11 jun, 2021 - 06:30 • João Carlos Malta
Está cada vez mais caro para os portugueses atestarem o depósito dos automóveis. Entre junho de 2020, três meses depois da pandemia chegar a Portugal, e o início mês que agora começou, um litro de gasolina 95 custa em média mais 27 cêntimos, e um litro de gasóleo vale agora mais 23 cêntimos.
O mesmo equivale a dizer que, no espaço de um ano, os dois combustíveis mais utilizados pelos portugueses subiram 20%. Este agravamento dos preços tem como consequência que, para encherem um depósito de 45 litros, saiam da carteira dos consumidores mais 10,35 euros no caso do gasóleo, e mais 12,35 euros no caso da gasolina.
Mas o que justifica este crescimento tão acentuado? Os especialistas e agentes do setor ouvidos pela Renascença elencam cinco razões que explicam o fenómeno:
Dados da ACAP
176.992 novos veículos entraram em circulação em 2(...)
Para o técnico da DECO PROTESTE, Pedro Silva, a subida do preço dos combustíveis era uma realidade esperada. A fase atípica, garante, foi a que vivemos no período da pandemia. Passado o tempo de escassez na procura, os valores cobrados por litro da gasolina 95 e do gasóleo voltaram aos mesmos níveis que eram praticados antes de março de 2020.
Pedro Silva pensa que é “inevitável” esta convivência com preços altos nos combustíveis, e diz que a comparação com o ano anterior não é razoável.
“Esse período é que foi anormal e fazer uma comparação com preços de gasóleo a um euro ou gasolina a 1,30 euros… Não sei se se lembra da última vez que isso aconteceu. Isto foi uma anormalidade, chegou a pagar-se para ficarem com petróleo. Houve 'stocks' gigantescos que fizeram com que não houvesse onde colocar o produto, o que levou ao fecho de refinarias em julho [do ano passado]”, refere.
O especialista da DECO olha para os preços de janeiro de 2020, que são os que podem ser comparados com os atuais, e aí verifica-se, segundo Pedro Silva, que os valores são similares. Apenas um pouco mais altos à data de hoje, porque também o barril de Brent está a ser transacionado por um valor mais elevado.
Mas a consequência da subida dos preços do gasóleo e da gasolina 95 não se cinge apenas ao ato de encher o depósito. Tem um efeito de dominó sobre a economia. A constatação é feita por Nuno Ribeiro da Silva, CEO da Endesa e especialista da área da energia. Os agentes económicos vão fazer repercutir o aumento dos custos na cadeia de valor.
“Ao fim do dia quem paga é o consumidor. Por muitas voltas que demos, as empresas vão refletir os custos que suportam nos preços de venda. É um movimento natural, que vai acontecer em todos os bens e serviços. Algumas empresas não têm margens confortáveis, em particular neste quadro que estamos a atravessar, e o único escape que têm é o de empurrar para o consumidor esses custos”, afiança.
Os CTT estão já a fazer refletir nos clientes a subida dos preços nos postos de abastecimento. Desde 1 de maio que estão a aplicar uma taxa de 5% no serviço expresso de encomendas. Numa comunicação enviada aos clientes, os Correios avisam que a denominada “taxa de combustível será atualizada mensalmente com base no preço mensal do gasóleo simples (….) com dois meses de diferimento”.
Os CTT justificam o aumento como “forma de adequar o preço dos envios (por via aérea e marítima) ao custo efetivo do mesmo” e “de tornar mais transparente esse impacto no preço do serviço prestado”.
Sobre a subida dos preços dos combustíveis, Ribeiro da Silva diz que esta “tem sempre um impacto negativo e é inibidor de um novo respirar da atividade económica. “Ainda por cima sabemos que, no nosso país, os preços dos combustíveis são superiores à média europeia por causa da carga fiscal que atinge valores muito altos, na ordem dos 65% na gasolina e 60% no gasóleo”.
O aumento dos preços a pagar pelos consumidores é sempre alvo de muitas críticas direcionadas para a indústria. O secretário-geral da Associação de Empresas Petrolíferas em Portugal (APETRO), António Comprido, defende-se dos que dizem que, quando o valor do barril de petróleo estava a 150 ou 160 dólares, o custo por litro não era proporcionalmente tão elevado.
“Agora que está a 70 [dólares] muitos dizem que o preço devia ser metade. É evidente que não poderia ser metade, porque a matéria-prima apenas contribui entre 20% a 25% do preço final, portanto, no máximo estaríamos a falar de 12,5%”, avança. Mas mesmo aí, garante, as contas não se podem fazer dessa forma. Porquê? “O valor do ISP era outro [à época]. Não havia nem taxa de carbono, nem incorporação dos biocombustíveis. Há outros fatores que fazem com que o preço final esteja agravado”, sublinha.
Mas se é verdade que a carga fiscal de mais de 60% nestes produtos explica uma parte do valor alto que os portugueses pagam pelos combustíveis, os números oficiais mostram também que antes de impostos o valor de venda em Portugal não é dos mais baixos da Europa.
Comprido justifica-o com a situação periférica em relação a países como a Holanda, Bélgica, Alemanha ou Luxemburgo, que depois de receberem o petróleo o transportam em “pipelines” o que torna a matéria-prima mais barata. No caso de Portugal, há que somar o valor do frete do transporte marítimo.
A isso, acrescenta, soma-se a densa rede de postos de combustível no país, que baixa consideravelmente a rentabilidade de cada um deles, segundo o líder da APETRO. “E isso não é verdade em muitos outros países como a França e como a Alemanha. Isto quer dizer que os postos vendem mais quantidade, têm economias de escala que nós não temos”.
A Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis, a ANAREC, através do presidente Francisco Albuquerque, avança que, nesta dança dos preços, os empresários que têm os postos de abastecimento nada ganham. Isto porque a taxa de lucro que têm é sempre a mesma - três cêntimos por litro -, assegura.
“Grande parte dos postos de abastecimento vivem hoje com grandes dificuldades devido à menor rentabilidade, porque as estruturas de custo se têm agravado ao longo dos anos e as nossas margens comerciais têm-se mantido iguais”, garante. Francisco Albuquerque sublinha que há uma década que o valor arrecadado pelos postos de abastecimento não sobe.
“As nossas margens estão contratualizadas com as companhias petrolíferas e não sofrem alteração com a variação do preço ao consumidor. Não ganhamos mais com o aumento do preço dos combustíveis. A diferença entre postos, que tem sido questionada diversas vezes, tem a haver com as políticas comerciais das diversas companhias petrolíferas. São elas que dão indicação aos revendedores dos preços finais a serem praticados nos postos”, explica.
De seguida, o mesmo responsável sublinha que a associação tem “feito um grande apelo às petrolíferas para que haja uma melhor distribuição das margens comerciais pela cadeia de valor”. O presidente da ANAREC afirma que há já reuniões marcadas com os representantes das multinacionais para discutir o tema.
Albuquerque garante que estes empresários já não vivem do “core” do negócio, a venda de combustíveis, é na lavagem de viaturas e nas lojas de conveniência que lutam pela sobrevivência.
“Temos todo o interesse que os preços sejam mais baixos, por causa dos nossos associados junto à fronteira que são prejudicados pelos preços praticados do lado de lá de Espanha”, remata.
Em relação ao futuro, os quatro especialistas ouvidos pela Renascença não avançam com muitas certezas sobre a flutuação dos preços até ao final do ano, mas caso não haja nenhum acontecimento inesperado o mais provável “é a estabilização” dos valores com a possibilidade de “um ligeiro aumento”.