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Parque do Douro Internacional. Após 23 anos de queixas, agricultores renovam esperança com modelo de cogestão

11 mai, 2021 - 07:30 • Olímpia Mairos

“Não deixam uma pessoa trabalhar à vontade”. Populações queixam-se de impedimentos e restrições. Autarcas acreditam que o novo modelo de gestão pode significar um virar de página e aproximar o parque de quem vive no território.

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Foto: Olímpia Mairos/RR
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Ao fim de 23 anos de ter sido criado, o Parque Natural do Douro Internacional (PNDI) vai passar para um regime de cogestão com os quatro municípios que integram este território.

Trata-se de uma aspiração antiga dos autarcas, a quem chegam constantemente críticas e mais críticas das populações que se sentem “aprisionadas”, porque impedidas de gerirem os seus bens.

Francisco Alves, de 71 anos, agricultor na aldeia de Bemposta, concelho de Mogadouro, diz à Renascença que, ao longo destes anos, o parque tem sido um entrave ao desenvolvimento e, por isso, desconfia que a realidade venha a ser alterada.

“Rendimento não dá nenhum, antes pelo contrário; impedem certas coisas que não têm lógica nenhuma”, afirma o agricultor, acrescentando não perceber porque não pode cortar os carrascos que estão debaixo das oliveiras, quando até “são as oliveiras que dão o azeite”.

“Dizem que tem que reinar o carrasco e a oliveira não, então qual é melhor reinar: o carrasco ou reinar a oliveira?”, questiona o agricultor.

Mas há mais queixas e estas prendem-se com a impossibilidade de fazer determinadas construções. Francisco Alves queixa-se à Renascença que “queria até fazer um barraco para umas galinhas e os do parque não deixam”.

Manuel Salazar, de 77anos, também da aldeia de Bemposta, afina pelo mesmo diapasão da insatisfação e lamenta-se das burocracias a que está obrigado para desenvolver a sua atividade agrícola.

“Não deixam uma pessoa trabalhar à vontade. Queremos cortar uma arvorzita e temos que tirar uma licença; para limpar um terreno é preciso tirar uma licença; para compor ou fazer um caminho para um terreno da gente, não deixam fazer”, conta, acrescentando que tais restrições “impedem o desenvolvimento da agricultura”.

“Temos de andar a pé a ensacar a azeitona e as uvas e o que calha, e se tivéssemos caminhos podíamos usar ou tratar”, diz Manuel Salazar, esperando que a cogestão do parque possa “alterar as regras do jogo”.

Na aldeia de Vale de Porco, Heitor Pinto, de 69 anos, lamenta-se por ser proprietário de terrenos e não os poder administrar ao seu gosto e jeito.

“Não nos deixam fazer certas construções, não deixam cortar os sobreiros, as azinheiras e os carvalhos que são nossos, isto não devia ser assim”, diz o agricultor, acrescentando que “metade da aldeia faz parte do parque do Douro e a outra metade ficou de fora e ainda bem”.

Por sua vez, Francisco Lopes, de 52 anos, de Vilarinho dos Galegos, entende que “o parque não trouxe nada de bom”, bem pelo contrário, “só veio trazer bicharada, as corsas e os javalis que destroem tudo, roem as amendoeiras e só dão prejuízo”.

“Temos que nos unir para ver se conseguimos que isto mude, porque de outro modo estamos desgraçados”, desabafa.

Cogestão passa para os municípios

A Associação de Municípios do Douro Superior (AMDS) vai assumir a cogestão do Parque Natural do Douro Internacional (PNDI) em parceria com o ICNF e o Fundo Ambiental, durante um período de três anos.

O presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro, Artur Nunes, explica que, “no fundo, é trazer para a gestão do parque os municípios”, desejando que “futuramente todos os problemas, a diferentes níveis, sejam salvaguardados por este novo modelo”.

“Acredito claramente que há uma nova forma de olhar para o Parque do Douro Internacional, aliás, com o modelo que foi apresentado, e estamos a falar do ordenamento do território. Por um lado, as normas produzidas, alterações às normas, há uma outra forma de olhar. Depois os próprios incentivos. Eu penso que podemos ver o parque de uma forma mais participativa por parte das populações e por parte dos municípios”, afirma à Renascença Artur Nunes.

O autarca valoriza “a proximidade da cogestão” na medida em que vai “incorporar à gestão do parque as juntas de freguesia e as populações, ou seja, ter uma voz mais ativa, mais viva, nas reivindicações que se pretendem para a gestão do território”.

Fazer as pazes com as populações

O Parque Natural do Douro Internacional (PNDI) abrange quatro concelhos fronteiriços: Miranda do Douro, Mogadouro e Freixo de Espada à Cinta, do distrito de Bragança, e Figueira de Castelo Rodrigo do distrito da Guarda. Integrado na Rede Nacional de Áreas Protegidas, estende-se ao longo de 122 quilómetros pelos vales do rio Douro e do seu afluente Águeda.

Com a entrada em vigor do protocolo de cogestão, os quatro municípios que integram a área protegida do Douro Internacional passam a ter uma voz mais ativa no modelo de gestão das áreas protegidas.

A comissão de cogestão será presidida por Mogadouro, uma vez que se trata do concelho com maior área protegida dentro do PNDI e do local onde está localizada a sua sede.

O presidente da autarquia, Francisco Guimarães, antecipa que “não vai ser fácil”, exemplificando a realidade atual com que diariamente se debatem, “os diversos problemas, problemas também das próprias populações que a toda a hora nos vão chateando”.

Mas, no entender de Francisco Guimarães, é preciso “ter a noção que os parques naturais, se existem, devem-se efetivamente às populações que, ao longo de décadas, assim os têm mantido e, por isso, não temos também que estar aqui a provocar um mal-estar entre a população, os habitantes dos parques e aquilo que é a gestão”.

“Certamente conseguiremos alterar algumas das menos boas situações que o próprio Parque Natural do Douro Internacional traz para a nossa região”, conclui o autarca.

Durante os três anos de vigência do protocolo, serão disponibilizados cerca de 100 mil euros, provenientes do Fundo Ambiental, para a AMDS fazer face aos encargos e orientações com a cogestão da área protegida.

Em síntese, o novo modelo pretende instituir uma dinâmica de gestão de proximidade, em que diferentes entidades colocam ao serviço da área protegida o que melhor têm para oferecer, visando a sua valorização e a promoção do seu desenvolvimento sustentável.

Aniversário celebra-se com lançamento de livro infantil

O município de Miranda do Douro, em colaboração com a Associação Palombar, o ICNF e o Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro, comemora o 23º aniversário da criação do Parque Natural do Douro Internacional, através do lançamento da obra infantil “O diário secreto da Águia-de-Bonelli” da autoria de Virgínia Miccinilli e Gaëlle Carvalho.

O conto narra as aventuras de duas aves que nidificam no Douro Internacional, o Britango e a Águia-de-Bonelli, explicando aos mais novos como elas lutam diariamente pela sua sobrevivência.

Para além de promover aprendizagens quanto ao modo de vida destas aves, os organizadores pretendem, com a obra, sensibilizar as crianças para a importância da proteção destas espécies e de outras também existentes no parque, bem como dos seus habitats.

A atividade é dirigida aos alunos do 1.º e 2.º ciclo do Agrupamento de Escolas, a quem será oferecido um exemplar do livro, como forma de sensibilizar as famílias para a necessidade de proteção do meio ambiente.

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