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Conversas Cruzadas - O preço dos combustíveis - 03/06/2018

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A marcha lenta do ISP

03 jun, 2018 • José Bastos


“Há riscos de repetir 2008 com um protesto dos camionistas a parar o país”, alerta Nuno Botelho. “Em ano de eleições governo vai ceder”, diz Luís Aguiar-Conraria. “Executivo tem margem para responder”, afirma Carvalho da Silva.

Em 2016, quando foi criado o imposto adicional às taxas do ISP, o governo prometeu que a medida seria neutral e que haveria lugar a correções quando o preço subisse. Dois anos depois de ter tido dois aliados chave, o preço do barril em baixa e o euro em alta, a conjuntura internacional levou a cotação do crude a uma trajetória de sucessivas subidas. A 22 de Janeiro de 2016 quando Mário Centeno justificava a decisão de aumentar o ISP – Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, o preço do Brent marcava 27,69 dólares. Na sexta-feira, encerrou a 77,59.

Em Portugal, há quase dois meses que os combustíveis sobem de preço todas as semanas e os transportadores rodoviários já apresentaram ao governo um caderno reivindicativo, mesmo depois do secretário de estado das finanças Ricardo Mourinho Félix ter avisado das consequências de mexer nos impostos. “Se eu reduzir a taxa de ISP, algum imposto ou despesa vai sofrer alterações ou o défice aumenta”, disse Mourinho Félix. O governo não quer desistir de uma receita que já assumiu como definitiva.

Mas que riscos corre o executivo? “Podemos correr sérios riscos de voltar a tempos de 2008 com o país parado com um protesto dos camionistas. Sentimos, na altura, de imediato a dificuldade no abastecimento de bens essenciais. Este é um caso que pode levar a algum desgaste do governo, um desgaste acentuado”, defende Nuno Botelho no Conversas Cruzadas, deste domingo.

“O Governo está a desvalorizar em demasia esta questão. Incorre em vários erros. Desde logo está a faltar à palavra. António Costa falta ao prometido. O que era para ser um imposto transitório, provisório passou a perene. Ninguém já tem dúvidas sobre isso. O imposto adicional funcionou com o barril de Brent barato, agora com o preço do petróleo a subir, o governo diz um 'não, afinal é para manter, não é nada neutral'. É este tipo de situações que retiram credibilidade aos políticos, aos partidos e que temos de censurar”, sustenta o empresário.

“Compreendo a dificuldade do governo, mas também para quem andou a dizer que a austeridade tinha acabado que tinha virado a página da austeridade deve haver certamente várias almofadas para resolver o problema e estou, claro, a ser irónico, porque calculo que não haja”, nota Nuno Botelho.

Luís Aguiar-Conraria: “Governo vai ceder em ano de eleições”

Já Luís Aguiar-Conraria sustenta que a ideia do imposto neutro é um disparate político. “O petróleo está a ficar mais caro. Isso quer dizer que a reação ótima do país como um todo é gastar menos petróleo”, indica o professor de economia da Universidade do Minho.

“Se temos um imposto neutro que baixa quando o petróleo aumenta o que estamos a fazer é que quando o país deve consumir menos petróleo possa continuar a consumir o mesmo, porque o preço se mantém inalterado. Ora isto é tecnicamente um erro. Não queria deixar de o referir. A ideia do imposto neutro é um disparate, ponto final. Agora, uma vez que foi prometido é evidente que a promessa está a ser violada. Não há volta a dar”, afirma Luís Aguiar-Conraria.

Devia então Mário Centeno ministro vir esclarecer os contribuintes “Não acho que haja muito para esclarecer. Obviamente o objetivo são as receitas fiscais. Obviamente Portugal está a crescer menos. As previsões estão a ser revistas em baixa e este adicional ao ISP é uma fonte de receitas que o governo não quer perder. Quer dizer: quando percebemos tudo o que se passa não há nada a esclarecer a não ser vir fazer de nós parvos”, diz, com traço irónico, Luís Aguiar-Conraria

E riscos para o governo? ”Do ponto de vista estritamente político a resposta é, evidentemente, sim. Mas a segunda resposta é: o governo sabe disso. Estamos a um ano de eleições não penso que o governo vá correr riscos e deixar que isso aconteça. O governo cederá o que tiver a ceder”, observa.

