29 jan, 2018
Para quem acha que a liberdade editorial e de programação dos media é intocável, a noite de ontem foi de censura clamorosa, com a suspensão do programa Supernanny. Pelo contrário, para quem entende que os direitos da intimidade e da imagem das crianças devem sempre prevalecer, a suspensão foi uma vitória da cidadania e de um Estado de direito.
Mais valia que o Tribunal lisboeta tivesse assumido ele a suspensão do programa. O que exigiu da SIC - que as imagens das crianças fossem emitidas com recursos técnicos que não permitissem identificá-las – equivale a tomar o Supernanny por aquilo que ele não é: um documentário, em vez de um ‘reality show’.
Mas a estação televisiva quer deitar areia para os olhos ao pretender propô-lo como um “formato pedagógico e educativo”, com o “mérito de estimular em Portugal um amplo debate público sobre as questões da parentalidade”. Se pretendesse isso, não o faria com um espectáculo lamentável de crianças feitas cobaias, antes envolveria os excelentes jornalistas que tem nas suas redacções.
O facto de o programa já ter sido emitido em muitos países sem esta reacção não pode ser tido propriamente como argumento, visto que os contextos socioculturais e os modos de conceber e realizar o ‘reality show’ podem variar. O Supernanny está longe de ser o primeiro programa que passa com sucesso nuns sítios e causa ruído e até alarme social noutros.
Também não é argumento sério ilibar este programa com a desculpa de que há outros que (ab)usam de miúdos. Há aqui um problema de escala e de (falta de) bom senso elementar. Perguntemo-nos: e se fossem os nossos filhos ou netos a serem expostos desta maneira? Daqui a uns anos, gostarão as crianças de hoje de se ver nas redes digitais, nas cenas em que a irresponsabilidade dos adultos os colocou?
Isto coloca o outro problema de fundo deste caso: mais de um milhão vimos o Supernanny. A SIC produziu-nos como audiência sua. Mas nós alinhámos nessa estratégia como seu pilar. Isto não nos diz nada?
Temos de defender a liberdade de programação dos media; mas esta liberdade não é irrestrita e nunca poderá espezinhar a dignidade humana, sobretudo de quem não se pode defender.