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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Os “retornados”

24 abr, 2024 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Meses depois da revolta militar que derrubou o antigo regime, vagas de ex-colonos desembarcaram em Lisboa, fugindo de uma situação de guerra civil em África. Receou-se uma catástrofe, mas as coisas correram melhor do que se esperava.

Quando se tornou claro que a revolta de 25 de abril alcançara o seu objetivo primordial – acabar com as guerras coloniais – muitos militares que estavam em serviço nas colónias não quiseram continuar a combater. Tornou-se, assim, inviável uma descolonização negociada.

Aliás, descolonizar como fizeram outros países europeus deveria ter sido uma operação realizada pelo anterior regime. Só que isso era impossível, perante a ficção que esse regime sustentava em matéria colonial.

Por isso a descolonização que se seguiu ao 25 de abril não foi programada nem pensada. Mas não houve em Portugal qualquer choque. As colónias africanas só muito recentemente tinham recebido colonos em alguma quantidade, pelo que as autoridades portuguesas controlavam apenas uma faixa litoral.

Logo após a independência, em Angola e depois em Moçambique iniciaram-se violentas guerras civis. Daí que meses depois do 25 de abril, vagas de ex-colonos desembarcaram em Lisboa, fugindo de uma situação de guerra, agora civil, nas colónias africanas.

A maior parte vinha quase só com a roupa que tinha no corpo. Alguns acolheram-se junto de familiares; muitos outros foram provisoriamente instalados pelo Estado em hotéis requisitados para esse efeito.

Num país em crise económica, além da crise política, a vinda de cerca de 600 mil “retornados” parecia constituir uma catástrofe. Os “retornados” passaram tempos muito difíceis, claro, mas a médio prazo não só lograram uma integração pacífica na sociedade portuguesa, como deram um apreciável contributo económico a uma economia semi-paralizada que desprezava a iniciativa privada.

Passados cinquenta anos, os “retornados” não representaram em Portugal um problema semelhante ao que, em França, os ex-colonos da Argélia trouxeram para o território francês. Foi um sucesso inesperado.

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