22 mar, 2018
A Autoridade Tributária, decididamente, enlouqueceu. E, com ela, os portugueses que se julgam pertencentes a um Estado de direito razoavelmente desenvolvido também deixaram de gozar do seu perfeito juízo.
Não sei a quem um simples cidadão possa apelar, porque o bom senso começa a abandonar gradualmente todos os agentes, a começar pelos vários órgãos de soberania. Em rigor, já nem a tutela da dita autoridade é unanimemente reconhecida. Estará no Terreiro do Paço ou em Bruxelas? Em desespero de causa, talvez o Presidente possa dar uma palavrinha ao primeiro-ministro sobre o absurdo do caso. Ou a DECO possa sugerir ao Tribunal Constitucional que os próximos acórdãos venham munidos de anexos de carácter vinculativo com “recomendações de soluções burocráticas para a aplicação das decisões”.
Eu explico: em Portugal, uma IPSS está, por definição dos seus fins, isenta de pagamentos de impostos. Se se encontra em absoluta falência técnica com capitais negativos e uma emergente necessidade de injeção de capitais próprios, pode resolver o problema abdicando do seu estatuto de isenção e pedindo para passar a pagar IRC. A possibilidade de tal coisa vir a acontecer é absolutamente ridícula, dada a falência técnica em que se encontra. Apesar disso, aplica-se “a lei” e os mais de 200 milhões de capitais negativos transformam-se em perto de 500 positivos pelo chamado mecanismo de recurso à contabilização de “ativos por impostos diferidos”.
Perceberam? Não. Intuem que aqui anda marosca? Há, de facto, marosca. Acham que os reguladores, os ministros, os banqueiros concorrentes, Bruxelas, o que seja, vão retirar alguma conclusão, impedir a operação, denunciar o logro? Nada. Fica tudo caladinho como se nada se passasse, incluindo a administração da dita IPSS, que há anos se suspeita não ter idoneidade para coisa nenhuma, mas que continua à frente de uma instituição de que dependam as poupanças de 600 mil portugueses.
O truque contabilístico já tinha sido usado outras vezes? Já. Mas em situações em que, sendo questionável, ainda fazia algum sentido. Desta vez, não faz sentido nenhum, mas ninguém pergunta nada, pelo que a operação fica “de facto” e “de jure” absolutamente “inquestionável”. A Autoridade Tributária, que concede um crédito de imposto a quem nunca o pagará, também não tuge nem muge, porque não lhe pagam para pensar. “Assunto encerrado”, na terminologia de Costa.
Eu explico outra vez, agora com um exemplo mais comezinho: uma câmara municipal cobra uma taxa que o Tribunal Constitucional obriga a devolver anos depois, embora “sem juros”. A Câmara devolve de uma forma expedita e inteligente o dinheiro devido através de vales postais. Sabem o que é? Informem-se, mas é um papelinho que obriga a uma ida em horário de expediente aos CTT. Conhecem? Informem-se, mas é um local onde, entre outras coisas em desuso, se recebem reformas e se restituem taxas cobradas abusivamente aos que têm a sorte de conseguir deixar o trabalho nas mesmas horas de expediente para os irem lá buscar. Adiante.
Compreende-se que a Câmara que devolve de má vontade o dinheiro não se empenhe em mandar o dito vale por “carta registada” e menos ainda com “aviso de receção”. Por isso, o vale pode extraviar-se ou chegar quando chegar - caso chegue.
Mas a Autoridade Tributária, sempre atenta a taxas e taxinhas, alerta para este mimo: os proprietários com casas arrendadas e que consideraram nas declarações de impostos de anos anteriores a taxa efetivamente paga, como custo de dedutível dos seus impostos, terão, desde a data de receção da devolução da dita, que refazer as declarações de impostos de anos anteriores a que a tal taxa se refere “no prazo de 30 dias”, a contar não se sabe bem de quando, porque o que conta é a data do recebimento.
Ora, depois do natural clamor pelo desconchavo, tudo o que o senhor secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tem para dizer do alto da sua boa vontade aos lesados é este mimo de comunicado: “Tendo em conta o contexto de devolução da taxa municipal de proteção civil de Lisboa, aos contribuintes que entregarem a declaração de substituição da declaração de IRS por este facto, ainda que decorrido o prazo legal de 30 dias, não será aplicada coima desde que aquela obrigação seja cumprida até ao dia 31 de julho de 2018”.
“Não será aplicada coima”, vejam a generosidade!
Haja paciência. Então quem tem criatividade para oferecer de bónus um crédito de impostos de centenas de milhões de euros por impostos futuros que nunca haverá de receber não pode fazer o favor de contabilizar como “crédito” ou “débito”, ou lá o que seja, o respetivo acerto de impostos?
Achará a Autoridade Tributária que isto é uma ditadura? Tenham paciência, mas desta vez a única coisa que me ocorre é que amalucaram. Se o senhor Presidente não se “ensarampou” ao visitar os doentes com sarampo talvez possa explicar ao Dr. António Costa que um país europeu civilizado não pode tratar assim os cidadãos (nem mesmo os capitalistas proprietários que têm casas arrendadas, ao mesmo tempo que dá benesses aos capitalistas mesmo “mutualistas” rendidos ao grande capital!). Alguém tem de dizer basta. E já agora explicar que o multibanco e as transferências bancárias resolvem muitas questões de pagamentos e de recebimentos em plena era digital.