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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Inflação - deflação - inflação

28 mai, 2021 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Como se previa, os juros e a inflação começaram a subir. Nada de dramático, pelo menos por enquanto. A Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) tem seguido uma política ativa e prudente na gestão da dívida pública.

Alguns leitores talvez se recordem do tempo em que a alta de preços em Portugal andava perto dos 30% ao ano. Para as famílias mais carenciadas era um pesadelo, pois limitava-lhes o acesso a bens essenciais, como a alimentação.

Nessa altura, no Brasil, o então presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu baixar muito a híper inflação no seu país, o que representou um importante avanço social, porque beneficiou sobretudo as classes mais pobres.

A inflação de há 50 anos facilitava a vida aos políticos e aos empresários: acordavam subidas salariais com os sindicatos de 15 ou 20%. Os sindicatos ficavam satisfeitos, até perceberem que a “subida” era realmente uma descida, pois a inflação “comia” o aumento nominal dos salários.

Já no presente século a inflação deixou de ser um problema na maior parte dos países, incluindo Portugal. As crises financeiras trouxeram o problema inverso: o receio de deflação, isto é, de uma baixa persistente e generalizada dos preços, que levaria as pessoas a adiarem muitas das suas compras, aguardando bens e serviços mais baratos.

A ameaça de estagnação económica conduziu os bancos centrais a descerem os juros, que ainda hoje estão historicamente baixos; algumas taxas de juro são até negativas.

Os banqueiros centrais, como Draghi (Banco Central Europeu - BCE) e a Reserva Federal, recorreram ainda a medidas não convencionais, como a compra de dívida pública. Mas, sobretudo na Europa, queixavam-se, com razão, de que os governos não colaboravam no ataque ao risco deflação com políticas orçamentais mais expansionistas.

Ora tudo isso se alterou, nomeadamente com a “bazuca” da UE, em grande parte por causa da pandemia. Nos EUA houve um forte aumento da despesa pública federal para combater a crise financeira e bancária desencadeada em 2007.

E agora Joe Biden tenta fazer aprovar no Congresso vários e enormes pacotes de despesa para contrariar os efeitos económicos e sociais da pandemia.

A entrada em força de dinheiro público nas economias dos EUA e da UE, a par com a política monetária expansionista dos bancos centrais, nomeadamente juros baixos do BCE e da Reserva Federal, suscitou receios de um regresso da inflação. L. Summers, que foi secretário de Estado do Tesouro quando Bill Clinton era presidente, tem repetido avisos de que a inflação está a subir rapidamente, propondo limitar os pacotes de despesa pública e aconselhando a Fed a subir os juros.

Randal Quarles, vice-presidente da Reserva Federal, disse nesta semana que será importante o banco central começar a discutir uma redução massiva de compra de dívida, caso a economia americana continue a recuperar com força. Na Europa os ortodoxos do Bundesbank criticam as políticas expansionistas do BCE e da UE por motivos semelhantes.

Em Portugal o índice de preços no consumidor esteve em terreno negativo no segundo semestre do ano passado, mas no corrente ano já é positivo – à volta de 0,6%. E os juros também subiram, embora moderadamente – por enquanto, pelo menos.

Neste mês de maio, numa emissão de dívida do Estado a dez anos, Portugal pagou juros de 0,5%, quando em março tinha pago 0,2%. No mercado secundário, onde se transaciona dívida pública já emitida, a dívida portuguesa a dez anos paga agora cerca de 0,6%. O que representou uma perda de 80 milhões de euros para o Estado – ou seja, para os contribuintes.

Nada disto é dramático nem imprevisto. Portugal continua a emitir dívida pública a juros baixos, ajudado pelas compras do BCE. E a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), liderada por Cristina Casalinho, tem seguido uma política ativa e prudente na gestão da dívida pública. Mas espera-se do Governo e dos municípios que não entrem em despesas eleitoralistas, visando as autárquicas de setembro.

PS - Desta vez, o ministro da Administração Interna acertou. O Governo decretou a requisição civil dos funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) nos aeroportos. E o SEF mais uma vez mostrou como lhe falta sensibilidade social, ao convocar uma greve neste momento.

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