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Graça Franco
Opinião de Graça Franco
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Avaliação interna do Banco de Portugal veio com anos de atraso... e sem anexos

18 mai, 2021 • Opinião de Graça Franco


Os representantes do povo disputam, entre si, o lugar do melhor aluno da classe de introdução à gestão e, os que prestam declarações, esforçam-se por jogar às escondidas num linguajar indecifrável até para os outros pares da economia. Resumindo, nem perguntas nem respostas são fáceis de entender.

Não está em negação. Carlos Costa, ao fim de uma dúzia de intervenções nas várias comissões de inquérito parlamentares ao velho caso BES, agora renomeado Novo Banco, está simplesmente no estado de convicção que sempre o caracterizou. Cumpriu a lei. E, queira-se ou não, foi de facto o primeiro a fazer frente ao Dono Disto Tudo quando ainda tudo obedecia à voz do dono. Quem esperava que ontem admitisse erros, formulasse desculpas, se intimidasse com os recentes reparos do Tribunal de Contas ou o desenterrar de uma avaliação interna mantida no segredo dos deuses, enganou-se mais uma vez. Ao fim de mais de cinco horas a somar às anteriores 80 de explicações não mudou de narrativa. Quer dizer: agora já só faltam os anexos.

Confesso que esperava mais. Só me ficou uma pulga na orelha: o Parlamento recebeu a “auditoria interna”, mas não os anexos onde constam as explicações e contra-argumentações dos serviços. O contraditório não. Porque esse, com pena de Carlos Costa, não chegou a existir. Nem foi requerido. Nem aquela palavrinha a pedir explicações que se espera do mais independente dos auditores. Daí, por exemplo, uma das conclusões registar uma pressão sobre Salgado reduzida à versão epistolar, ignorando “pelo menos 15 reuniões entre Salgado e Carlos Costa” devidamente testemunhadas por outros tantos administradores.

Isto foi novo. Mas fica para os novatos o aviso: as audições destas comissões de inquérito exigem que sejam seguidas com a ajuda de cronologias atualizadas, organigramas do grupo, listagens dos corpos sociais e, sobretudo, glossários vários e tradutores de inglês técnico. Os representantes do povo disputam, entre si, o lugar do melhor aluno da classe de introdução à gestão e, os que prestam declarações, esforçam-se por jogar às escondidas num linguajar indecifrável até para os outros pares da economia. Resumindo, nem perguntas nem respostas são fáceis de entender.

No que se entende, e importa ao povo, a montanha de ontem, depois de um chorrilho de perguntas em três rondas a um ex-governador em modo “Xanax – sorridente”, a imagem perfeita da consciência tranquila, e do legalista assumido, retirou-se um quase nada que faço um esforço para resumir assim:

  1. Aqueles 1,6 milhões que os contribuintes podem ainda vir a ser chamados a enterrar num derradeiro esforço no Novo Banco foram, afinal, uma boa ideia. A parada pode subir para mais de dez mil milhões enterrados naquele buraco, que começou em 4 mil milhões, e custo zero adicional para os contribuintes, mas não são má ideia. Como? Apetece pedir se não se importa de repetir. Mas, Carlos Costa repete, sem estremecer. Sim. Estão lá, naquela cláusula de “backstop”, cujo anglicanismo ajudou a que ninguém nos quisesse explicar exatamente do que se tratava. Afinal é simples: o limite máximo a admitir como créditos malparados (uma cesta de fruta meio podre) e avaliados numa fasquia máxima de 3,9 mil milhões em oito anos não ficava por ali, mas não foi por mal. Era por bem. Passada a barra, em menos de quatro anos, o banco não poderia mais pedir ajudas e só poderia ser ainda salvo por reforços de capitais privados, feitos por acionistas como quaisquer outros. Mas…e se tudo corresse muito mal? Mesmo muito mal? Então, por antecipação, e só para nos tranquilizar, a Comissão Europeia (e a sua feroz direção da concorrência) decidiu logo no primeiro contrato de venda garantir uma pré-autorização de mais 1,6 mil milhões de injeção estatais (o chamado just in case …). A coisa vai correr mal, provavelmente. Mas, pelo menos, a linha vermelha inultrapassável ficará um bocadinho mais longe, e os nossos bolsos mais vazios.
  2. No mais, regressámos à velha questão da alternativa. Havia? Era melhor não vender? Teria sido possível fazer diferente e não constituir esta espécie de aborto bancário de “transição”? Talvez, mas que nos interessa agora julgar a ministra de Passos Coelho e que arriscava a retirada da licença bancária? Era preciso pensar nas alternativas. Alguém pode hoje fazer o esforço e imaginar o que seria, já nem digo em 2014, mas mesmo em 2016, levar à falência o Novo Banco. Só um louco não imagina o impacto que isso teria no sistema bancário total. Uma corrida aos depósitos generalizada? Um pequeno banco como o Banif mereceu uma intervenção só pelo peso nas ilhas, imaginem agora o maior apoio das PMEs a ir-se por água abaixo, levando com ele os depósitos de mais de milhão e meio de portugueses. Dez mil milhões é muito, mas mais o dobro ou o triplo custar-nos-ia muito mais. Nisto concordo inteiramente com o ministro Centeno e o próprio Carlos Costa, o novo banco tão pequeno em termos europeus, era por cá demasiado grande para falir. Vendeu-se. Logo por azar à Lone Star.
  3. Mas, regressando atrás ao relatório que há seis anos o Parlamento queria ler e só agora pode por ordem do tribunal e que o Centeno governador começou por recusar e acabou obrigado a enviar ao Parlamento e onde se diz que Costa poderia ter agido mais cedo e retirado a idoneidade a Ricardo Salgado, muito antes da falência do banco, tendo todos os meios para o fazer? Costa como Cavaco dispunha dos poderes limitados que se autoimpuseram da leitura restrita dos seus poderes. Ontem o ex-governador explicou que depois de dois meses de posse, a família já sabia que ia ter de ser afastada e a pressão aumentou em termos de supervisão. O que faltava? Reunir provas. E essas, sabemos pela lentidão de outros processos não são fáceis.
  4. Quanto à leitura do relatório retido, nada de novo nem nada a esconder (a não ser os tais anexos que afinal ficaram no Banco, ficámos ontem a saber!). Era confidencial? Claro. Como todos os documentos feitos ao abrigo do artigo 80. Inútil saber de quê. No mais, muito bem feito, a começar no capítulo VIII e na ausência de um capítulo inteiro sobre o efetivo acompanhamento feito pelo banco, entretanto.
  5. E as conclusões? Para Carlos Costa são uma espécie de incoerência, ou seja, não bate a bota com a perdigota. O que se diz no capítulo oitavo prova que não havia meio legal de afastar Salgado, e nas conclusões afirma-se o contrário. As recomendações, pelo contrário, praticamente todas já foram adotadas. Bom, e falta o “contraditório” que nunca chegou nem a ser feito nem a ser pedido. Tanto barulho para quê.
  6. Talvez hoje Mário Centeno com a vantagem de estar no ativo, ter decidido a venda como ministro e lhe cair a batata quente na mão enquanto Governador nos traga algo de mais novo e mais picante. Se não adormecermos durante a audição.
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