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Jovens são os que correm maior risco de cair na situação de sem-abrigo na Europa

06 mai, 2021 - 18:11 • Ana Carrilho Redação

Situação agravada com a pandemia. Dados do relatório “Visão geral sobre a situação dos sem-abrigo na Europa”.

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Os jovens são particularmente atingidos pela pobreza, pelo desemprego e pela disfuncionalidade do mercado da habitação. São conclusões do relatório “Visão geral sobre a situação dos sem-abrigo na Europa”, divulgado esta quinta-feira pela Federação das Associações Nacionais de Apoio à População Sem-abrigo (FEANTSA) e Fundação Abbé Pierre, no âmbito da Cimeira Social Europeia.

O estudo confirma que os jovens ficam até mais tarde em casa dos pais e quando saem têm de pagar rendas muito altas, muitas vezes incomportáveis para os seus rendimentos e de má qualidade. Se perderem o emprego, têm de regressar a casa da família ou aumentar a população sem abrigo. Problemas agravados pela pandemia.

A FEANTSA e a Fundação Abbé Pierre pedem, por isso, à União Europeia respostas concretas e urgentes.

A disparidade entre os rendimentos auferidos pela maioria dos jovens e os valores a pagar por uma prestação ou renda de casa é enorme. Já em tempo de pandemia, um em cada cinco jovens questionados no âmbito do relatório, declararam que o seu direito ao alojamento foi afetado pelas dificuldades económicas. Um terço foi seriamente afetado, o que nalguns casos, significa que perdeu mesmo a casa. Entre a população pobre, este grupo está ainda em posição mais vulnerável.

As autoras do estudo dão alguns exemplos concretos. Em França, com a pandemia, 20% dos jovens entre os 18 e os 24 anos tiveram de recorrer à ajuda alimentar e 35% deixou de ter condições para pagar o alojamento. No Reino Unido, um em cada três jovens perdeu o emprego, situação que atingiu “apenas” um em cada seis adultos. Na Irlanda foi entre a população entre os 15 e os 24 anos que se registaram as taxas mais altas de perda de trabalho a tempo parcial.

E com o fim dos apoios sociais para fazer face à pandemia, a situação deverá agravar-se significativamente em diversos países europeus.

No entanto, a situação já era grave antes. Com dificuldades em entrar no mercado de trabalho ou quando o conseguem, em trabalhos precários e mal pagos, os mais novos levam anos a deixar a casa de família. E nalguns casos, são obrigados a voltar. Por exemplo, na Dinamarca, o número de jovens que regressou a casa dos pais entre 2009 e 2018 aumentou 12%. Resultado também da redução das ajudas estatais que lhes eram dirigidas. O que gerou um crescimento de 104% dos jovens a viver na rua, entre 2009 e 2017.

O mercado imobiliário está particularmente inflacionado nas grandes cidades, o que significa que alugar um T1 pode custar bem mais do que o rendimento médio auferido por uma pessoa entre os 18 e os 24 anos. As autoras referem alguns exemplos: em Amsterdão, 1675 euros de renda para um rendimento médio de 1605 euros; em Helsínquia, 1398 euros/1363 euros ou em Lisboa 1105 euros/910 euros.

Estes valores obrigam muita gente a viver em casas de má qualidade, com grande deficiência energética e a ter que a partilhar para conseguir pagar a renda.

Até agora, as políticas de inclusão dos jovens têm-se concentrado no emprego e formação, sem ter em conta a importância de uma habitação digna para que consigam a sua autonomia, frisa a FEANTSA, que adverte: “Se não for adotada nenhuma política específica que previna a exclusão dos jovens no acesso à habitação na União Europeia, uma nova vaga de jovens sem recursos irá engrossar as fileiras das pessoas sem-abrigo. Por isso, esta é uma realidade a que a União Europeia tem que dar resposta urgente e que os Estados-membros devem enfrentar. “É tempo de agir”.

O relatório inclui algumas recomendações, nomeadamente a criação de mais alojamento, adequado às necessidades; facilitar o acesso à habitação social e garantir um rendimento mínimo aos jovens, que lhes permita ter maior autonomia.