“Um outro problema que penso estar no horizonte do governo e já algumas revisões do crescimento económico estão a ficar pessimistas é o efeito do preço do petróleo no crescimento. Nos Estados Unidos já estamos na segunda mais longa expansão económica de sempre e tudo o que sobe cai. Em algum momento o crescimento económico nos Estados Unidos vai abrandar e quando cair o resto do mundo vem por arrasto”, anota Luís Aguiar-Conraria.

“O preço do petróleo a subir - e este é um dado económico mais que estudado - é das principais causas de recessões. Não estou a falar de grandes crises como a de 2008, mas de recessões. No caso da execução orçamental em Portugal o que me parece é que este governo contou desde o início com o crescimento económico como almofada e não só almofada parece estar a acabar como o aumento do preço do petróleo pode fazer com que a almofada acabe mais depressa. E não se trata de um problema que o governo possa resolver numa semana a negociar com alguém”, conclui o professor de economia da Universidade do Minho à entrada de uma semana em que o governo vai voltar ao diálogo com os camionistas.

Manuel Carvalho da Silva: “Governo tem capacidade para resolver”

Um diálogo governo/camionistas que surge 10 anos depois de um grupo de transportadores pesados ter bloqueado a saída do parque de Aveiras, nas imediações da capital, em protesto contra o aumento do preço dos combustíveis. O bloqueio de 2008 provocou a ruptura no abastecimento do aeroporto de Lisboa e bombas de gasolina em todo o país. De resto, a ANTRAM alertou a semana passada que Portugal não está imune a protestos idênticos aos do Brasil contra o sucessivo aumento do preço do diesel.

O fim do bloqueio de 2008 só foi obtido depois do governo ter acedido a descontos nas portagens durante a noite que já não estão em vigor. Já outra das reivindicações a do gasóleo profissional – com carga fiscal reduzida para transportadores – foi criado o ano passado com o reembolso do imposto a mais cobrado em relação a Espanha. Mas só está disponível para pesados de mercadorias de 35 toneladas e com um limite anual de 30 mil litros.

Reivindicações nestas matérias envolvem riscos elevados? Potencialmente este tema pode causar embaraços ao governo, mas é só potencialmente”, defende Manuel Carvalho da Silva.

“O governo tem margem de manobra e capacidade para responder isto se não continuar a empurrar o lixo para debaixo do tapete”, diz o sociólogo.

“Na sociedade portuguesa há muito uma pedinchice muito centrada na ideia de que é possível reduzir impostos. Por regra os trabalhadores são quem menos reclama essa descida, mas não é possível uma redução de impostos que, muitas vezes alimenta discursos e propostas fantasiosas sobre os efeitos de determinados impostos”, defende o professor da Universidade de Coimbra.

“O governo tem de falar verdade sobre os impostos. Aí acho que o que foi anunciado como transitório pode estar mal e não pode passar a definitivo sem uma fundamentação. Em relação aos impostos há que discutir continuamente reformas que criam mais equidade e reduzam os sacrifícios das pessoas”, sublinha Manuel Carvalho da Silva.

Nuno Botelho: “Preço da energia tem de ser alvo de reflexão profunda”

“As previsões no Orçamento apontam para o petróleo a um preço médio de 55 dólares por barril e, neste momento, já ultrapassou os 80 e isso causa apreensão até porque o dólar está a valorizar”, observa, o seu turno, Nuno Botelho.

“É por isso que Mourinho Félix já veio dizer que não há margem para resolver o problema. A questão central é porque disseram ser um regime transitório. Estão a faltar à palavra”, acusa Nuno Botelho.

“Outra questão, ainda falando em energia, é ter sido confirmado, esta semana, pelo Eurostat o que sabíamos: Portugal é - em proporção dos rendimentos - o país da União Europeia onde se paga o gás mais caro e o segundo mais caro na eletricidade”, reafirma o presidente da Associação Comercial Portuense.

