02 jun, 2021
“São erros a mais”, comentou o bastonário da Ordem dos Médicos, falando do que se passou em torno da final da Liga dos Campeões europeus de futebol, no Porto.
Dentro do estádio estavam cerca de 16 mil adeptos britânicos dos dois clubes que ali jogaram a final.
Mas aos adeptos portugueses de futebol e de outros desportos estava proibido – e continua - ingressar em estádios e pavilhões desportivos em todo o país.
Esta dualidade de critérios corroeu a autoridade do Estado para impor medidas contra a Covid-19. Como convencer os portugueses a usarem a máscara, a manterem distâncias entre pessoas nas ruas ou na praia, a não consumirem álcool na via pública, etc. se eles viram milhares de ingleses sem máscara, nem distanciamento social, a beberem cerveja nas ruas do Porto?
Para além do mais, este exemplo de incoerência nas medidas governamentais e do seu possível efeito negativo na progressão da pandemia, impressiona a atitude de subserviência face ao estrangeiro e em particular perante os ingleses.
A Grã-Bretanha é o mais antigo aliado de Portugal. A ligação à mais importante potência marítima do mundo foi ao longo de séculos uma defesa da independência do país em relação a Espanha.
A fuga da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, acompanhada por perto de dez mil pessoas, só foi possível com o apoio militar da armada britânica. E foram militares britânicos quem dirigiu a luta contra as invasões francesas; depois da vitória sobre as forças de Napoleão quem de facto mandou no Portugal europeu até à revolução de 1820 foram ingleses.
Mais tarde, depois da vitória liberal contra o absolutismo, o embaixador do Reino Unido em Lisboa era um ativo interveniente nas sucessivas querelas entre políticos portugueses.
Mas a “pérfida Albion”, como às vezes era chamada a Grã-Bretanha na Europa, também criou na sociedade portuguesa um ressentimento anti-britânico, que atingiu um pico na altura do ultimato de Londres.
Nas últimas décadas do séc. XIX uma parte do pessoal político em Portugal virou-se para as colónias africanas; a ideia era ligar Angola a Moçambique, o chamado “mapa cor-de-rosa”. Em 1890 um ultimato britânico pôs termo a essa ilusão: os britânicos queriam mandar no território africano do Norte ao Sul, um projeto de Cecil Rhodes (de onde viria o nome Rodésia).
Naturalmente que a monarquia portuguesa e os partidos monárquicos tiveram que se resignar e puseram de parte o “mapa cor-de-rosa”. O que foi largamente explorado pela propaganda dos republicanos. Nessa altura surgiu aquilo que viria a ser, em 1911, o hino de Portugal.
Ora, em certas versões, esse hino apelava a “marchar, marchar, contra os bretões” e não “contra os canhões”, como haveria de ficar na versão consagrada.
Por outro lado, os ingleses que vinham viver em Portugal, nomeadamente no Porto, envolvendo-se na exportação do vinho do Porto, tiveram durante décadas uma justiça própria, não se submetendo às leis portuguesas.
Mais perto de nós, foi pela mão da Grã-Bretanha que o Portugal de Salazar ingressou, com alguma relutância, na integração europeia. Em 1959 um país colonialista e não democrático, como era então Portugal, logrou ser um dos fundadores da EFTA – Associação Europeia de Comércio Livre, ao lado de países democráticos e anti-colonialistas como a Suíça, a Dinamarca e a Suécia.
O Reino Unido e Portugal entrariam mais tarde na Comunidade Europeia, hoje UE. Só que os britânicos decidiram em 2016 sair da UE.
Mas só haverá benefícios para ambos os países se mantiverem boas relações – afinal, temos, repito, a aliança mais antiga do mundo. Nada disso permite atitudes de subserviência, que apenas evidenciam o nosso complexo de inferioridade.
PS - esta coluna fará uma breve pausa. Regressa no próximo dia 14, segunda-feira, se Deus quiser.