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Formação? Há cinco meses que escolas e condutores com carta caducada esperam resposta

13 mai, 2021 - 08:00 • Fábio Monteiro

Alterações feitas ao código da estrada no início de 2021 estipulam que quem teve a carta caducada por um período superior a cinco anos é obrigado a fazer uma formação e novo exame de condução. Passados quase seis meses, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes ainda não esclareceu como e em que consistirá a formação. “Existe um vazio tremendo”, diz António Reis, vice-presidente Associação Nacional de Industriais de Ensino Condução Automóvel (ANIECA), à Renascença. Escolas de condução queixam-se que não sabem o que aí vem.

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[Notícia atualizada às 9 horas, para acrescentar esclarecimento do IMT.]

Há alguns meses, Carlos Monteiro, 59 anos, teve um acidente de viação; despistou-se na autoestrada. A polícia, tal como o INEM, acorreu ao local e pediu, como é rotina, para ver os documentos. O condutor nem hesitou: a sua carta de condução, pensava, era válida até 2027; afinal, era o que lá estava escrito. Só que a lei mudara sem que o condutor se apercebesse. “A minha carta caducou porque eles alteraram a lei em 2008. Tinha que renovar, pela lei que puseram, sem conhecimento de muitas pessoas. Nem toda a gente anda bem informada, não é? Renovei a carta em setembro [de 2007] e a lei mudou logo no dia 1 de janeiro. Renovei a carta para três meses”, conta.

Em 2008, a carta de condução para os veículos ligeiros e motociclos deixou de ter validade até aos 65 anos. Assim, independentemente da data de validade do documento, a primeira renovação do título passou a ser obrigatória logo aos 50 anos. Ou seja, por lei, Carlos devia ter renovado a carta em 2013. (A legislação original data de 2005, mas só entrou em vigor três anos depois; de acordo com algumas notícias do ano passado, milhares de condutores portugueses nunca chegaram a renovar carta, após a mudança legal de há 13 anos.)

Depois do acidente, quando se deslocou à escola de condução mais próxima, com o propósito de renovar a carta e regularizar a sua situação, Carlos apanhou uma nova surpresa legal. Foi-lhe dito que, tendo em conta o decreto-Lei n.º 102-B/2020, que entrou em vigor a 1 de janeiro deste ano, para renovar o título teria de fazer uma formação e novo exame de condução.

Isto não seria um problema, não fosse o caso de, passados mais de cinco meses da nova legislação ter entrado em vigor, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) ainda não ter esclarecido como, onde, em que consistirá a formação e quem será responsável por leciona-la. “O IMT diz que tenho de fazer uma formação, mas não diz onde. E anda uma pessoa assim nesta corda bamba”, atira Carlos Monteiro.

Entretanto, os processos de renovação por caducidade vão-se acumulando em algumas escolas de condução pelo país.

Novas leis, novas regras

Até ao início de 2021, quem não renovasse a carta por um período superior a cinco anos voltava à estaca zero e era alvo de um processo criminal; se quisesse voltar a pôr as mãos num volante, teria obrigatoriamente de regressar à escola. “Entravam num processo novo, como um condutor qualquer que tivesse que tirar a carta de condução de novo, fazer exame de código, fazer exame de condução. Um processo completamente novo”, recorda Joaquim Aguiar, diretor de uma escola de condução no norte do país, à Renascença.

O decreto-Lei n.º 102-B/2020 veio, por isso, trazer uma mudança significativa. Os condutores que deixem passar mais de 5 anos, mas não ultrapassem a fasquia dos dez anos, sem renovar a carta, passaram apenas “a estar obrigados a completar com aproveitamento um curso específico de formação e realizar um exame especial, composto por prova prática”.

O problema, segundo relatos ouvidos pela Renascença, é que o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) ainda não veio clarificar em que consiste o processo de formação e o exame especial – apesar de a lei ter entrado em vigor em janeiro.

Joaquim Aguiar queixa-se em particular de falta de esclarecimentos. “Os condutores querem fazer essa formação específica para passar ao processo depois do exame de condução. E ninguém sabe quem é que faz, ninguém diz nada, a formação não está regulamentada. Temos aqui um constrangimento terrível para os condutores que querem renovar a carta nesse processo”, afirma.

