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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​O regresso do comboio

26 abr, 2021 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O caminho de ferro marcou a revolução industrial no séc. XIX. Em Portugal, nas últimas décadas a ferrovia e o material circulante degradaram-se muito. Para concorrer com o transporte rodoviário e aéreo o comboio precisa de uma modernização envolvendo um brutal investimento público. A ambição será concretizada?

Surpreendeu-me uma manchete do jornal “Público” de há uma semana: “Portugal tem hoje os mesmos quilómetros de caminhos-de-ferro do que em 1893”. Acontece que a Europa está, de novo, a apostar no caminho-de-ferro e que o Plano Ferroviário Nacional, lançado na sexta-feira passada, se insere nessa tendência. Mas valem a pena alguns apontamentos sobre a história do nosso país em matéria de comboios.

Portugal tardou a iniciar a industrialização. As locomotivas a vapor começaram a ver-se em Inglaterra no início do século XIX – era a revolução industrial. O primeiro troço de via férrea em uso surgiu em Inglaterra em 1825. Em Portugal o primeiro troço, de 36 quilómetros, foi entre Lisboa e o Carregado, bem mais tarde, em 1856. A inauguração ficou marcada por avarias da locomotiva, deixando para trás algumas carruagens, repletas de ilustres convidados.

Antes desta inauguração a chegada do caminho-de-ferro ao país não foi encarada com satisfação por vários intelectuais portugueses, como Almeida Garrett ou Alexandre Herculano. Receavam que os comboios pusessem em risco a nossa cultura e a maneira portuguesa de viver, ao trazerem para o país modas e ideias da Europa.

Quem pensava exatamente o oposto era o político Fontes Pereira de Melo, várias vezes primeiro-ministro na segunda metade do séc. XIX, e que apostava tudo no caminho-de-ferro para modernizar Portugal. E, de facto, entre 1856 e 1910 a monarquia constitucional construiu, em média, 60 quilómetros de via férrea por ano. A I República baixou para 36 kms. aquela média anual e o Estado Novo reduziu-a a 9 kms. anuais. Deve notar-se que o empenho em investir no caminho-de-ferro no século XIX português provocou um alto endividamento externo do país, que culminou numa bancarrota em 1891.

Depois do 25 de Abril de 1974 a rede ferroviária não cresceu; pelo contrário, diminuiu à média de 38 kms. por ano, pois foram muitos os de troços de via encerrados. Por escassez de passageiros, foi a principal justificação dada por sucessivos governos.

Entretanto, dois terços da via foram eletrificados. E a velocidade dos comboios aumentou. Mas a densidade da rede ferroviária portuguesa é muito baixa, apenas 2,8 kms. por cem quilómetros quadrados. Por sermos um país relativamente pequeno? Não, essa densidade é de 7,4 na Holanda, 11,8 na Bélgica e 12,9 na Suíça, países pequenos.

Depois da euforia com as autoestradas (passaram de 74 km. em 1977 para 3065 em 2019), euforia que contribuiu para a quase bancarrota de 2011, agora - finalmente! – parece que se encara a sério o imperativo de renovar um caminho-de-ferro decrépito. A prioridade à via férrea como meio de transporte, relativamente ao transporte por estrada e pela via aérea, é sentida hoje como uma exigência na maioria dos países europeus, também por motivos ecológicos.

Não estamos, assim, a inventar nada. Será que temos os meios financeiros para o brutal investimento público que a modernização do caminho-de-ferro português requer?

Desde o 25 de Abril nenhum plano ferroviário foi cumprido em Portugal – e foram apresentados vários. Este último plano, apresentado pelo atual ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, vai até 2030, é um plano a quase dez anos. Provavelmente outros ministros passarão por aquele cargo até essa data. E a dramática situação da TAP irá requerer muita da atenção de quem detenha esta pasta ministerial.

Veremos se até 2030 se conseguem atingir os grandes objetivos do presente Plano: triplicar o tráfego ferroviário de passageiros e duplicar o tráfego de mercadorias. Existe ambição, agora é preciso provar capacidade de realização.

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