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Margem Sul

Barreiro quer dar segunda oportunidade à população sem-abrigo

03 mai, 2021 - 06:58 • Ana Carrilho

Não ter pessoas sem-abrigo em 2023 é o objetivo da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas Sem-abrigo. A Renascença dá a conhecer o caso do Barreiro, na margem do sul do Tejo, onde, nos últimos dois anos, foi possível encontrar alojamento condigno para 80 pessoas. Algumas viviam na rua, outras em casas precárias e até em barcos.

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Barreiro e os sem abrigo. Reportagem de Ana Carrilho
Último balanço apontava para 7.100 pessoas sem-abrigo, sobretudo, nos municípios das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. Foto: EPA

Os últimos números divulgados, referentes a dezembro de 2019, apontavam para cerca de 7.100 pessoas sem-abrigo. Sobretudo nos municípios das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. Destes, quase 2.800 eram “sem teto”. Ou seja, vivem na rua, em carros, edifícios abandonados, tendas. Outros 4.300, mesmo não estando na rua, estavam sem casa, permanecendo em alojamentos temporários, abrigos ou quartos pagos pela segurança social ou outras instituições.

Em breve, a entidade dirigida por Henrique Joaquim deverá divulgar os números de 2020. E já se terá uma ideia do impacto que a pandemia teve na população sem-abrigo.

Face à dimensão do problema, a resposta local torna-se mais eficaz. Para isso foram constituídos os NPISA – Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo, existentes em mais de uma centena de municípios. Um deles é o Barreiro.

Autarquia do Barreiro procurou respostas

“Embora a realidade não tenha a dimensão vista nas grandes metrópoles, também existe nesta cidade da Margem Sul do Tejo, já é preocupante e achámos que tínhamos que ter uma resposta mais integrada. Por isso, constituímos o NPISA”, diz a vereadora Sara Ferreira, responsável pelos pelouros da Intervenção Social, Igualdade, Saúde e Habitação, frisando que “a maior parte das pessoas está em sítios que nem imaginamos que lá possa viver alguém. Procuram locais mais discretos. Quando são identificados pelos vizinhos, pelas instituições ou qualquer pessoa, a equipa do NPISA faz a avaliação.

Para um dos projetos- SER CASA BARREIRO- em parceria com a Associação RUMO, o NPISA da autarquia barreirense concorreu aos fundos do Portugal 2020.

Integra um Centro de Atividades Diurnas, onde as pessoas sem-abrigo podem ter diversos tipos de apoio, que vai desde a simples conversa e informação sobre os equipamentos e apoios a que podem aceder até ajuda psicossocial, apoio na construção de currículos para quem ainda pode trabalhar ou outro tipo de formação básica.

É no âmbito deste projeto que também vai funcionar o “Housing First” (A Casa Primeiro) para já, apenas com duas habitações.

O projeto RECOMEÇAR, em parceria com a NÓS, é financiado pela Estratégia Nacional. O objetivo é integrar as pessoas através da permanência temporária em apartamentos partilhados (idealmente, seis meses). Há três, com capacidade para onze pessoas. Dois são alugados e já estão em funcionamento. O maior é propriedade da autarquia e está a ser recuperado.

No final de fevereiro, o NPISA – Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo do Barreiro tinha 60 pessoas referenciadas e em acompanhamento, já com gestor de caso atribuído, revelou à Renascença o coordenador, Armando Gomes.

Segundo a terminologia em vigor, há que distinguir entre as pessoas sem-abrigo “sem teto” e “sem casa”. No primeiro grupo estavam 85% dos casos. Ou seja, oito viviam mesmo na rua e outras cerca de quarenta estavam em alojamentos muito precários, como casas abandonadas, barracas, carros, tendas ou barcos. Embora a maioria sejam homens e sozinhos, também há casais e com filhos. Havia ainda 8 pessoas instaladas em alojamentos temporários, abrigos ou quartos pagos pela segurança social ou outras instituições.

Preocupante é que outras noventa pessoas foram sinalizadas como estando em risco de se tornarem sem-abrigo. Armando Gomes explica que se trata de pessoas com ações de despejo por ordem do tribunal ou mesmo, de familiares; sobreendividados à banca ou jovens institucionalizados perto da idade em que têm de abandonar as instituições. “São pessoas que estão no limite, que até podem passar de uma situação de risco para outra mais satisfatória, mas também pode acontecer o contrário. Daí a necessidade de prevenção”.

