Tempo
|
Hora da Verdade
Uma parceria entre a Renascença e o jornal “Público”. Entrevistas aos protagonistas da atualidade. Quinta às 23h20.
A+ / A-
Arquivo

Hora da Verdade

​A reforma da Defesa vai criar “um cabeçudo com umas pernas muito pequeninas"

29 abr, 2021 • Eunice Lourenço (Renascença) e Helena Pereira (Público)


Coronel David Martelo lamenta que militares não possam chegar ao topo da carreira mais cedo e critica Ministério da Defesa por não saber comunicar alterações.

No princípio deste mês, o governo aprovou em Conselho de Ministros uma alteração à Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA) que concentra mais poderes no Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA).

Em entrevista à Renascença e ao jornal 'Público', o militar e historiador David Martelo diz que essa alteração não vai resolver problemas e pode até criar outros.

Está em curso uma revisão da LOBOFA (Lei Orgânica de Bases de Organização das Forças Armadas). Concorda? O que falhou até agora para se ter que mudar a organização das FA?

Uma das coisas que falha estrondosamente é a comunicação. Não consigo dizer se sou a favor ou se sou contra e eu fui militar durante mais de 30 anos. Se tenho dificuldade em tomar posição, imagine-se o resto dos cidadãos. Da parte do MDN, não houve ainda o cuidado até em termos de pedagogia política de anunciar ao país as razões concretas e práticas desta mudança. Não basta dizer que os outros países aliados também o fizeram. Se compararmos com países da nossa dimensão como a Bélgica, Holanda, Dinamarca, nenhum deles tem a geografia que nós temos e muito menos a história. Temos outras necessidades. O que eu esperava e que ajudaria todos os portugueses a perceber por que razão o Governo quer fazer esta alteração era que nos citassem dois ou três exemplos de situações vividas recentemente, sobretudo em termos operacionais, em que tivesse havido alguma dificuldade de articulação dos meios justamente por não existir a orgânica superior que o Governo agora quer implementar.

O ministro não foi capaz de explicar isso?

E os deputados porque é que não perguntam? Por vezes não fazem perguntas porque não sabem o suficiente para fazerem as perguntas. Isto é que é pena.

Não devemos caminhar para um CHIEF OF DEFENSE STAFF (CHOD) como existe noutros países da NATO? Ou seja, um estado maior conjunto até porque temos cada vez menos efetivos? Não está na altura de fazer uma revisão de cima a baixo?

Não tenho nenhum indicador que isso seja assim. O formarmos uma cabeça ainda maior do que aquela que temos não vai resolver o problema da falta de efetivos.

Acha que esta reforma pode engordar a cabeça?

Vamos ficar com uma coisa cabeçuda, com um cabeçudo, uma coisa enorme com umas pernas muito pequeninas.

O cabeçudo nesse caso será o EMGFA?

Pois, terá que ser. Não imagino que seja possível ao EMGFA passar para a nova situação sem aumentar enormemente a sua dimensão nem creio que seja possível permanecer no edifício do Restelo. Mas, enfim, estou à espera que me expliquem e lamento imenso que estejamos ainda nesta altura com estas dúvidas.

No caso da pandemia, e no da vacinação, as FA revelaram-se uma verdadeira força de Proteção Civil? É afinal essa a sua vocação?

Tudo isto foi uma grande surpresa, mas, por outro lado, faz sentido que numa situação difícil como nós vivemos que as FA venham colaborar na linha da frente. Talvez o que seja necessário é rever alguma legislação para que numa situação futura a atuação possa ser feita de uma maneira mais dinâmica e mais pronta. Pareceu-me absolutamente correto tirar o máximo partido dos fraquíssimos meios que as FA têm. Neste momento, já não são só os problemas materiais, mas os problemas de pessoal. Enquanto não resolverem as condições de funcionamento do regime de voluntariado de maneira a torná-lo mais atraente é claro que vão ter sempre dificuldade para ter os efetivos necessários.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Ivo Pestana
    03 mai, 2021 Funchal 17:11
    O SMO, nunca deveria ter acabado. Muitos não sentem a pátria. Muitos até têm simbolos estrangeiros hasteados e dizem mal da nação. Eu fiz serviço militar, aprendi a gostar e a ter espírito patriótico. Senti muito orgulho em ter sido militar e estar pronto para o país.