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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Opinião de Henrique Raposo

Ter filhos não é “lifestyle”

15 jun, 2018 • Opinião de Henrique Raposo


Escolher não ter filhos não é uma decisão estética de “lifestyle”, é uma decisão moral que está no centro da orgânica e da sobrevivência da própria sociedade.

É uma daquelas coisas que me tiram do sério: os jornais colocam as peças sobre filhos e paternidade/maternidade na secção de “lifestyle” ao lado de peças sobre sapatos, óculos enquanto acessório de moda ou sobre queijo de cabra da Guatemala temperado com sal importado de umas salinas penduradas num qualquer jardim suspenso do trendismo.

Esta arrumação imbecil é um dos sintomas da destruição moral da família e da certeza de que a vida civilizada depende do sacrifício em prol dos outros; é a consagração do egoísmo enquanto valor. Só não lhe chamam “egoísmo”, chamam-lhe “lifestyle”. É por isto que gostei bastante da coragem da escritora Zadie Smith. E é mesmo coragem.

Numa entrevista a um site feminista polaco (News Mavens), Zadie Smith acerta na mouche: “a minha geração atirou a decisão de ter filhos para o mesmo cesto em que estão as decisões sobre uma camisa ou telefone”.

Não ter filhos até pode ser uma decisão legítima. Um casal pode chegar à legítima conclusão que seria péssimo com filhos, que não teria jeito, ou que já tem demasiadas despesas com outras pessoas (familiares acamados, por exemplo). O que não é legítimo é esta cultura que transforma a decisão de não ter filhos numa mera escolha estética, numa mera opção pessoal sem carga social e moral. De novo, vemos aqui a tempestade perfeita do egoísmo libertário, que resulta da junção do pior da esquerda com o pior da direita.

O pós-modernismo de esquerda isolou o “eu” de qualquer dever, narrativa ou moral colectiva; o “eu” é soberano e está sozinho; nesta mundividência, diz-se que ninguém deve criticar a ausência de filhos num casal porque cada um sabe de si, porque não existe qualquer critério ou dever moral exterior ao “eu”. À direita, muitos divinizam o mercado, reduzindo o ser humano ao papel de consumidor. A pessoa x só quer ver o mundo de certa forma? Tudo bem, passa a “informar-se” num site de fake news que lhe abastece o mural de facebook com coisas do seu agrado; a verdade e a informação são feitas à medida do gosto. A pessoa y acha que escolher ter não ter filhos é como escolher não ir aos festival de verão ou não ter iphone? Tudo bem, a sua liberdade de consumidora é total.

Estas argumentações têm um sério problema: ninguém vive numa gruta associal. Estas posições só seriam válidas se os casais que escolhem não ter filhos vivessem como eremitas numa caverna longe da sociedade, longe da protecção dada pelo estado de direito financiado pelos impostos dos casais com filhos e pelos filhos desses casais, longe da protecção social dada pelo estado social financiado pelos casais com filhos e pelos filhos desses casais, longe da reforma e da segurança social que serão financiadas pelos filhos dos casais que tiveram filhos, longe dos sinos que tocam. Como isto não acontece, ninguém pode argumentar que a decisão de não ter filhos é uma decisão da soberania total do “eu” isolado.

Do ponto de vista moral e cívico, não ter filhos até é mais pesado e questionável do que não votar. Trata-se de uma abstenção ainda mais pesada, porque o futuro da sociedade não pode mesmo contar de forma continuada com o contributo daquele casal “free rider”. Ser “free rider” até pode ser legítimo, mas é e será sempre questionável ou criticável. Escolher não ter filhos não é uma decisão estética de “lifestyle”, é uma decisão moral que está no centro da orgânica e da sobrevivência da própria sociedade.

