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Alentejo

Santuário de Nossa Senhora d' Aires reabre. “Um oásis interior na paisagem capaz de semear sementes de esperança”

15 mai, 2021 - 22:11 • Rosário Silva

Monumento Nacional desde 2012, o Santuário de Nossa Senhora d´ Aires, em Viana do Alentejo, foi, nos últimos três anos, alvo de um projeto de conservação e requalificação, num investimento a rondar os dois milhões de euros.

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Uma mensagem de esperança, nestes tempos de pandemia, foi deixada neste sábado, em Viana do Alentejo, pelo Cardeal José Tolentino Mendonça na eucaristia a que presidiu por ocasião da reabertura do Santuário de Nossa Senhora d´ Aires, no concelho de Viana do Alentejo.

“Não podemos permitir que a pandemia nos roube a alegria e a esperança”, disse na homília, ao mesmo tempo que desafiou os cristãos a tonarem o Santuário, agora totalmente requalificado, “um lugar de renovação espiritual”, assim como “uma promessa de futuro, uma alavanca e um instrumento que Deus nos dá.”

Antes, à chegada, D. José Tolentino considerou “decisivo” o processo de revalorização da Igreja, sobretudo para uma região do interior. “É decisivo, pois as periferias são fecundas e é de um lugar de paz, e os santuários tem essa grande missão, serem foco de paz, lugares que chamam, onde é possível encontrar o silêncio, a serenidade, esse restabelecimento interior”, observou.

“E a Senhora d´ Aires, neste Santuário renovado e hoje de novo aberto tem essa grande função de ser uma espécie de oásis interior na paisagem capaz de semear sementes de esperança”, sublinhou, D. Tolentino.

Do Papa Francisco trouxe para o Alentejo “uma palavra de grande esperança para um povo muito exemplar na forma como vive todos os momentos da sua história e como conserva as suas tradições”. Temos muito a aprender com a piedade popular que é capaz de nos indicar a todos aquilo que é o essencial”, concluiu.

Uma “piedade popular” que, de acordo com o arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, no caso de Nossa Senhora d´ Aires, “cruza linhas espirituais entre o alto e o baixo Alentejo”, uma vez que a diocese de Beja é uma das grandes “fontes de peregrinos.”

Por esse motivo, o bispo de Beja desmarcou alguns compromissos para estar presente na cerimónia de reabertura do Santuário. À Renascença, D. João Marcos confirmou a “importância desta Igreja” para a diocese que lhe está confiada. “Espero que seja um dia de grande alegria, porque Nossa Senhora é a causa da nossa alegria”, referiu.

Alegria, foi o que sentiram os presentes na missa campal ao saberem que o Papa Francisco enviou uma mensagem, lida pelo Núncio Apostólico, D. Ivo Scapolo, também presente na celebração. Uma mensagem tocante e de esperança, acompanhada da Bênção Apostólica “a todos os que se congregaram neste encontro, extensiva às famílias e comunidade paroquial.”

“É o princípio de uma nova era”

Da comunidade participaram cerca de duas centenas de pessoas, não tantas as que poderiam ter estado, caso não houvesse restrições. Ainda assim, e sob forte calor, a reabertura do Santuário foi celebrada com muita emoção.

“Estou muito emocionada, pois vivi aqui 25 anos ao serviço de Nossa Senhora”, diz-nos Maria Natália Algarvio. Por causa da saúde do marido, há 13 anos que deixou de tomar conta da Igreja, mas hoje não podia ficar em casa.

“Foi uma grande obra que aqui fizeram, pois estava tudo muito deteriorado”, adianta Natália, hoje com 77 anos. “As pessoas podem não acreditar, mas desde que daqui abalei, não passa uma noite que não sonhe com este Santuário e o dia de hoje é um sinal de esperança de que melhores dias virão. Que Nossa Senhora nos ajude a ultrapassar isto tudo”, desabafa.

Também António Amaro acredita que “é o principio de uma nova era”. Natural de Viana do Alentejo, viveu fora do concelho muitos anos e sempre que regressava “vinha com o carro até aqui e ficava debaixo de uma árvore, uma ou duas horas, sem fazer nada, mas sentia-me bem”, conta-nos este homem de 71 anos. Combateu em África e num gesto de fé, foi a Nossa Senhora d´ Aires que confiou “a sua sorte”, ao deixar-lhe duas fotografias suas. António espera “que ainda aí estejam, pois dizem que foi tudo limpo e remodelado.”