Pela positiva, frisa que desde o início do NPISA – há cerca de dois anos – cerca de 80 pessoas deixaram de ser sem-abrigo.

Maioria aceita ajuda, mas às vezes é preciso esperar pelo “click”

Os técnicos tentam fazer o maior acompanhamento possível dos casos, mas “temos situações crónicas em que, por muito que acompanhemos, as pessoas não aceitam”, diz Armando Gomes. E frisa que “se tenta mitigar algumas questões, mas deixar a rua, a situação de vulnerabilidade, é um processo longo, que exige muita persistência e muita confiança por parte do técnico. Mas não desistimos, não deixamos ninguém para trás”.

O coordenador do NPISA explica que quando se intervém junto de pessoas sem-abrigo não se pode atuar segundo os nossos timings. “Não desistir quer dizer que, por vezes, a pessoa pode ser renitente, relutante em relação àquilo que no nosso entender seria a solução ideal para ela. Hoje não dá, mas amanhã pode estar mais disponível para esse “click” e aceitar.

Foi o que aconteceu com uma mulher, a viver, há anos numa tenda, junto à estação ferroviária de Coina. “Uma senhora de 67 anos que não quer nenhuma resposta social: lar ou centro e recusava toda a ajuda. O “click” deu-se durante a pandemia.

“Não aceitava nada, dizia que estava bem, queria que a deixassem em paz. Mas no contexto da pandemia começaram a ser-lhe feitas mais visitas, quase diárias. Ganhou-se a confiança e agora a pessoa já está recetiva. Não tinha Cartão de Cidadão, não tinha pensão, não tinha nada, vivia da mendicidade. Tratámos-lhe do Cartão de Cidadão e da pensão. E vai ser a primeira pessoa a ocupar uma casa no âmbito do programa Housing First”, conta Armando Gomes.

A segunda habitação, ainda em obras, também já está destinada a um homem que, após muita insistência das equipas, se foi convencendo da vantagem de sair da rua.

A Associação NÓS gere os três apartamentos partilhados, no âmbito do projeto RECOMEÇAR. Com capacidade para onze pessoas, atualmente, apenas 6 estão instaladas em dois apartamentos alugados. O maior, propriedade da Câmara do Barreiro, está ainda em obras de reabilitação e poderá albergar cinco pessoas.

Esta é uma solução temporária, para seis meses a um ano, no máximo. Depende do evoluir do processo de autonomização. Esse é o objetivo, frisa o diretor Técnico da NÓS, Humberto Candeias.

“O que nos propomos trabalhar com as pessoas, tendo em conta os seus interesses, as suas reflexões, é no sentido de conseguirem, na comunidade, voltar a ter as condições para viver autonomamente e ter uma habitação num contexto diferente, que não seja de acolhimento temporário. Para isso, trabalhamos com elas e com os parceiros, porque há aqui uma teia de cumplicidades entre as instituições e os cidadãos”.

O acompanhamento dos ocupantes nos apartamentos é permanente, pode dizer-se, diário. “Há um trabalho a fazer antes da chegada, durante e depois. Há regras que todos têm que cumprir porque há várias pessoas a viver no mesmo espaço. Mesmo assim, tem de haver tolerância e os técnicos estão lá para ajudar”, diz o diretor da instituição responsável pelos apartamentos partilhados.

Espaço de preparação para o regresso à sociedade

O Centro de Atividades Diurnas é um dos polos do projeto SER CASA BARREIRO, a par do “Housing First”, sob gestão da Associação RUMO.

Rute Pires, presidente da Associação, esclarece que são os gestores de caso que, depois das entrevistas, indicam as atividades que as pessoas devem frequentar, segundo as suas competências e necessidades. Pretende-se a inclusão quer na sociedade, quer no mercado de trabalho, quando as pessoas têm condições e idade para trabalhar.

“A RUMO tem uma boa experiência em relação às empresas. Há muitos anos que trabalhamos na área da empregabilidade e temos uma grande rede de contactos. Os empresários barreirenses são muito recetivos a apostar em novas experiências e a contratar. A maioria são pequenas empresas e agora passam por algumas dificuldades. Mas não quer dizer que seja por porem alguma reticência a empregar pessoas sem-abrigo, com deficiência ou com vulnerabilidades, em geral”. E algum desse emprego é apoiado pelo IEFP, o que também é um incentivo para as empresas.

