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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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100 anos: pequena história do PCP

03 mar, 2021 • Opinião de José Miguel Sardica


O Partido Comunista Português comemora, no próximo dia 6 de março, o centenário da sua fundação. É uma efeméride de relevo para os seus dirigentes, militantes e simpatizantes. Para quem não é nada disto, será ocasião para uma viagem sobre a sua história e para uma apreciação crítica do seu legado.

O PCP foi um produto do ambiente de radicalização social da I República portuguesa, sobretudo na crise do pós-guerra. O bolchevismo russo de Lenine chegou a Portugal através da Federação Maximalista, criada em setembro de 1919, de onde se decantaria o Partido Comunista, em março de 1921. A filiação no Comintern soviético veio logo no I Congresso, em 1923, e desde então até hoje a ortodoxia marxista-leninista e o seguidismo em relação a Moscovo foram identidade inalterável.

Com a ditadura militar e o Estado Novo vieram a ilegalização e as perseguições. Conforme definiu Salazar, em 1934, o comunismo era “a grande heresia da nossa idade”. Condenada à clandestinidade, a “grande heresia” prosperou e o PCP foi, sem dúvida, a mais organizada, a mais forte e a mais perene força da oposição anti salazarista e anti marcelista durante as décadas seguintes, até 1974 – fosse numa estratégia isolada de golpismo revolucionário, nos anos 30, no início dos anos 50 ou na década de 60, ou através da colaboração frentista com outras oposições, como aconteceu no MUNAF e no MUD, no depois chamado “desvio de direita” de Júlio Fogaça, nos anos 50, ou no assalto final ao Estado Novo, à boleia da bandeira do democratismo anti marcelista.

A partir da morte de Bento Gonçalves, no Tarrafal, em 1942, a história do PCP passou a ser a história de Álvaro Cunhal, o agitador, o preso político e, a partir de 1961 e até 1992, o seu mais famoso e poderoso secretário-geral.

Não se duvida dos sacrifícios e do contributo dado pelo PCP na luta contra o Estado Novo. Em 1974, os 36 membros do Comité Central do partido tinham cumprido um total de 308 anos de prisão! Mas isto não deve elidir que muita outra gente não comunista também sofreu às mãos do Estado Novo, nem deve impedir que se repare na, e se denuncie a, outra parte da história do PCP: as perseguições e purgas de “desviacionistas” internos antes e depois de 1974 e, sobretudo, a vertigem do mando absoluto ao longo do PREC.

A democracia constitucional e parlamentar livre e pluralista fez-se tanto contra a memória do autoritarismo como contra a hipótese, bem real, da ditadura comunista, à russa ou à albanesa (para o crítico, é indiferente). Cunhal perdeu duas vezes – mesmo que, já se sabe, o PCP nunca perca: com o fim do PREC e com o colapso do “seu” mundo comunista, chegada a derrocada do Muro de Berlim e a implosão da URSS, que ele, se alguma vez compreendeu, nunca encaixou.

A partir de 1991, o partido não mais superou os 10% em eleições legislativas. Valia, em 2019, 6,33% (332 mil votos), e parece que até o seu eleitorado alentejano o anda hoje a trair. Contudo, graças à sua malha sindical, aos malabarismos do PS, à bonomia de Jerónimo de Sousa e à ameaça de pauperização da sociedade portuguesa, pouco liberal porque demasiado dependente de um Estado onde os comunistas ainda mandam, o PCP foi durando, sendo hoje o mais antigo partido político português.

Para o sempre prestimoso Avante! será motivo de júbilo e da enésima loa ao “heroísmo” do PCP na defesa dos “trabalhadores” e das “amplas conquistas de Abril”. Para quem conhece a história dos totalitarismos do século XX, o fracasso prático do comunismo e o veio estatista de uma democracia portuguesa falha de crescimento, a longevidade do PCP é uma daquelas realidades que obrigam a pensar e, várias vezes, a lamentar.

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