Mais gente e mais desenvolvimento

No interior do Santuário a requalificação é bem visível, mesmo para quem não é especialista. Cá fora, os arranjos ainda estão em curso e são da responsabilidade da Câmara de Viana do Alentejo.

“É um ex-libris do nosso concelho e por parte do município tudo temos feito para colaborar com a paróquia, nomeadamente na envolvente ao Santuário”, diz, em declarações à Renascença, o presidente da autarquia, Bengalinha Pinto.

Ao lado, a ministra da Agricultura que há mais de um ano visitou as obras da Igreja, era, então, secretária de Estado do Desenvolvimento Regional. “É com grande satisfação que aqui volto e com a esperança que este Santuário venha trazer a esta região mais pessoas e mais desenvolvimento”, disse Maria do Céu Albuquerque.

De resto, a cultura e o património são questões “decisivas para uma região como o Alentejo e para quem nos visita”, admite António Ceia da Silva. O presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo considera que este projeto de requalificação do Santuário é “um excelente exemplo da boa utilização e aplicação dos fundos estruturais”, anunciando que no próximo Quadro Comunitário de Apoio, “o turismo e o património são dois dos eixos fundamentais de intervenção.”

Da pequena imagem encontrada ao majestoso Santuário

Monumento Nacional desde 2012, o Santuário de Nossa Senhora de Aires, em Viana do Alentejo, foi, nos últimos três anos, alvo de um projeto de conservação e requalificação, num investimento a rondar os dois milhões de euros.

O principal centro de atração turística deste concelho do distrito de Évora, de traça barroca com elementos rococó, há muito que pedia obras de conservação e restauro.

O objetivo, de acordo com o projeto, era “solucionar os riscos e insuficiências ao nível da conservação, salvaguarda, receção, fruição e oferta cultural deste importante centro religioso, tornando-o mais atrativo e funcional”.

A empreitada serviu, também, para tratar infiltrações nas paredes e tetos, além de incidir no restauro da coleção de ex-votos “de excecional valor, pelo carácter iconográfico da religiosidade popular”, tendo contado, para o efeito, com a colaboração de voluntários.

No âmbito deste projeto, até ao final deste ano deverá ser lançada a monografia histórica e artística do Santuário e, no primeiro semestre de 2022, está prevista a inauguração de um núcleo museológico.

Situado a cerca de dois quilómetros do centro da vila de Viana do Alentejo, em local isolado, e considerado o maior Templo cristão do sul do país, é, desde há muito, epicentro de devoção e de romaria, recebendo anualmente milhares de peregrinos.

O culto a Nossa Senhora está associado a várias lendas, uma das quais está inscrita na portada da Igreja, construída entre 1743 e 1803, sobre um outro pequeno Santuário que, possivelmente remonta ao século XV.

Por essa altura, um lavrador, enquanto arava as suas terras, encontrou uma espécie de pote de barro que continha, no interior, a imagem de Nossa Senhora de Aires, uma Pietà (Senhora da Piedade) em pedra de ançã que, segundo a tradição, é a mesma que se encontra no altar. O relato diz que terá acontecido depois da expulsão dos mouros destas terras, uma vez que a imagem tinha sido escondida por causa, precisamente, da presença islâmica.

A principal festa em honra da Senhora de Aires acontece, anualmente, no final de setembro, com destaque para as celebrações religiosas, nomeadamente uma procissão que se faz em volta do Santuário. Simultaneamente, decorre tradicional feira e muitas outras atividades que compõem as festas do concelho de Viana do Alentejo.

Quanto à romaria a cavalo, uma tradição interrompida durante sete décadas, foi retomada em 2001. Todos os meses de setembro, muitos lavradores acorriam ao Santuário para benzer os seus animais e pedir boas colheitas para a agricultura.

Atualmente, a romaria decorre no mês de abril, com romeiros que se deslocam da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, na Moita, até Viana do Alentejo. São cerca de 120 quilómetros pelo antigo caminho, a canada real, também conhecido pela estrada dos espanhóis.

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  • Rui
    20 mai, 2021 Lx 16:34
    Excelente trabalho de reportagem. Existem elementos que devem ser para além de preservados, devidamente valorizados. Para breve julgo está prevista a publicação de uma Memografia sobre Viana do Alentejo / Santuário, fazendo certamente a ponte entre os cirios (organização anterior à conhecida e estabelecida aquando das invasões) de todo o sul até à fronteira Alentejo / Algarve. Excelente serviço público.

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