Dados preocupantes. Há cada vez mais jovens e crianças na rua

Com base nos dados do Eurostat relativos a 2019, o relatório refere que 4% dos europeus já esteve alguma vez na sua vida em situação de sem-abrigo. Entre estes, um quarto ficou na rua, em abrigos temporários ou alojamentos precários (armazéns, habitações em ruas, carros, tendas) e os restantes, acabaram por voltar a casa dos familiares.

Quanto aos motivos para terem estado em situação sem-abrigo, para um terço prendem-se com más relações familiares; para 25%, deveu-se a desemprego ou problemas financeiros e para 17%, foi o fim do um contrato de arrendamento.

O estudo da Federação Europeia das Associações Nacionais de Apoio à População Sem-Abrigo inclui também dados sobre a situação de crianças e jovens sem-abrigo em diversos países da União Europeia.

Na Irlanda, entre 2014 e 2017, duplicou o número de jovens entre os 18 e os 24 anos acolhidos por organizações de apoio aos sem-abrigo. Em 2019, em Salzburgo, na Áustria, 44% dos sem-abrigo registados tinham entre 18 e 30 anos.

Na Dinamarca, um em cada jovem sem-abrigo tem problemas mentais e um terço tem algum problema mental e de dependência de álcool ou drogas. Na Holanda, um terço das pessoas sem-abrigo, em 2018, tinham entre 18 e 29 anos. O que significa que o número triplicou em nove anos, desde 2009. 39% dos sem-abrigo são jovens oriundos de países terceiros.

Em Dublin, na Irlanda, entre 2014 e 2018, o número de crianças sem-abrigo aumentou 280%. Numa semana deste último ano, os serviços registaram quase 1300 famílias na rua, com mais de 2.800 crianças.

Em novembro do ano passado, em plena pandemia, em Bruxelas, as equipas de apoio registaram numa só noite mais de 5300 pessoas a viver na sua. Entre elas, 930 crianças, ou seja, mais 51% do que dois anos antes.

Em Praga, na República Checa, numa semana, em 2019, os serviços detetaram 2100 pessoas sem abrigo. Em Barcelona, quase 1300.

E em Lisboa, em 2018 existiam cerca de 2330, mais 173% do que cinco anos antes. Números que já estão desatualizados. Os últimos dados divulgados pela Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas sem-Abrigo, relativos a 2019, apontam para 7.100, sobretudo nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.

Mas o relatório também refere que o perfil das pessoas sem-abrigo é cada vez mais diverso, o que obriga os serviços de apoio a adaptar-se para darem respostas mais específicas.

Federação Europeia pede respostas urgentes

“Temos uma situação grave na União Europeia – especialmente entre os jovens – e por causa da pandemia, vai continuar a crescer em quase todos os estados membros”, alertou Kjell Larsson, o presidente da FEANTSA, no início de uma conferência virtual em que o estudo foi apresentado.

“Todos nos queixamos dos efeitos da pandemia, do confinamento, do isolamento, dos problemas de saúde física e mental, da violência doméstica que aumentou. Para a população sem-abrigo foi dez vezes pior. E agora já vemos um fim para a pandemia, mas a questão dos sem-abrigo, vai manter-se”. Por isso, Kjell Larsson afirma que esta é uma “urgência prioritária”.

E essa é uma prioridade da Presidência Portuguesa, respondeu a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que também participou brevemente no encontro. Ana Mendes Godinho chamou a atenção para a conferência agendada para 21 de junho, em Lisboa, em que serão discutidas as respostas a dar à população sem-abrigo e em que esta será também protagonista, ouvida como parte da solução.

É nessa data que será também lançada oficialmente uma plataforma “onde se poderão partilhar ideias de ações concretas, que resolvam problemas reais”, diz Ana Mendes Godinho.

A ministra referiu ainda que este é um problema que não acontece só aos outros, “pode acontecer a qualquer um de nós. E temos de estar todos juntos, a assumir que é um problema nosso e temos responsabilidade na procura de respostas”.

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