O Papa publicou uma mensagem para o V Dia Mundial dos Pobres onde alerta para consequências da pandemia, pede nova abordagem na luta contra a pobreza e reforça as críticas ao sistema financeiro.

Na mensagem publicada em várias línguas pode ler-se que “os pobres não são pessoas «externas» à comunidade, mas irmãos e irmãs cujo sofrimento se partilha, para abrandar o seu mal e a marginalização, a fim de lhes ser devolvida a dignidade perdida e garantida a necessária inclusão social".

Francisco distingue entre “um gesto de beneficência, que pressupõe um benfeitor e um beneficiado” e a partilha que gera fraternidade. “A esmola é ocasional, ao passo que a partilha é duradoura. A primeira corre o risco de gratificar quem a dá e humilhar quem a recebe, enquanto a segunda reforça a solidariedade e cria as premissas necessárias para se alcançar a justiça”.

Valoriza “muitos exemplos de Santos e Santas que fizeram da partilha com os pobres o seu projeto de vida” e aponta como modelo dos nossos tempos o Padre Damião de Veuster, apóstolo dos leprosos. Este santo belga foi viver com os leprosos para a ilha de Molokai, “fez-se médico e enfermeiro, sem se preocupar com os riscos que corria, levando a luz do amor àquela «colónia de morte», como era designada a ilha” e acabou por morrer contagiado com lepra. “O seu testemunho é muito atual nestes nossos dias, marcados pela pandemia de coronavírus”, acrescenta o Papa, certo de que "a graça de Deus continua em ação no coração de muitas pessoas que, sem dar nas vistas, se gastam concretamente partilhando a sorte dos mais pobres”.

Pandemia e novas formas de pobreza

Francisco preocupa-se com o ganhar terreno da “conceção segundo a qual os pobres não só são responsáveis pela sua condição, mas constituem também um peso intolerável para um sistema económico que coloca no centro o interesse dalgumas categorias privilegiadas”. E denuncia os mercados que criam “armadilhas novas da miséria e da exclusão, produzidas por agentes económicos e financeiros sem escrúpulos, desprovidos de sentido humanitário e responsabilidade social”.

Além disso, “no ano passado, veio juntar-se outra praga que multiplicou ainda mais o número dos pobres: a pandemia. Esta continua a bater à porta de milhões de pessoas e, mesmo quando não traz consigo o sofrimento e a morte, todavia é portadora de pobreza”, reconhece o Papa. “Os pobres têm aumentado desmesuradamente e o mesmo, infelizmente, continuará a verificar-se ainda nos próximos meses. Alguns países estão a sofrer gravíssimas consequências devido à pandemia, a ponto de as pessoas mais vulneráveis se encontrarem privadas de bens de primeira necessidade. As longas filas diante das cantinas para os pobres são o sinal palpável deste agravamento”.

Francisco quer “soluções mais idóneas para combater o vírus a nível mundial, sem olhar a interesses de parte” e considera “urgente dar respostas concretas a quantos padecem o desemprego, que atinge de maneira dramática tantos pais de família, mulheres e jovens”.

Para combater estes flagelos, o Papa pede uma conversão nos hábitos de vida individualista, lembra que “a pobreza não é fruto do destino, é consequência do egoísmo” e propõe novos ”processos de desenvolvimento onde se valorizem as capacidades de todos”. Ou seja, “há muitas pobrezas dos «ricos» que poderiam ser curadas pela riqueza dos «pobres», bastando para isso encontrarem-se e conhecerem-se. Ninguém é tão pobre que não possa dar algo de si na reciprocidade”, escreve Francisco.

A mensagem também se dirige aos governos e instituições mundiais que "precisam de perfilhar um modelo social clarividente, capaz de enfrentar as novas formas de pobreza que invadem o mundo e marcarão de maneira decisiva as próximas décadas”. Com um alerta especial: “Se os pobres são colocados à margem, como se fossem os culpados da sua condição, então o próprio conceito de democracia é posto em crise e fracassa toda e qualquer política social”, avisa o Santo Padre.