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Dia Mundial da Asma

"Mais vale ver a vida da janela de casa do que da janela do hospital"

04 mai, 2021 - 13:30 • André Rodrigues

A asma representa 3% dos custos globais do sistema de saúde. Atualmente, estima-se que haja, em Portugal 700 mil asmáticos. Desses, cerca de 35 mil (5%) sofrem de asma grave.

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Silvana Fernandes tem asma desde que se lembra. A doença foi-lhe diagnosticada no Brasil de onde veio há 16 anos para trabalhar como bióloga molecular na área da saúde reprodutiva humana no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), o mesmo hospital onde, desde 2010, recebe tratamento para os sintomas mais severos da doença.

Foi a partir dos 40 anos que viu a condição respiratória degradar-se progressivamente: “os médicos acham que tem muito a ver com a parte hormonal. A doença pode melhorar ou piorar, no meu caso piorou”, diz à Renascença.

Para Silvana, a dificuldade em respirar, a tosse recorrente, as alergias e, sobretudo, o cansaço tornaram-se quase diários.

Tarefas simples, como uma ida ao supermercado, subir uma escada são praticamente impossíveis.

“A minha sorte é que vivo com a minha irmã. É ela quem faz as compras e dá as voltas todas na rua”, constata

Antes de ser portadora de asma grave, Silvana “gostava muito de correr, era uma das coisas que mais gozo me dava” pela “sensação de liberdade” que dizia sentir.

Hoje, nem um lanço de escadas consegue subir, “é assim há quase 10 anos”, reconhece.

Máscara e confinamento muito antes da pandemia

As crises de asma de Silvana são desencadeadas por cheiros, “o que é muito complicado”, daí que “aquilo que hoje é normal para a generalidade das pessoas - como andar de máscara na rua - para mim já era a regra antes desta pandemia”.

Ficar em casa, também. Os tratamentos são “muito violentos e obrigam a longos períodos de repouso”.

Nesta fase, os tratamentos fazem-se a cada três semanas. No espaço de um mês, Silvana necessita de, pelo menos, três dias de repouso absoluto.

Quando está a trabalhar, “isso significa que, no espaço de um ano, são 36 dias” de absentismo. Isto, se não houver nenhuma crise grave pelo meio.

Dada a sua condição pulmonar sensível, Silvana já não vai ao laboratório há praticamente dois anos.

“Ia voltar a trabalhar depois de longa fase em crise e com internamentos sucessivos”, até que, em março de 2020, a pandemia obrigou-a a ficar em casa e restringiu as deslocações ao estritamente essencial.

“Eu vejo a vida pela janela da minha casa. Mas é muito melhor do que ver a vida da janela do hospital. Anteriormente eu passava mês sim, mês não internada por causa das crises. Eu já fui intubada quatro vezes. Por isso, de cada vez que vejo uma melhoria, isso é muito bom”.

Atualmente, as crises de asma estão mais controladas, mas Silvana não prescinde do aparelho de oxigénio, seja em casa ou na rua.

Muitas vezes, apercebe-se que as pessoas “veem-me com o aparelho de oxigénio e ficam a olhar e a essas pessoas eu só tenho a dizer que o aparelho é a melhor coisa, porque permite-me ir à rua, por vezes. Se eu não o tivesse não conseguia fazer nada… nem sempre é fácil, mas temos de viver com o que temos”.

Aprender a valorizar sintomas

A asma representa, atualmente, cerca de 3% dos custos globais em saúde.

Cláudia Loureiro, pneumologista do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC), que acompanha os casos mais graves, reconhece que os custos financeiros para o sistema nacional de saúde “são enormes”.

Não havendo cura nem prevenção da asma, esta especialista considera que, se o doente souber valorizar sintomas, muitas crises podem ser evitadas, “sendo que, no caso da asma grave, temos um peso grande porque temos terapêuticas dirigidas, como os agentes biológicos, que são um encargo grande para o sistema nacional de saúde, mas muito também porque não é tanto a gravidade, mas é a ausência de controlo que implica internamentos, consultas não programas e absentismo”.

De acordo com as estimativas mais recentes, Portugal tem aproximadamente 700 mil asmáticos identificados. Nesse universo cerca de 35 mil, desenvolvem sintomas mais graves.

“São uma minoria”, reconhece a médica que reconhece que “os casos em que isso acontece, obviamente têm custos, mas não deixam de ser uma minoria”.

Mas, em muitos casos, a gravidade das situações “podia ser evitada e o doente poderia estar controlado”.

Os receios da Covid-19

A pandemia não se refletiu necessariamente num aumento de complicações para estes doentes, mas trouxe esse receio.

É muito fácil confundir sintomas, porque muitas agudizações da asma têm semelhanças com as crises respiratórias associadas à doença do momento.

Silvana sente que “o hospital é um ambiente muito protegido onde todas as precauções são tomadas e nós sentimo-nos resguardados lá”.

O maior receio, diz, “é quando tenho que vir à rua, porque as pessoas descuidam-se e pensam não lhes acontece nada nem têm grande respeito pelo outro”.

O táxi costuma ser o meio de transporte utilizado para ir aos tratamentos e às consultas e, “normalmente, os taxistas, até iniciarem as viagens, têm janelas fechadas e estão sem máscaras e aquilo é um ninho de vírus. Então o que eu faço é, assim que entro, abro os vidros para ventilar e coloco duas máscaras”.

A asma grave e quem a vive leva os dias à medida das crises que, volta e meia, podem acontecer.

A pneumologista Cláudia Loureiro rejeita o discurso alarmista, mas recomenda atenção aos sintomas, porque a doença “pode ser diagnosticada em qualquer altura da vida, pode remitir em qualquer momento, ficar adormecida, e recidivar em qualquer altura, às vezes, sem percebermos porquê”.

“Para já”, não há uma cura, mas “existem algumas estratégias em imunoterapia específica, que são as vacinas anti-alérgicas, mas que só têm aplicação na asma alérgica”.

Para os outros tipos de asma, a solução é controlar e “usar todas as armas terapêuticas disponíveis, com a ambição de, um dia, existir algum tratamento que a faça desaparecer”, conclui.

No âmbito do Dia Mundial da Asma, que se assinala esta terça-feira, vai ser lançada nas redes sociais a campanha de sensibilização #desafiopelaasma, para desafiar a comunidade a obter o filtro no Instagram ou no Facebook e partilhar o vídeo no perfil dessas redes sociais a soprar a vela digital.

Por cada partilha será realizado um donativo à Associação Portuguesa de Asmáticos (APA).

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