“É muito mau não só para os portugueses como para as empresas e o que é mau para as empresas é mau para os portugueses. Tem de ser alvo de uma reflexão profunda e o governo tem de adotar novas soluções”.

Comentários
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  • Martins
    04 jun, 2018 LX 16:23
    A questão não afecta apenas os camionistas. Como é possível que em cada depósito de combustível de um ligeiro o estado venha buscar mais de 50 Euros em impostos? Qual a honestidade dos políticos que financiam as suas "loucuras" com o dinheiro fácil dos combustíveis? Os combustíveis têm de deixar de ser a bóia de salvação dos governos. É que quando se taxa o gasóleo, gasolinas, etc tudo sobe, porque os transportes não gastam água!
  • Guilherme Cabreira
    04 jun, 2018 Paredes 12:52
    Já li que o Governo já agaixou-se e vai dar tudo o que os Camionistas querem. Pergunto a mim mesmo, Será que nas Greves o Crime Compensa ? Depois de ver Greves Atrás de Greves, puramente Políticas, que estragam a Vida a tanta Gente, Greves Sem qualquer razão de ser, agora até se inventam Greves para admissão de mais Médicos de Enfermeiros de Professores, baixar o Gasóleo de Camioniostas. Enfim, único propósito de destabilizar o País, dou comigo a perguntar, as greves estão aparecer como cerejas, será que os Partidos Políticos que incentivam e promovem estas Greves saiem ganhadoras ? Será que em eleições estas Organizações não são Penalizadas ?
  • Jaime Ramos
    04 jun, 2018 Rio Maior 01:09
    Claro que o governo vai ceder e já cedeu. Mas o presidente do Automóvel Club de Portugal veio questionar a legalidade dos descontos nos combustíveis para as transportadoras de mercadorias, mas acima de tudo considera que a medida é de “uma grande injustiça” em relação às outras empresas. È fácil perceber porquê. Imaginemos duas fábricas ou dois agricultores, um dos quais optou por fazer os seus próprios transportes e outro que contrata os serviços de um transportador. Apenas o primeiro vai sofrer o efeito do aumento do ISP. E não esquecer a malta que vai atestar os camiões, e depois o vai passar para os carros privados.... vai ser um fartote para alguns como ainda é o gasóleo agrícola. Não há saída neste país: os governos cedem sempre aos que têm mais força e ameaçam mais alto. Que políticos miseráveis e cobardolas. Que gentalha miserável e depois admiram-se dos 'populistas'. São a resposta óbvia a este estado de corrupção e de podridão na coisa pública. Que corja! Que gentalha política!
  • Osório de Campos
    03 jun, 2018 Lisboa 19:39
    Palavra dada é palavra honrada", a menos que se trate de uma promessa feita sobre pressão, por um M que até já não está no "governo" está no Eurogrupo. Agora, "não podemos estar sempre a descer os impostos sempre que sobe o combustível", disse o artista Mourinho da palavra honrada. Aqui está uma das grandes diferenças entre o PSD e o PS. No PS não honrar a palavra é uma forma de estar na política. Até porque podem dizer uma coisa e o seu contrário sem qualquer problema. Afinal já "eliminaram" Pedro Passos Coelho que, esse sim, era "um mentiroso" que comparado com o "ladrão", de que também foi apelidado, até parece um elogio. Ainda bem que é Rui Rio que "critica Governo por não cumprir promessa". O Governo é muito previsível! Sempre que promete, NÃO cumpre. Em 2019 a escolha é do povo.
  • Gustavo Viseu
    03 jun, 2018 Evora Monte 17:43
    Mas alguém espera outra coisa deste governo senão mentiras? BAIXAR O QUÊ ? CONTINUEM A SACAR !!! PALAVRA DADA, PALAVRA HONRADA !!! QUEM DISSE TAL ...BARBARIDADE ?
  • Ivo Cunha
    03 jun, 2018 Lisboa 17:37
    Para os táxis foram 17milhões, quanto vai ser atirado para cima deste problema? ....Mais os 20 milhões que se atirou para cima dos problemas dos suinicultores. É sempre a somar..