13 mar, 2021 - 08:00 • Aura Miguel
Quem não se lembra da Praça de São Pedro totalmente vazia, naquele dia 27 de março de 2020, com o Papa solitário e vacilante a carregar sobre si todo o sofrimento do mundo e da Igreja? No meio da angústia e adversidade, em que “densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades se apoderaram das nossas vidas”, “em que nos revemos temerosos e perdidos”, “todos frágeis e desorientados”, o Sucessor de Pedro abraçou a Cruz. A chuva torrencial e o vento não o impediram de abençoar, com o Santíssimo Sacramento, a cidade de Roma e o mundo inteiro, “como um abraço consolador de Deus”. E o mesmo viria a acontecer, quinze dias depois, na Via Sacra da sexta-feira Santa, quando carregou a cruz naquela Praça totalmente vazia e semi obscura.
Foi também em plena pandemia que o Papa, no início de outubro, se deslocou a Assis para assinar, junto ao túmulo de
São Francisco, a nova encíclica “Fratelli tutti”, sobre o respeito do outro como irmão, num “amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço”. Ultrapassar estas barreiras, foi exatamente o que Francisco fez no Iraque. Apesar dos inúmeros riscos e contrariando os mais prudentes conselheiros, avançou, de mão estendida, para se encontrar com os seus “irmãos” muçulmanos xiitas, unidos pelo mesmo “pai Abraão” e reforçar apelos de paz e fraternidade.
E como Francisco é um homem de gestos concretos, o seu coração de pastor levou-o, sobretudo, ao encontro dos cristãos que mais sofrem e carregam as feridas profundas da guerra e do luto. Levou-lhes “o abraço consolador de Deus”, mas também recebeu. Nas cidades ainda feridas pelo terrorismo e ódio à fé cristã, como aconteceu em Mossul e Qaraqosh, o Papa conheceu a alegria contagiante de milhares de rostos com quem se cruzou e a quem agradeceu a vivacidade do testemunho e coragem da fé; e comoveu-se ao ver a força do perdão de uma mãe cujo filho foi morto pelos terroristas.
Ao completar o oitavo ano do seu pontificado, podemos agora olhar para trás e perceber como, apesar da pandemia e do isolamento obrigatório, a missão do Papa não tem pausas. E se hoje vivemos, uma “terceira guerra mundial aos pedaços”, como
tanto insiste Francisco, a viagem ao Iraque permitiu-lhe tocar com a mão num desses pedaços de guerra para nele lançar sementes de paz.