficar no saco. Este orgulho paternal só pode sair do saco quando elas entram num momento de contrição para pedir desculpa por um erro que cometeram - orgulho na educação cristã que lhes tento dar todos os dias com a ajuda de Deus.
PS: Boas férias. Esta crónica regressa em Setembro.