26 mar, 2021
A tragédia que atingiu o Norte de Moçambique começa a ter eco na imprensa internacional e nos “media” nacionais também, embora se possa dizer “só agora!” num conflito que eclodiu em 2017.
O facto de Portugal deter a presidência semestral da UE terá contribuído para que nesta altura, entre nós, se fale um pouco mais do que acontece em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique.
Desde há quatro anos ocorrem ataques terroristas naquela região. Registam-se já, pelo menos, 2.700 mortos e quase 700 mil deslocados. A fome grassa em perto de um milhão de moçambicanos. Esta semana foi atacada a vila de Palma, próxima do projeto de gás natural de Cabo Delgado. A população teve fugir e abrigar-se na mata.
Os ataques, que se intensificaram no ano passado, são feitos por um grupo que diz pertencer ao chamado Estado Islâmico. São agressões bárbaras, incluindo o corte da cabeça de algumas vítimas. Grande parte dessas atrocidades chegaram ao conhecimento do mundo graças ao corajoso e incansável esforço de denúncia internacional do brasileiro D. Luís Lisboa, ex-bispo de Pemba, capital da província de Cabo Delgado.
Pois, recentemente, D. Luís Lisboa foi transferido para uma diocese no Brasil, provavelmente porque estaria na iminência de ser assassinado e as autoridades não asseguravam a sua vida; também há quem julgue que ele foi afastado por pressão do governo, incomodado com o que o bispo dizia publicamente.
No norte de Moçambique está em curso um grande investimento na pesquisa de gás natural, envolvendo empresas petrolíferas de topo, como a americana Exxon-Mobil e a francesa Total. Trata-se de um empreendimento que poderá trazer algum alívio financeiro a Moçambique, que se encontra entre os dez países mais pobres do mundo.
Mas os ataques do “jhadistas” já levaram algumas das empresas que investiram nesta operação a suspenderem a sua participação, enquanto não tiverem melhores condições de segurança. Ora o Estado moçambicano, e em particular a suas polícias e o seu exército, não parecem ter condições para garantir essa segurança.
Pior: a Amnistia Internacional acusa o exército e a polícia de Moçambique de atacarem residentes na província de Cabo Delgado e de estarem envolvidos em mortes extrajudiciais e em tortura. O facto de as autoridades moçambicanas afastarem de Cabo Delgado observadores independentes, como jornalistas, é um sinal preocupante.
Entretanto a hostilidade entre a Frelimo e a Renamo continua a suscitar alguns afrontamentos armados no centro de Moçambique. Não obstante várias tentativas de paz sólida, nunca o Estado daquele país teve soberania efetiva sobre todo o território nacional. Cabo Delgado é uma manifestação da fraqueza do Estado em Moçambique.
Claro que a UE e Portugal, bem como a França, a África do Sul, os EUA e outros países vão ajudar Moçambique, sobretudo treinando elementos da polícia e das Forças Armadas. Mas terão de ser os moçambicanos a ultrapassarem o essencial: a fraqueza do seu Estado.