O espaço funciona nas instalações do Centro Paroquial Padre Abílio Mendes, no Largo de Santa Cruz, integrado com outros serviços essenciais: uma das duas cantinas sociais do concelho, os balneários, a lavandaria e ainda a Loja Comunitária, para quem precisar de roupa ou outros artigos. A informação sobre estes apoios básicos é fornecida de imediato quando as equipas detetam uma pessoa “nova”.

As atividades no Centro são diversas. “Desde criar a rotina de irem lá conversar um pouco e beber um café, pegar num baralho e jogar um bocado, até outras mais complexas, como trabalharmos – sempre informalmente – as competências sociais e, numa fase final, para quem tem condições, a procura de emprego. Fazemos quase uma primeira triagem, damos apoio na construção do curriculum, preparamos as entrevistas, explicamos como está o mercado de trabalho e depois fazemos o encaminhamento para as pessoas que trabalham, efetivamente, na área do emprego – alguns parceiros e os Centros de Emprego”; explica à Renascença Carlos Frangueira, Educador Social da RUMO.

Homens, sozinhos, com baixa escolaridade, desempregados, sem habitação com carater permanente, sem rendimentos ou beneficiários de prestações de segurança social (nomeadamente RSI ou pensão). Este pode ser o perfil aproximado das pessoas sem-abrigo no Barreiro, mas Carlos Frangueira, diz que aparece um pouco de tudo.

“Temos jovens com 18-19 anos, com adoções falhadas ou com mau relacionamento com os pais e que resolvem ir para a rua. E depois, temos casos claros de comportamentos de dependência. Sendo que, geralmente, não é a adição que leva à rua; é a rua que leva à adição”, sublinha Carlos Frangueira. Além de pessoas com 40-50 anos, que querem trabalhar e que se se viram desprotegidas de um momento para o outro: desemprego, divórcio, morte de familiares. “Algumas que, antes, tinham uma vida muito confortável”.

Quando a vergonha entra na equação

Esta é uma situação delicada e poucos se querem expor. Carlos Frangueira explica que existem dois casos extremos de vergonha: aqueles em que a família não sabe que estão na rua e eles também não dizem; há situações em que a família descobre e tudo e resolve. E depois há o extremo de verem a mãe ou o pai na rua, a 100 metros da sua casa, e não quererem saber. Conheço alguns casos em que o familiar vive perto, mas a relação degradou-se tanto ao longo dos anos que estão em modo “negação” e não querem saber.

Foi nesta altura que, ali mesmo a lado, Carlos Espalha fez sinal e apontou para si próprio. Minutos depois explicou à Renascença: uma vida de “muitas avarias” e dois divórcios deterioraram a relação com os filhos, sobretudo com o mais velho. Durante nove anos Carlos tomou conta da mãe e nos últimos cinco, viveu na casa dela. Para a acompanhar teve de deixar de trabalhar aos 53 anos.

Mas confessa que o que lhe dói mais é que os filhos, nos últimos meses de vida da avó “conseguiram assinasse um papel que lhe tirava tudo a ele. Quando ela morreu, em 2017, eu deixei de poder entrar naquela casa. Pedi ajuda daqui e dali, mas cheguei ao ponto de ficar na rua”.

Carlos Espalha diz que dormiu na rua quase um ano. “Sobrevivi com a ajuda de um amigo que era presidente de uma coletividade no Lavradio. Ele deixava-me ir lá tomar banho e como fazem lá almoços, davam-me o almoço, mais uma sopinha para o jantar e estava por ali. Só que não tinha onde dormir. Ainda estive um mês numa garagem, mas não tinha nada. De noite, se me desse alguma coisa, ninguém sabia. E para fazer as necessidades, tinha de ir ao campo”.

Tudo mudou no dia 4 de agosto de 2018, quando se sentiu mal e foi para o hospital. “A minha vida mudou para melhor. Apesar de estar doente (foi diagnosticado com cancro nos ossos e está a ser seguido), fui bem acompanhado e estou melhor. Tenho de agradecer a todos”.

