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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​Justiça e política no Brasil

15 mar, 2021 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Os brasileiros estão a passar por tempos difíceis. A pandemia mata mais de duas mil pessoas por dia. Bolsonaro não leva a sério a pandemia. A operação Lava Jato contra a corrupção acusou e prendeu centenas de personalidades empresariais e políticas. Mas recentes decisões de juízes do Supremo Tribunal inocentaram Lula. E tornou-se claro que o juiz e depois ministro Moro passou de herói da Lava Jato a uma vergonha para a justiça brasileira.

O Brasil atravessa uma fase crítica. É o terceiro país do mundo com maior número de vítimas mortais do coronavírus. Já morreram perto de 270 mil pessoas, mais de duas mil por dia. O Brasil está a um passo do colapso sanitário. O presidente Bolsonaro desde o início da pandemia que a desvalorizou. E opõe-se a medidas restritivas, como confinamentos, que a maioria dos governadores estaduais está a tomar; é o caso, por exemplo, de S. Paulo, o maior Estado brasileiro as grandes vítimas desta irresponsabilidade de Bolsonaro são, como seria de prever, os pobres das favelas.

Uma outra crise grave afeta o Estado e a sociedade do Brasil: a corrupção e a forma como a justiça brasileira lidou com o assunto. Há quinze anos foi desencadeada uma grande operação, apelidada de Lava Jato, contra a corrupção. Foi desde então revelada uma gigantesca cadeia de corrupção, envolvendo grandes empresas, como a pública Petrobras (petróleo) e a privada Odebrectht (construção civil). Das obras públicas, como as efetuadas no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, até redes de hotéis, passando pela construção de linhas de caminho de ferro, em quase tudo apareceram esquemas de corrupção.

A justiça brasileira utilizou a delação premiada para acusar e levar à prisão numerosos empresários, gestores e políticos implicados na corrupção; a delação premiada não é permitida no sistema judicial português, mas é aceite no Brasil. Se a operação Lava Jato gerou escândalo na sociedade, por outro lado levou a um sentimento positivo por, finalmente, ter sido castigada a corrupção, que toda a gente sabia existir, mas porventura não naquela escala. Nessa operação salientou-se um juiz, até aí pouco conhecido, Sérgio Moro.

No plano político, Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) chegaram ao poder federal. Só que em 2005, sendo Lula presidente da República, aconteceu o chamado “mensalão”, a compra de votos de deputados com dinheiro público. A partir daí outros escândalos de corrupção envolveram o PT e o seu líder, Lula, perdendo credibilidade a oposição verbal do PT à corrupção.

Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil, muito como reação aos escândalos do PT. Bolsonaro tinha sido durante anos deputado federal e nunca escondeu o seu apreço pela ditadura militar e até pela tortura como método de investigação. Também criticava a ingerência da política na justiça. O que não o impediu de procurar agora apoios em partidos políticos, que antes rejeitava, na proteção ao seu filho Flávio, senador, de uma investigação judicial por suspeita de branqueamento de capitais.

Ora em 2018 S. Moro, que tinha levado Lula à prisão, tornou-se ministro da Justiça de Bolsonaro. Confirmaram-se, então, as suspeitas de que Moro tinha uma agenda política e não se regia pelas normas próprias de um magistrado judicial. Moro demitiu-se em 2020, alegando que Bolsonaro interferia no seu trabalho de ministro na área da justiça.

Há uma semana um juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que Moro, quando juiz em Curitiba, não tinha competência territorial para investigar e julgar os processos envolvendo Lula e a operação Lava Jato. E uma outra sentença do STF salientou a parcialidade política de Moro na condução dos processos nos quais Lula era arguido.

Estas surpreendentes decisões estão sujeitas a recurso. Se elas forem confirmadas Lula poderá ser candidato presidencial. Mas o que agora veio a público sobre a atuação de Moro é chocante. Por exemplo, Moro terá feito sugestões a magistrados do ministério público brasileiro no sentido de incriminarem Lula. Moro passou a ser uma vergonha para a justiça brasileira, como escreveu o advogado Francisco Teixeira da Mota na sua coluna do “Público”.

Em suma, a crise de confiança no Estado brasileiro tornou-se ainda mais aguda.

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