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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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A Catalunha e a UE

03 abr, 2018 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A UE é uma organização de Estados, cuja soberania é partilhada mas não eliminada.

Não se vislumbra uma saída honrosa para a crise na Catalunha. A crise começou com um referendo que o governo autónomo catalão organizou em outubro, sabendo que era inconstitucional.

Na altura, disse aqui que esse pseudo referendo era uma provocação dos independentistas, visando uma resposta violenta de Madrid que estimulasse o sentimento pró-independência na região, que era minoritário – e ainda é.

O governo de Rajoy caiu na armadilha e quase ocupou militarmente a Catalunha, provocando confrontos entre populares e a polícia do Estado espanhol. O referendo não teve as mínimas condições de legitimidade, mas serviu para acirrar os independentistas.

Navegando a onda, estes promoveram no parlamento autonómico (onde detêm a maioria, graças a uma lei eleitoral que dá mais votos às zonas rurais do que às urbanas) uma proclamação de independência.

O governo espanhol despachou o assunto para a justiça, que agravou a crise prendendo líderes independentistas, sob a acusação de “rebelião violenta” (suscetível de uma pena de 30 anos de prisão). Esta qualificação é posta em causa por vários juristas, que confirmam a ilegalidade, mas não a violência, das iniciativas dos separatistas. Tudo isto tirou a política da questão catalã – que só pela via política poderá ser ultrapassada.

Os independentistas tinham a expectativa, ou a ilusão, de que a União Europeia mediasse o conflito. Mas, como era previsível, a UE afastou liminarmente essa hipótese. O Tratado de Lisboa determina que a UE deve respeitar as funções dos Estados membros, incluindo assegurar a sua integridade territorial. Além disso, se Bruxelas reconhecesse o referendo ilegal de outubro na Catalunha, esse precedente passaria a ser invocado pelos independentistas da Córsega, da Lombardia, da Flandres, etc.

É lamentável que haja políticos catalães nas prisões espanholas. Mas, apesar dos exageros autoritários de Madrid, a Espanha é um país democrático – por isso não é correto classificar esses detidos de “presos políticos”, como existem na Turquia, na Venezuela, no Egipto, na Rússia, na China, etc. “A Espanha é uma democracia, onde o Estado de direito existe”, afirmou Angela Merkel depois da detenção de Puigdemont na Alemanha.

Muitos catalães – mas não a maioria deles, repita-se – podem publicamente discordar das leis e da constituição do Estado espanhol. E nada os impede de defenderem, por palavras, uma Catalunha independente e republicana, através de mudanças legislativas e constitucionais. Mas, se proclamarem unilateralmente a independência e a república, sujeitam-se às consequências jurídicas dos seus atos.

Convém lembrar que a UE é uma organização de Estados, cuja soberania é partilhada mas não eliminada.

Comentários
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  • António Costa
    03 abr, 2018 Cacém 23:33
    A rutura entre a Ucrânia e a Rússia foi muito mais simples. A separação entre Barcelona e Madrid já é diferente. A posição da União Europeia é extremamente interessante. Ambas as "alianças" remontam ao "construir das nações europeias", como hoje as conhecemos. Tanto a Ucrânia como a Catalunha foram também palco, de "graves problemas" nos anos 30 do passado Séc. XX (guerras civis). São duas situações criticas, típicas das ruturas "nacionalistas" a que temos assistido por essa Europa fora nos tempos mais recentes. A posição da UE ao serviço de causas "anti-Rússia" estranhas à Europa, acabou por abrir uma caixa de pandora. Está-se a colocar em causa todas a politica europeia de aliança antigas e recentes. A tentativa de "fragmentação em curso" da Europa convém a quem?
  • anedótico
    03 abr, 2018 Santarém 22:59
    Também as invasões francesas foram inconstitucionais e tiveram lugar e todos os dias há guerras inconstitucionais pelo mundo fora, talvez seja pela razão da inconstitucionalidade que jamais os portugueses exigirão a devolução de Olivença, talvez as leis mudem e se passe a perguntar ao país invasor se se pode fazer um referendo contra ele ou mesmo até uma guerra.
  • No país da diversão
    03 abr, 2018 Lisboa 14:35
    Catalunha é um assunto interno de Espanha, porque razão temos de falar nele como se fosse um assunto nosso importante? Será que não temos assuntos nossos importantes para comentar? De certeza que temos! Deve ser uma manobra de diversão!
  • João Lopes
    03 abr, 2018 Lisboa 12:39
    Infelizmente, o autor da opinião não explorou ou investigou o passado histórico das acções a favor de uma Catalunha independente e livre. A Espanha preferiu a opressão ao diálogo. Refere o artigo 155 da sua constituição para fazer calar os independentistas. Com isso, ganhou mais inimigos. Basta ver o que se passou no País Basco este fim de semana e a acção que convocou independentistas bascos contra o malfadado artigo 155. Se a Espanha continuar medieval, conservadora e franquista, ao ponto de convocar os legionários para procissões de Páscoa, como aquela que se viu na passada quinta-feira, vão pelo caminho da desfragmentação. Portugal só ganhará com uma Ibéria unida de estados independentes. Sairá sempre a perder, ao lado desta Espanha governada pelos mesmos de Madrid, velhos e corruptos.
  • Marco Almeida
    03 abr, 2018 Olhão 11:01
    Diz o "articulista": Muitos catalães – mas não a maioria deles, repita-se – podem publicamente discordar das leis e da constituição do Estado espanhol. E nada os impede de defenderem, por palavras, uma Catalunha independente e republicana, assim tipo posso dizer que tenho fome mas não posso pedir um pão, percebi perfeitamente, faz-me lembrar o Henry Ford, o cliente pode pedir a cor que quiser para o seu carro desde que seja preta
  • Paulo Fonseca
    03 abr, 2018 Paço D'Arcos 08:41
    Qual a opinião deste escriba «a serviço das grandes multinacionais» sobre a nossa independência em 1640? Na verdade, nós como nação e como povo também quisemos a independência de Espanha e nos sujeitamos às consequências jurídicas dos actos espanhóis. Seria bom que este mau escritor de opiniões relesse as páginas sobre a restauração da independência de Portugal, antes de vir aqui defender, de modo servil, a Espanha, como o fez neste texto.