Quando saiu do hospital, Carlos Espalha foi para uma casa, mas dos 189 euros que recebia de RSI tinha de pagar 160 para a renda e nem sobrava para a alimentação.

Também isso mudou, entretanto: vai buscar as refeições ao CRIVA (Centro de Reformados e Idosos do Vale da Amoreira) e a RUMO arranjou-lhe uma casa partilhada, onde está há quase três anos. No Natal soube que em breve irá, sozinho, para outra casa atribuída pelo IHRU – Instituto de habitação e Reabilitação Urbana. Terá de pagar renda e manifesta algum receio que não tenha rendimentos suficientes. Está à espera da pensão de velhice, mas sabe que será baixa porque deixou de descontar cedo.

Carlos Espalha não integra nenhum destes projetos mais recente, mas é visto como um caso de claro sucesso de reintegração. Além de parceiro da instituição na ajuda à recuperação de outras pessoas que têm partilhado a casa com ele. “Já fui pai, avô e tio”. Mas é em relação ao último companheiro de casa, com algumas vulnerabilidades, com idade para ser seu filho, que se sente mais realizado: “Ao princípio, entrava mudo e saía calado. Com as minhas brincadeiras, fui-lhe dando a volta; agora já saía dali a cantar, de vez em quando. E passou a fazer as tarefas da casa, antes não fazia nada”.

Carlos tem consciência que os seus comportamentos anteriores e o “gosto pela noite” tiveram influência na relação com os filhos, mas acha que não merecia “tanto ódio” do mais velho. Não se esquece o que lhe disse quando o viu na rua: “Aí é que estás bem!

Sente-se profundamente magoado, mas já está mais feliz em relação ao filho mais novo. Carlos diz que a nora sempre gostou dele e tem promovido a aproximação. Já se falam com muita frequência e a neta Matilde, de quatro anos, também ajuda. “Agora, é a única mulher da minha vida”.

Soluções à medida

Sofia Maria, gestora dos apartamentos partilhados, diz que o NPISA tem um grande cuidado na seleção das pessoas que vão para as casas, tendo em conta as suas rotinas, interesses, competências e saúde, mental e física.

Numa casa térrea do Barreiro “Velho”, dá o exemplo e Carlos Conde, de 63 anos, que viveu seis anos num barco na Praia do Bico do Mexilhoeiro. “Passava lá as noites e os dias, sem as condições mínimas de higiene e conforto. Está aqui há 15 dias. Ficou nesta casa por ser alguém deste contexto, que tem problemas de mobilidade e, portanto, não poderia ir para um 3º andar. Mas há pessoas que preferem sair do meio onde estavam”.

A máscara não consegue esconder o sorriso de Carlos Conde, que se vê nos olhos. E conta que está a recuperar da operação que fez (à vista). “Sinto-me muito bem, antes estava na praia. É da noite para o dia. Estou à vontade, sinto-me como peixinho na água”, diz à Renascença.

E teve sorte com o companheiro que lhe calhou. “A primeira vez que se encontraram aqui na casa, ao fim de 1-2 horas parecia que se conheciam há muito tempo. E tem sido uma relação muito interessante, diz Sofia Maria. “O outro senhor, que se descrevia como uma pessoa reservada, que até preferia estar sozinho, tem sido um companheiro para o Sr. Carlos. Ajuda-o nas suas atividades, nos tratamentos que tem que fazer, está sempre disponível. Foi tudo muito espontâneo, sem qualquer intervenção da nossa parte”.

Noutro ponto da cidade do Barreiro, subimos a um 3.º andar. É o outro apartamento alugado, todo recheado com objetos doados. Tem quatro ocupantes.

Artur está sentado no sofá, todo preparado. Tem pouco mais de trinta anos e algumas fragilidades. Neste caso, o processo de intervenção passa por lhe dar ferramentas para ser mais autónomo e conseguir um emprego, ou pelo menos, uma ocupação. Artur já viveu na rua e sem familiares, foi a hospitalização que lhe valeu o apoio para mudar de vida.

É uma das pessoas que precisa de acompanhamento mais próximo, dada por Sofia Maria ou pelo Técnico de Ação Direta, Vasco Tavares. Mesmo sendo de poucas palavras, Artur diz que se sente muito bem. “São muito simpáticos. É muito importante ter companhia, estar sozinho é um bocado tramado”.

