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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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E se Cristina Ferreira fosse um homem?

12 mar, 2021 • Opinião de Henrique Raposo


As mulheres nunca serão iguais aos homens enquanto as mulheres que são alegadamente um exemplo, como Cristina Ferreira, mantiverem a condição feminina dentro deste espartilho paternalista que é a essência do marialva.

A revista “Prima” fez capa com uma humorista muito cá de casa, a Mariana Cabral (Bumba na Fofinha). Esta merecida capa fez-me lembrar a melhor coisa que ouvi nos últimos tempos sobre Cristina Ferreira e, no fundo, sobre a diferença entre homens e mulheres. Aquando da célebre rutura com a SIC e consequente regresso à TVI, Cristina Ferreira justificou a mudança com um enorme dramatismo sentimental que se dividiu em diversos episódios; na base desta novela da vida real, encontrávamos a ideia de que Cristina sentia um chamamento para voltar à sua casa, à sua TVI, etcétera.

Mariana Cabral no Bumba na Fofinha foi direta à jugular, apresentando um argumento que a nossa Joana Marques também invocou no Extremamente Desagradável: Cristina Ferreira fez este teatro porque é mulher. Se fosse homem, limitar-se-ia a dizer que aceitou uma proposta de trabalho mais interessante, uma proposta que lhe dá mais dinheiro, que lhe permite ter mais poder criativo e administrativo, uma proposta que lhe permite ser estrela e dona, ponto final. Mas, como é mulher, as pessoas e ela própria exigem algo além desta racionalidade. É como se a mulher não pudesse ter uma carreira como os homens, uma carreira que vale por si só. É como se a carreira da mulher não estivesse presa à cabeça, mas sim ao coração, ao sentimento. Como é óbvio, isto diminui a mulher perante o homem, porque mantém o cliché de que a carreira, a verdadeira carreira determinada apenas pelos critérios profissionais, é só do homem.

Nesta visão paternalista, a carreira da mulher é apenas a extensão da sua vida emocional privada. As mulheres nunca serão iguais aos homens enquanto as mulheres que são alegadamente um exemplo, como Cristina Ferreira, mantiverem a condição feminina dentro deste espartilho paternalista que é a essência do marialva.

Mas repare-se que este não é apenas um problema português. Acabo de ver a série “The Undoing”, com Nicole Kidman e Hugh Grant. Ele tem 60, ela 53. O rosto dele tem as marcas normais de um homem de sessenta anos, está cravado de rugas. Esta fragilidade da idade torna a sua interpretação mais forte, mais humana, mais verosímil, mais empática. Apesar de ele ser o vilão, nós sentimos mais empatia com ele do que com ela. Porquê?

O rosto dela, uma mulher de cinquenta e três anos, é liso como o de uma criança. É um rosto falso, é o rosto de uma robô, de uma daquelas humanoides dos filmes de ficção-científica, não é a face de uma mulher madura. A personagem de Kidman é plástica e pouco expressiva, porque a atriz está obcecada com a ideia de que uma estrela de cinema não pode ter rugas. Pior: ele continua bonito, porque assume as rugas; ela está a deixar de ser bonita, porque não assume as rugas.

Será que esta obsessão com a negação da idade nasce nas próprias mulheres (auto-imposta) e será uma pressão do “sistema” e da cultura sobre as mulheres? Julgo que a verdade está mais próxima da segunda hipótese, mas também é verdade que são as mulheres como Kidman e Cristina Ferreira que têm o poder para mudar a cultura.

Comentários
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  • Bruno
    15 mar, 2021 aqui 21:31
    Isto de se afirmar que as decisões dos seres humanos, seja homens ou mulheres, serem racionais é um cliché cartesiano. Todas as decisões que tomamos são emocionais. Os seres humanos são seres emicionais e são as emoções que estão na base das grandes decisões que tomamos nas nossas vidas. Coisas como escolher uma profissão, um cônjuge, ter um filho, arranjar um cão, escolher um clube de futebol, etc, baseiam-se apenas em emoções. A razão serve apenas para gerir as pequenas coisas do dia-a-dia e, mesmo essas, estão contaminadas pelas emoções. Por exemplo, se vou às compras tento não gastar mais dinheiro do que o orçamento que estabeleci (componente racional) mas a escolha dos produtos que vou comprar com esse dinheiro é emocional (gosto mais de laranjas do que maçãs e isso influencia a minha escolha quando vou comprar fruta).
  • Ivo Pestana
    12 mar, 2021 RAM 15:21
    As mulheres não precisam dos homens, pois têm a Cristina Ferreira. Sempre ouvi dizer , na generalidade, que a mulher é o pior inimigo da mulher. Saúde e cautela.