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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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A culpa foi mesmo do Natal?

16 abr, 2021 • Opinião de Henrique Raposo


E esta impossibilidade de controlo absoluto sobre o mundo por parte da humanidade é aquilo que a sociedade do #ficaremcasa não consegue aceitar, tal como não consegue aceitar a impossibilidade do risco zero nas vacinas.

Desde que António Costa reabriu as escolas, há mais de um mês, oiço todos os dias o seguinte lero-lero pessimista na rua e nos comentários dos doutores do apocalipse: isto vai piorar, isto vai voltar ao mesmo, vamos ter nova vaga! Há uma necessidade colectiva de medo e de apocalipse que supera qualquer demonstração empírica. Por exemplo, antes da Páscoa, foi dito e redito que teríamos uma nova vaga se as pessoas saíssem de casa como no Natal. Ora, pelo menos metade da população foi à terra na Páscoa. Repito: pelo menos metade da população saiu de casa. É uma enormidade. Logo na quinta-feira, dia 25 de Março, um dia antes das operações policiais, falou-se na movimentação de um milhão de pessoas. No entanto, não tivemos um aumento de casos. Pelo contrário, os números têm estado a descer de forma sustentada.

E por aqui chegamos a um tabu que importa questionar: será que a culpa do pico de Janeiro foi mesmo do Natal em família? Se o Natal em família tivesse sido o grande motor do pico de janeiro, então, nós estaríamos a ter neste momento um surto pós-Páscoa. Onde é que ele está? Lamento, mas o pico de Janeiro tem de ser explicado de outra forma; a acção humana não conta a história toda; os fatores não humanos (nova estirpe que chegaria cá com ou sem Natal aberto; uma vaga de frio raríssima em Portugal) são tão ou mais decisivos. Sem a vaga de frio polar e rara em Portugal e sem uma nova estirpe, uma Páscoa parecida ao Natal não desencadeou um surto.

Quando demonstro o que acabei de dizer com factos, as pessoas reagem enfurecidas e querem acreditar que ninguém saiu pela Páscoa, não querem acreditar que a mobilidade está quase em níveis quase normais desde Fevereiro, insistem em dizer que a descida dos casos é uma consequência directa do #ficarmcasa. Mas não tem existido #ficarmecasa desde Fevereiro. Pensar-se o contrário é viver na ilusão. É viver sobretudo na ilusão antropocêntrica, na ilusão de que tudo o que acontece é resultado da ação humana. Não é. E esta impossibilidade de controlo absoluto sobre o mundo por parte da humanidade é aquilo que a sociedade do #ficaremcasa não consegue aceitar, tal como não consegue aceitar a impossibilidade do risco zero nas vacinas. Não há risco zero. Estas vacinas agora diabolizadas têm os efeitos secundários inerentes a qualquer medicamento. Não querem tomar a Astrazeneca ou a Johnson & Johnson? Então não tomem a pílula ou paracetamol, que também tem raros efeitos secundários.

É ridículo vermos a sociedade a discutir os raros casos negativos de uma vacina quando a grande história é outra: a redução do número de mortos e internamentos já é um efeito da vacinação. É ridículo estarmos sempre a falar do atraso da vacinação na Europa e em Portugal, porque travar a epidemia onde interessa (mortes e internamentos) não implica vacinar a população inteira. Para esse efeito, só temos de vacinar os mais velhos e mais frágeis, e esse trabalho já vai muito avançado.

Quando as tribos chegam por fim à fronteira com a Terra Prometida, Moisés envia Caleb como batedor. Caleb volta e dá a boa nova, Sim, a Terra Prometida está onde devia estar! A boa nova é mal recebida pelos outros, que querem continuar na inércia do pessimismo. É aí que estamos neste momento: há demasiada gente que vê os factos e a esperança como ofensas.

Comentários
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  • Ivo Pestana
    19 abr, 2021 RaM 14:57
    A culpa é do corona. Invisível, contagioso e infecioso. O resto é para encher jornais, notícias para entreter.
  • Bruno
    16 abr, 2021 aqui 12:30
    O autor do artigo está a ser desonesto intelectualmente ao dizer que as pessoas foram à terrinha na Páscoa tal como aconteceu no Natal e que nada se passou. Mas há uma diferença substancial: antes do Natal o número de infectados era muito superior ao que existia antes da Páscoa (em virtude do confinamento) e a vacinação ainda não tinha sido iniciada. A Renascença, sendo uma rádio de matriz ideológica católica, devia ter mais critério antes de publicar artigos de opinião manipuladores.