Vasco está há um ano na NÓS. Também ele mudou completamente de vida. “Estava nos audiovisuais e, entretanto, apareceu esta oportunidade. Eu já estava preparado para ela, para mudar. E ainda mais nesta fase da minha vida, pós-50. É muito interessante”.

Todos os dias passa nos apartamentos e tenta ajudar os residentes a perceber o que podem fazer “quando estiverem livres desta situação, que é a finalidade. E tudo o que seja necessário, eu faço e com muito gosto: apoio nas tarefas mais simples, como a lavagem da loiça ou da roupa, a higiene da casa, a medicação, as refeições. Para marcar uma consulta, fazer análises, etc. Sempre respeitando a autonomia de cada um”.

A gestora dos apartamentos partilhados apresenta-nos a outro ocupante deste apartamento, que tem quatro quartos, dois deles com casa de banho, para o caso de virem a ser ocupados por mulheres ou alguma família monoparental.

Carlos Teófilo abre a porta do quarto e encaminha-nos imediatamente para a varanda, onde dá vida a uma das suas paixões: a construção de barcos com materiais reciclados. “Tenho que fazer alguma coisa, não gosto de estar sem fazer nada”.

Tem 66 anos, nasceu na Ilha de S. Vicente, em Cabo Verde mas há mais de 40 que está em Portugal.

Sempre gostou de cantar e mal chegou, “engraçaram comigo”, conta à Renascença. Com o nome artístico Carlos Pop, gravou dois discos com o grupo Black Power. Mas afinal, era tudo “mercado negro” e nunca viu o fruto da venda do seu trabalho. Mas garante que alguém anda a ganhar dinheiro à sua conta porque as músicas estão no Youtube.

A paixão musical acabou por ser amadora e o sustento veio sempre do trabalho na construção. Com detalhe, contou à Renascença a sua história de passagem por diversas empresas, em vários pontos do país e em obras que também têm a sua mão. Da Quimigal, no Barreiro, ao Hotel Meridien e ao Estádio de Alvalade, em Lisboa, um bairro em Alvor ou o Bingo, novamente no Barreiro.

Há pouco mais de 20 anos adoeceu e tudo mudou. Problemas respiratórios e numa rótula determinaram o fim do trabalho nas obras. Foi fazendo uns biscates para ganhar alguma coisa, mas não chegava para pagar uma casa. Por sugestão de um amigo, fez uma barraca “à minha maneira” numas hortas, na zona dos Fidalguinhos. Ficou por lá durante 19 anos, até que a construção ali chegou e determinou a saída. Foi para um abrigo da Proteção Civil e lá ficou quase e três anos. Apesar das condições não serem muitas, diz que já estava habituado.

Agora, esta casa … “é cinco estrelas”, diz com um sorriso rasgado. Já não se lembrava, mas é Sofia Maria que recorda: “Quando viemos aqui, a uma 3.ª ou 4.ª feira, sentou-se ali no sofá e disse que lhe tinha saído o Euromilhões, mesmo sem ainda ser 6.ª feira”.

A perda de documentos é um problema cíclico de Carlos e “volta não volta”, lá é preciso pedir novos junto da Embaixada de Cabo Verde. Aos 66 anos, espera o deferimento da pensão. Entretanto, está no apartamento, em preparação para uma vida mais autónoma, noutra casa ou num quarto.

Esteja onde estiver, é um ouvinte fiel da Bola Branca, especialmente à noite. E revela que às vezes gostava de ser entrevistado sobre a sua música e a forma como anda a ser usada.

Sofia Maria frisa que o prolema da maioria destas pessoas não é só financeiro: “podia sair-lhes o Euromilhões, mas há sempre necessidade de apoio técnico. Perceber uma carta, acompanhar a uma consulta, etc. E depois também esta sensação de serem cuidados, respeitando sempre a sua autonomia, a sua liberdade, as suas rotinas”.

E faz questão de sublinhar que todos mostram uma enorme gratidão, porque há quem cuide e quem se preocupe. “Faz toda a diferença”.

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  • Ivo Pestana
    03 mai, 2021 Funchal 17:05
    Uma segunda oportunidade não chega. Tem que haver mais, um sem abrigo, muitas vezes, não é só um sem teto. Tem problemas mentais, também.

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