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Cristina Sá Carvalho
Opinião de Cristina Sá Carvalho
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Figuras e desfiguras

26 dez, 2017 • Opinião de Cristina Sá Carvalho


Diz o povo a toda a hora, e de potencial boletim eleitoral na mão, que Marcelo é o maior… dos Presidentes. E as fotos, vai-se vendo, são do melhor, porque o nosso RS bebeu muito chá em pequenino e vai daí (causa com bom efeito), beija e abraça tão bem, ou melhor, a D. Micas, desesperada e chorosa dos duros reveses da vida, quanto as protocolares rainhas.

Estou quase convicta de que nunca escrevi um balanço do ano. Como a maioria das mulheres modernas, salvo as que se dedicam à economia ou às finanças, as balanças que concentram as minhas atenções fazem-me circular entre a cozinha e a casa de banho, numa tensão mais ou menos permanente, dolorosa, desesperante. Mas eis quando, no cume, ápice, extremo, final do mais ambivalente dos anos, uma figura solene, convicta, densa e experiente me instila motivação para tão original, necessária e definitiva análise. Falo de Maria Cavaco Silva e a estupenda, detalhada, esclarecedora entrevista dada ao jornal “Sol” (a quem agradeço a ideia, o esforço e o trabalho) e, sobretudo, ao mote do mega, magnífico e magnético título jornalístico da peça: “Faz imensa falta uma primeira dama em Belém”. Ah!, este desabafo, partilha, constatação, acertou-me em cheio, atingiu-me o âmago, transcendeu-me a mente com a emoção. Em parágrafo próprio me explicarei. Devo advertir o generoso leitor de que me esforcei animicamente, intelectualmente e motivacionalmente para ler toda a entrevista e, assim, fugir à armadilha de considerar declarações retiradas do seu verdadeiro, pertinente e exacto contexto ou, o que mormente se chama, descontextualizadas. Se soubesse escrever isto em francês, diria que também era inspiração da inspiradora senhora.

Depois de ler atentamente o conteúdo – subliminar, e tudo – da dita entrevista, sinto-me tão dividida pelos amargos e pelos doces do ano que passou, lembrando-me do bem que Portugal foi representado por Manuela Eanes, numa fase da história em que foi preciso mostrar lá fora que o país se democratizara e merecia confiança internacional, e em que esta mulher preparada, inteligente e empreendedora certamente deu uma ajuda preciosa de soft diplomacy junto de um Presidente inesperado. E através de Maria Barroso, trabalhadora, resiliente, culta, delicada e paciente, a face do equilíbrio da força da natureza que era Mário Soares, sempre oportuna e conhecedora do seu lugar no palco em que se movia a grande estrela. Mas rapidamente recordo que uma das razões pelas quais votei em Marcelo Rebelo de Sousa foi pela alegre possibilidade de não ter “primeira dama”.
Ora, diz o povo a toda a hora, e de potencial boletim eleitoral na mão, que Marcelo é o maior… dos Presidentes. E as fotos, vai-se vendo, são do melhor, porque o nosso RS bebeu muito chá em pequenino e vai daí (causa com bom efeito), beija e abraça tão bem, ou melhor, a D. Micas, desesperada e chorosa dos duros reveses da vida, quanto as protocolares rainhas, Presidentes e Primeiras Ministras (é só relancear de relance as fotos). É um facto que o fácies de um Presidente atarefado e preocupado não é comparável à delicada escultura óssea de um ente superiormente hollywoodesco, mas se a Meca californiana já teve melhores dias, outro tanto não se diz de Belém onde, por acaso, pontuam outras mulheres, as que devem pontuar, num staff variado em formações, idades, contributos. E, quanto aos amadrinhamentos – até com Maria Cavaco Silva foi um Presidente empático, reconhecido, educado – não é preciso muito para perceber que nenhuma pequena pergunta ou pedido popular ficará sem resposta e quanto aos grandes problemas nacionais e às alegrias de que dificilmente os desastres nos deixam desfrutar, agora há alguém que nos garante que se faz o que deve ser feito.

A segunda razão porque votei MRS baseou-se no profundo conhecimento que este tem dos poderes presidenciais, do sistema de partidos e dos meandros da administração pública, assim como pela coragem pessoal e política que sempre demonstrou, e que úteis é esta quando se trata de cumprir o seu dever constitucional e moral de Primeira Figura de um Estado democrático. Quanto a MCS, recomendo um longo, profundo e demorado silêncio: por um lado, para não nos estar sempre a recordar a longa, marcada e inexplicável inação do esposo Presidente num momento particularmente crítico da história recente, quando a maioria da população, quando não dos seus eleitores, se tem esforçado por evitar estar sempre a bater nesse saco de boxe sempre a jeito …. Em segundo lugar, porque depois da labuta, feridas e ansiedade de anos de crise, de ouvir as incompreensíveis histórias com os amigos do BES, mais das ações da sociedade do não sei quantos e das patetas reclamações de moralidade impoluta, ainda não é capaz de fingir ter em consideração que são os impostos dos portugueses que pagam o Convento, cenário idílico e inútil das amenas cavaqueiras dos pombinhos. Uma triste desfigura, pois.

Comentários
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  • Margarida
    27 dez, 2017 Lisboa 11:20
    Mais uma vez, muito bom!!! Continuo a achar que tem o dom de bem dizer. Muito obrigado.
  • Pedro Silva
    26 dez, 2017 Lisboa 21:58
    Pela mesma entrevista, fiquei a saber que Aníbal Cavaco Silva é o «Cary Grant» de Maria Cavaco Silva. Pobre Cary Grant.
  • MASQUEGRACINHA
    26 dez, 2017 TERRADOMEIO 16:44
    Vitriólica, hoje...