Desde janeiro, dois condutores neste limbo já procuraram a escola, mas Joaquim Aguiar suspeita que existam muitos mais. “Temos tido procura. Nós temos aceitado os processos e enviamos para o centro de exames, para requerer o processo de validação. Os processos estão parados. O IMT não diz nada. O que é certo é que o tempo vai passando e os condutores não conseguem fazer a revalidação”, diz.

Ao nível legal, a alteração já consta das informações disponibilizadas pelo IMT na sua página da internet. Não há, porém, mais nenhum esclarecimento público a propósito do mesmo tema. Nem é claro quem ficará com o ónus da responsabilidade de dar a tal formação: se as escolas ou outra entidade. “O IMT é que vai ter de regular: dizer que essa formação vai ter que ter dez horas, cinco horas, se vai ser feita num centro de formação, numa escola de condução. O que é certo é que o IMT não diz nada”, diz.

Formação? Qual formação? A formação do IMT

Nem mesmo a pandemia pode justificar um atraso de quase seis meses por parte do IMT. Este é o entendimento de António Reis, vice-presidente Associação Nacional de Industriais de Ensino de Condução Automóvel (ANIECA). “Existe um vazio tremendo. A lei permite a renovação da carta de condução até aos dez anos após a caducidade, desde que frequente o curso. Mas não há normas que digam como é que esse curso funciona”, diz à Renascença.

Nos últimos meses, a ANIECA pressionou e abordou o IMT sobre esta situação, mas não recebeu indicações. “Esperávamos que essas normas fossem distribuídas às escolas de condução que pudessem entrar nessa parceria de formação, dentro das suas obrigações no âmbito do ensino, mas até à data o IMT está em silêncio absoluto, com o prejuízo tremendo para as pessoas que têm o seu documento caducado, não o podem renovar, porque não podem frequentar um curso, porque o IMT não regulou esse curso”, nota.

Dentro das associações do setor, já existe, em todo o caso, quem tenha ouvido parte das novidades das mudanças que se avizinham. Alegadamente, a formação e o exame especial acautelados na nova lei serão da responsabilidade do IMT, não das escolas de condução, contou fonte da instituição a Ricardo Vieira, da Associação Portuguesa de Escolas de Condução (APEC).

O representante da APEC, em declarações à Renascença, diz que a formação “será mesmo dada pelo IMT. Foi a indicação que me deram, isto mesmo de dentro do IMT. A intenção é que seja mesmo o IMT a fazer a formação e a realizar esses exames especiais. Porque são condições especiais”.

“O IMT está a aceitar [os processos] e vai realizar [os exames]. Não está a dizer não às pessoas e a criar uma situação nebulosa. Não está a acontecer isso. Só que como ainda não há regulamentação de frequência do tal curso, as pessoas estão à espera. São registadas na base de dados, logo que haja esse despacho da definição da formação, as pessoas são notificadas”, adianta.

IMT esclarece

Questionado pela Renascença, o IMT esclareceu, já esta quinta-feira, que o curso de formação será ministrado pela própria instituição, “terá a duração de 5 horas” e serão abordados os seguintes temas: “sinalização e regras de trânsito; o comportamento do condutor face aos peões, utilizadores de modos suaves de mobilidade e outros fatores externos; aptidões e capacidades físicas para o exercício de uma condução segura; condução defensiva e Eco condução; deveres dos condutores e validade da carta de condução”.

Já a possibilidade de requerer a revalidação por caducidade estará disponível no IMT a partir da próxima segunda-feira, dia 17 de maio.

[Notícia atualizada às 9 horas, para acrescentar resposta do IMT.]

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  • Jose Carlos Rodrigue
    20 dez, 2022 Santo António dos Cavaleiros 18:52
    O curso de formação presencial a realizar no IMT, não devia impedir do condutor de poder conduzir, desde que seja pelo motivo do decreto-lei de 2008. Deve o IMT informar o condutor de que tem a sua carta de condução a caducar. Pelo acima exposto, deve o curso de formação ser realizado no prazo máximo de 15 dias. Cumprimentos.
  • António Silva
    05 jun, 2021 Portimão 14:06
    Por motivo financeiro deixei caducar a carta de conduçao a 8 Anos gostaria de saber como fazer para fazer a formação no IMT sabendo que saiu uma nova lei .

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