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  • Danilo Santos
    28 jun, 2018 Brasil 02:16
    As únicas coisas 100% certas q se pode garantir pra um futuro filho são: sofrimento, doença e morte (esses são CERTOS, 100%). Se ele vai ser feliz? Talvez... Na verdade ter filhos é um ato de supremo egoísmo, ninguém está pensando no q é melhor pra ELE ou ELA, e sim pra si mesmo. "Filho traz uma imensa felicidade" - pra quem?; "É a realização de um sonho" - e o q ele tem a ver com isso?; "Ele terá muito amor" - voce pode garantir? e se voce morrer engasgada(o) ou atravessando a rua? "Quem vai cuidar de nós quando estivermos velhos?" - Ah, então voce quer um enfermeiro ou babá, não um filho. Voce pode ter as melhores intenções, mas a verdade é que não pode garantir mesmo NADA além do que é certo pra todos nós(sofrimento, doença e morte). Colocar alguém no mundo já é condená-lo a morte(mais cedo ou mais tarde...) Então, pensando bem, pra que fazer alguém existir? Melhor seria "deixá-lo" na sua quieta "não-existência". As únicas coisas que explicam esse impulso irracional de reprodução são o instinto de preservar a espécie (instinto = algo irracional) ou o egoísmo, de suprirmos NOSSAS carências (sim, porque quem não existe, não tá pedindo pra nascer).
  • Vera
    22 jun, 2018 Palmela 13:41
    "ter ou não ter, eis a questão." Há pessoas que preferem ter um cão! há pessoas que preferem ter um gato! há pessoas que têm medo de ter filhos! há pessoas que gostam de ser independentes de tudo, para não terem trabalho com nada! há pessoas que adoptam crianças!... Cada qual tem opção de vida, não podemos criticar este ou aquele, por isto ou por aquilo, cada um sabe de si e Deus sabe de todos. Eu só posso acrescentar, no meu ver, claro! que ter uma criança é uma alegria imensa, vê-lo crescer, aprender a ver, aquilo que já fomos e nem nos lembramos mais, porque o tempo apagou.
  • João Lopes
    15 jun, 2018 Viseu 21:52
    Excelente análise de HR: «Do ponto de vista moral e cívico, não ter filhos até é mais pesado e questionável do que não votar. Trata-se de uma abstenção ainda mais pesada, porque o futuro da sociedade não pode mesmo contar de forma continuada com o contributo daquele casal “free rider”». E sejamos claros: desde 2008, segundo dados oficiais da DGS, há em Portugal uma média de 51 abortos por dia (18.600 abortos por ano); abortar é exterminar, silenciosamente, na barriga das próprias mães seres humanos indefesos e inocentes; além disso, as mulheres que o querem têm, pagas pelo contribuinte, pílulas anticoncepcionais nos Centros de Saúde…depois queixam-se de que a taxa de natalidade é muito baixa!
  • Free Rider
    15 jun, 2018 Portugal 12:11
    Estas opiniões quanto a mim só podem sair da boca de quem teve filhos, não gostou... e agora quer que os outros, os tais "free riders" também passem pelo mesmo para que não se sintam sozinhos e possam ter alguém com quem partilhar as suas amarguras. Ter ou não ter filhos é uma decisão que cabe a cada casal. Choca-me mais ver casais com 3 ou 4 filhos e sem condições para os criar, do que um casal que não os tem, porque têm consciência de que não teriam condições de o criar corretamente. E essa noção de que devemos ter filhos porque é politicamente correto e porque estamos num estado social é exatamente o que levou a que cada vez mais se vejam autênticos animaizinhos sem respeito por nada e por ninguém em todo o lado, porque os paizinhos apenas tiveram filhos porque os amigos também tiveram, porque queriam ter algum motivo de conversa no Facebook, ou simplesmente ter uma desculpa para poderem chegar tarde a algum lado ou poder estacionar mais perto das entradas nos centros comerciais. Mas depois quando chega a altura de os educar, isso já é uma chatice e ocupa muito do seu tempo. E quanto à proteção social de que fala, não me lembro de os casais que não têm filhos terem alguma espécie de beneficio nos impostos, aliás até tenho ideia de que pagam mais exatamente por não os ter. Pelo que se calhar quem não tem filhos é que tem de reclamar, porque andam a pagar para que quem os tem, possa ter mais benefícios fiscais. E reforma já não vou ter porque todos os anos a idade aumenta.
  • 15 jun, 2018 09:15
    Este artigo expressa a prespetiva mais fútil, limitada e desprezível sobre a paternidade que seria imaginável abordar. É completamente insultuoso o que li. Não há mais nada a acrescentar, uma vez que pouco há a discutir contra opiniões deste género.