31 mai, 2021
Não por acaso, o Chega iniciou o seu congresso em Coimbra na sexta-feira, 28 de maio. Foi criticado por isso - a 28 de maio de 1926 teve início, em Braga, o golpe militar que trouxe a Portugal quase meio século de ditadura. Não concordo - só vejo vantagem em que o partido de André Ventura se torne transparente nas suas opções políticas.
Por outro lado, esta data devia ser mais lembrada na presente democracia portuguesa. Não para exaltar regimes ditatoriais, mas para não se repetirem hoje os erros que levaram ao colapso da I República.
Pelo menos um erro não se repetiu: o descabelado ataque dos republicanos à Igreja católica começou praticamente em outubro de 1910, com a perseguição e prisão de inúmeros padres. Depois, em 1911 veio uma Lei de Separação ente o Estado e a Igreja, que era verdadeiramente uma lei de subordinação da Igreja ao Estado.
Mário Soares estava bem consciente deste problema e muito contribuiu para esse erro clamoroso da I República não se repetir na sequência do 25 de abril. Basta lembrar o papel de M. Soares no fim do sequestro da Renascença pela extrema-esquerda, em 1975.
Na nossa atual democracia, com todos os seus defeitos, não se regista a instabilidade governativa nem a onda de violência que marcou a I República, sobretudo nos últimos anos. Multiplicavam-se então os atentados à bomba e os ataques por milícias armadas. Por exemplo, na “noite sangrenta”, em outubro de 1921, republicanos assassinaram António Granjo, Carlos da Maia, Machado Santos e outras destacadas personalidades do regime. No fundo, a I República suicidou-se.
A situação atual é, portanto, diferente. Mas agora há alguns paralelismos com que se passou há um século. O Partido Democrático de Afonso Costa desde a implantação do regime republicano quis dominar a cena política. Alegadamente para “defender as colónias” Portugal entrou na I guerra mundial em África, onde sofreu pesadas derrotas de militares alemães. Mas Afonso Costa forçou a entrada do país na frente europeia da I guerra mundial – contra a expressa vontade dos nossos aliados, os britânicos. Estes conheciam bem a debilidade e a falta de preparação dos soldados portugueses.
Mas Afonso Costa pretendia que Portugal participasse na guerra na Europa, julgando que assim seriam ultrapassadas as muitas divisões entre republicanos, que se uniriam em torno dele. Só que nada disso aconteceu. Os militares portugueses foram alvo de troça na Flandres, milhares morreram e muitos outros regressaram gaseados. A raiva das Forças Armadas aos políticos republicanos pela humilhação sofrida foi um dos fatores do 28 de maio.
António Costa não nos quer levar para uma qualquer guerra. Mas quer tornar o PS não apenas um partido hegemónico como, sobretudo, um partido cujos militantes ocupem o maior número possível de lugares no Estado central e no autárquico, bem como nas empresas públicas e até nas privadas. Ora esta ambição, em boa parte já concretizada, não é saudável numa democracia digna desse nome.
Por outro lado, o Governo socialista convive cada vez pior com a crítica. A tentação censória começa a manifestar-se. Apenas agora me dei conta de que foi aprovada na Assembleia da República, sem votos contra, uma lei que o Presidente da República promulgou e que só pode ser considerada repugnante por um democrata. No “Público” de sábado António Barreto, Pacheco Pereira e José M. Barata-Feyo (provedor daquele jornal) fizeram críticas arrasadoras e justíssimas a tão chocante diploma.
Trata-se “do mais grave atentado contra a liberdade de expressão desde a aprovação da Constituição de 1933”, considera A. Barreto. “É uma legitimação de todas as censuras”, indigna-se Pacheco Pereira. A solução para este caso passa pela revogação liminar da referida lei “ou, no mínimo, pela sua apreciação pelo Tribunal Constitucional”, assevera Barata-Feyo. Aguardam-se explicações. Seja como for, uma lei deste teor censório não ter suscitado entre nós um abalo democrático diz infelizmente muito sobre a presente qualidade da democracia portuguesa.