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​Comércio ao postigo. “Deixamos de vender por não haver hipótese de mostrar tudo”

18 mar, 2021 - 14:25 • Vítor Mesquita

A Rua de Cedofeita, no Porto, ainda tem o comércio a funcionar a meio-gás. As restrições impostas, sobretudo a impossibilidade de acesso dos clientes ao interior dos estabelecimentos, limita as vendas. Muitos não chegaram, sequer, a abrir; todos esperam por melhores dias.

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Na Rua de Cedofeita, no Porto, mais de metade das lojas permanece encerrada. Quem arrisca e abre, nesta primeira fase de desconfinamento anunciada pelo Governo, tem no postigo uma barreira para a retoma económica. Vender roupa, sapatos, tecidos e botões continua a ser à vontade do freguês, mas só daquele que já sabe o que quer comprar.

“Estou a comprar cortinados, fita de cortina e cortinas. Já tinha uma ideia do que queria. Sou cliente habitual, venho cá todas as semanas. Tenho um ateliê de costura e compro isto sistematicamente. Gosto de ver as coisas e isto torna o processo um pouco mais complicado”.

Ana Magalhães encontra mais dificuldades no habitual processo de compra e venda. Está à porta da loja de tecidos da Rua de Cedofeita, da qual é cliente. Lá dentro, a responsável, Lurdes Ribeiro, reconhece o problema.

Afirma que “o cliente gosta de ver, de pôr a mão no tecido”. Acredita, no entanto, que a barreira acabará por ser ultrapassada e, lentamente, a recuperação vai chegar.

Já na loja de antiguidades de Eugénia Valente, os dias são mais complicados. O cliente está muito mais limitado. Habitualmente, “tem de entrar, ver, escolher e eventualmente comprar. Neste momento a única coisa que podemos fazer é mostrar as peças na internet, ou depois de um contacto telefónico enviamos fotografias e depois se quiserem alguma coisa vêm cá levantar”.

À porta encontram um postigo improvisado. Uma mesa barra o acesso à loja, das poucas abertas em toda a extensão da rua. Eugénia Valente conta que “há muito comércio que nem sequer abriu, mais de metade. Os proprietários acham que não faz sentido”.

A venda de café ao postigo é a principal diferença no consumo, em alguns dos cafés e pastelarias. Nem todos reabriram e os que estão a funcionar já o faziam por servirem refeições.

Jaime Oliveira é funcionário de um deles e conta que “há mais pessoas na rua, mas nada de extraordinário. Sem qualquer impacto no negócio e na venda de refeições. Vendem-se, apenas, mais uns cafezitos”, lamenta.

Outra das lojas da Rua de Cedofeita tem como proprietário Olinaldo Oliveira. Natural de Brasília, há cinco meses em Portugal, abriu o seu negócio de vinhos esta semana.

“Estou abrindo a porta agora, do dia 15 de março para cá. Foi quando foi permitida a minha abertura. Estou aqui com esta experiência nova, ao postigo. No entanto, as pessoas já começam a perguntar bastante, querem até entrar na loja. Nós impedimos, dizemos que não pode ser, o que leva às vezes o cliente a não comprar o vinho. Ele diz que quer ver, eu respondo que tenho aqui a lista à entrada, é complicado”, admite.

Apesar da crise, Olinaldo não teve receio de apostar neste negócio. Já trabalha com vinhos há 30 anos e a relação com Portugal e com os produtores nacionais é também antiga. Ter a filha a estudar no Porto motivou a mudança de país. Apesar dos constrangimentos, está entusiasmado com o futuro.

“Acabamos por ir percebendo ao longo dos dias o que vai funcionado”

Numa loja de roupa para crianças. Jayendra Kumar fala numa recuperação muito lenta. O postigo trava o negócio, apesar de alguma clientela já ter voltado.

“Sim, o cliente compra. Pede o tamanho, mas é mais complicado. A variedade é tanta que não podemos por tudo na montra. Fazemos o possível para mostrar isto e aquilo, mas, por vezes, deixamos de vender por não haver hipótese de mostrar tudo”, explica.

Vender roupa ao postigo traz dificuldades a clientes e vendedores. É preciso experimentar as peças e a prova tem de ser feita fora da loja. Irene Oliveira revela que no dia da reabertura os constrangimentos foram ignorados.

“Nas primeiras horas de segunda-feira foi fantástico. Parecia que as pessoas tinham sido libertadas de algum lado. Vieram todas perguntar se podiam comprar. No entanto, como não podíamos deixar entrar ninguém, as pessoas escolhiam o que viam nas montras. Ainda vendemos alguma coisa, mesmo aqui à entrada”, revela com entusiamo.

A gerente Maria João Martins explica que a boa vontade de todos se traduz até em novas soluções. Refere que os clientes “experimentam aqui na zona da porta, quando querem comprar casacos, ou outras peças que conseguem vestir aqui”.

Por sugestão de uma cliente foi colocado um espelho no átrio da loja. “A verdade é que o método é completamente diferente do que estamos habituados, mas acabamos por ir percebendo ao longo dos dias o que vai funcionado”, admite a responsável.

Numa das sapatarias abertas, Maria de Lurdes Leite explica como tem vendido por estes dias. Os clientes recorrem à montra para fazer o pedido. “Querem experimentar e eu digo que não é possível. Levam os sapatos, ou as botas e se precisarem de trocar, voltam e eu troco. Se não vierem é sinal de que tudo correu bem”.

Acrescenta que o primeiro dia, no regresso à atividade, as vendas não correram tão bem, mas nota uma subida gradual. Assinala também alguma resistência de alguns clientes que “gostam de entrar, ver mais modelos”, mas que acabam por compreender.

Outra loja que reabriu é a de Esmeralda Gonçalves, que trabalha há cerca de 30 anos no comércio. Diz nunca ter vivido uma crise como a provocada pela pandemia. Reabriu a sua loja de roupa interior e pijamas, esta semana. Já vendeu algumas peças, “pouca coisa, mas já vendi”.

Acrescenta que “até este momento as vendas não exigiram qualquer prova, mas se for necessário vestir, passam para trocar depois”. Por trabalhar sozinha, diz ter vantagem para enfrentar as despesas fixas.

Espera que a pandemia abrande e os clientes lhe garantam a sobrevivência. Pouco animado com os efeitos da reabertura está André Oliveira. É funcionário de uma retrosaria com mais de 60 anos e lamenta que não haja “aquela compra por impulso. As pessoas não entram, não conseguem ver o produto, já têm de vir com o que pretendem na mente”.

Noutro ponto da Rua de Cedofeita, Andreia Campos, proprietária de uma loja de artesanato urbano, vem ao postigo revelar que não abre todos os dias. Na segunda-feira “vim experimentar de manhã, ver o fluxo de pessoas”, mas não correspondeu às expectativas.

Refere que estes dias têm sido um desafio. Explica que tem “artigo muito diversificado, por isso é uma loja que necessita da entrada das pessoas, para ver, tocar, experimentar. Não vendi nada, absolutamente nada. Nos cafés e nas pastelarias a pessoas já sabe o que quer. Aqui é diferente”.

Apesar da dificuldade dos primeiros dias, tenta “pensar positivo. Temos uma data de abertura, dia 5 de abril. Algo fantástico e promissor”, diz.

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