Fiscalidade no desporto

Fisco não perdoa desvalorização de jogadores

03 jun, 2021 - 08:00 • Luís Aresta

Rescisões e revogações de contratos de trabalho não originam "perdas por imparidade". Sociedades desportivas pagam a totalidade do imposto, ainda que os jogadores tenham perdido valor no mercado.

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Os direitos sobre a contratação de jogadores são, atualmente, um dos mais importantes ativos dos clubes ou sociedades desportivas. Quando contratam um atleta, os clubes fazem-no com uma dupla perspetiva – reforçar as equipas na expetativa de obter rendimentos na atividade e, por outro lado, possibilitar mais-valias, se esse ativo se valorizar ao ponto de assegurar uma transferência rentável no futuro.

E quando tal não acontece? Se um determinado jogador não rende o esperado e perde valor com o decorrer do tempo, ao ponto de a relação contratual não ser levada até ao fim? Pode uma entidade desportiva reconhecer esta perda de valor como "desvalorização excecional" e enquadrá-la no conceito de "perda por imparidade", reduzindo os impostos a pagar?

O que é uma perda por imparidade?

A "perda por imparidade" é um conceito e um evento que a contabilidade regista e que pode, ou não, ter efeitos fiscais. Numa linguagem simples, representa a parte não recuperável do valor de determinado ativo que a contabilidade reconhece, desvalorizando esse ativo para que seja prudentemente reconhecido e esteja apresentado no balanço por um valor que não exceda o valor que se espera recuperável.

Sucede que, “por regra, o legislador tributário é mais exigente, cerceando a possibilidade de os contribuintes reduzirem o resultado sujeito a imposto”, esclarece à Renascença o especialista Rogério Fernandes Ferreira, sócio e fundador da RFF Advogados, especializada em direito empresarial.

Na prática, “só são aceites como perdas por imparidade as desvalorizações excecionais provenientes de causas anormais, devidamente comprovadas”, sublinha. Imagine-se o cenário trágico de um acidente aéreo que vitime um ou mais jogadores de uma equipa portuguesa, como infelizmente já aconteceu noutros países.

Nesse caso, e em casos desta natureza, poderíamos estar perante uma perda de imparidade reconhecida pela autoridade tributária, por destruição total ou perda evidente do valor dos ativos, por fator totalmente alheio à vontade do sujeito passivo.

Rescisão de contratos desportivos é ato de gestão e o fisco não perdoa

A questão que se coloca é a de saber se a revogação ou a rescisão de um contrato de trabalho desportivo em momento anterior ao previsto representa ou não uma desvalorização anormal ou excecional e se, desta forma, se enquadra no conceito de "perda por imparidade".

A dúvida faz sentido, dado o grau de imprevisibilidade do “rendimento” de alguns atletas. Veja-se, a título de exemplo, o caso de Facundo Ferreyra, avançado que, em 2018, chegou à Luz com o rótulo de goleador e com o qual o Benfica gastou mais de 2 milhões de euros por ano, só em salários. O jogador acabaria por não corresponder às expetativas e o contrato, que só terminaria em junho de 2022, cessou por mútuo acordo no início de 2021.

Neste, como noutros casos de antecipação do fim do contrato, clubes e sociedades desportivas não podem alegar tais "perdas por imparidade" para efeitos de redução nos impostos. Porquê?

Rogério Fernandes Ferreira esclarece que, no entendimento da lei e da autoridade tributária, “embora isso seja imprevisível no momento de assinatura do contrato, tal revogação do contrato de trabalho desportivo ainda cabe no conceito de 'ato de gestão', nomeadamente com o intuito de reduzir os encargos associados a esse ativo, não sendo considerada uma desvalorização excecional”.

No fundo, se um clube manifesta a vontade de rescindir com um jogador, ainda que o faça condicionado pelo fraco desempenho desportivo do atleta, tal não é reconhecido pelo fisco como perda por imparidade, sendo o clube obrigado a pagar os impostos devidos como se essa desvalorização real não tivesse ocorrido.

Mas, como sublinha Rogério Fernandes Ferreira, há muitas outras situações desta natureza, que não ocorrem apenas no âmbito das atividades desportivas, “em que a desvalorização e o custo reconhecidos pela contabilidade não são ainda reconhecidos pela lei fiscal e pelo fisco”.

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