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Micro, Pequenas e Médias Empresas

"Com os atrasos nos apoios, quando o confinamento acabar as empresas estão mortas"

12 fev, 2021 - 07:08 • João Carlos Malta

Presidente da CPPME, Jorge Pisco, denuncia o que considera ser um ciclo vicioso que está a prejudicar as empresas: o ministério da Economia anuncia medidas, o ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social regulamenta-as, e no fim o ministro das Finanças fecha a torneira. O presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médios Empresas acredita que mais de 20% dos empresários já não estão a pagar salários.

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A palavra que mais vezes sai da boca de Jorge Pisco, presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas - CPPME, para qualificar a situação dos empresários em Portugal é "dramática".

Nesta entrevista à Renascença, ainda antes de ser conhecido o texto do novo estado de emergência [a conversa aconteceu na quarta-feira], Jorge Pisco analisa o passado, o presente e o futuro das micro, pequenas e médias empresas, que valem mais de 99% do total do tecido empresarial, e dispara em quase todas as direções.

Acusa o Governo de estar a tentar anestesiar os empresários com medidas e mais medidas, que se confundem e não chegam ao terreno. Em relação aos bancos, defende que estes usaram as linhas de crédito para resolverem problemas próprios, e tem ainda dúvidas de que os números do INE (Instituto Nacional de Estatística) do desemprego sejam mesmo como os que são publicados.

Apela a que a ação seja célere para que quando o desconfinamento acontecer, haja ainda a possibilidade de haver um tecido empresarial capaz de relançar a economia. Pelo meio, fala da fome por que muitos empresários estão a passar.

Porque é que as medidas que o Governo anunciou para as empresas são uma forma de anestesiar os empresários, como ainda esta semana defendeu?

O Governo procura anestesiar os empresários e basta olhar para como tem gerido os apoios. Há um baixo nível de valores que são apontados e dificuldade de acesso aos mesmos. A isso soma-se a lentidão com que são disponibilizados, as exigências e os critérios que são colocados e que excluem milhares de empresas.

Há ainda a discriminação do seu código de atividade económico (CAE) e o programa Apoiar, que encerrou por se atingirem os 150 milhões de euros que estavam previstos numa altura de pandemia. É incompreensível.

É preciso nós não esquecermos que os micro, pequenos e médios empresários ao longo destes 11 meses têm sofrido de uma forma dramática e que era necessário que o Governo tivesse olhado para eles de uma outra forma.

Por isso, dizemos que estão a tentar anestesiar [os empresários], anunciando medidas e mais medidas, mas no concreto não estão a ajudar de forma efetiva as empresas.

A perspetiva é de um confinamento de dois meses. O que é que isso significa para os micro e pequenos empresários? É uma sentença de morte?

Já hoje é. Com esta situação de dificuldade de acesso aos apoios, com os atrasos dos apoios − a não serem alterados os critérios e a forma dos apoios chegarem e da aplicação dos mesmos − quando o confinamento acabar as empresas estão moribundas. Não encerram, estão mortas.

"Estão a tentar anestesiar [os empresários] anunciando medidas e mais medidas, mas no concreto não estão ajudar de forma efetiva as empresas."

O que temos vindo a dizer é que se não se apoiam as empresas, elas vão à falência, e são milhares e milhares de postos de trabalho que o Estado vai ter de suportar do ponto de vista social com o desemprego e falências.

O Governo anuncia linhas de milhares de milhões de euros de apoio às empresas e à economia, e mesmo assim as empresas queixam-se de que os incentivos são escassos. Quem é que aqui está a faltar à verdade?

Basta olhar para as estatísticas e ver que Portugal é dos países que menos tem aplicado fundos de apoios à economia. Fala-se muito, anuncia-se muito, mas na prática isso não é verdade.

Não basta o ministro das Finanças ir ao Parlamento anunciar que é necessário apoiar a economia. O que se tem vindo a verificar é que o ministério da Economia anuncia medidas, depois o ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social regulamenta os apoios, e no fim o ministro das Finanças fecha a torneira.

Esta é a realidade e nós não podemos estar numa situação como esta, porque as empresas têm estado encerradas, não faturam, temos setores de atividade económica nacional que há 11 meses estão encerrados. A situação é calamitosa. Não vale apena estarmos a anunciar milhões e mais milhões em projetos e mais projetos de apoio.

O apoio às rendas que tão pomposamente foi anunciado, mas depois há empresas cujo CAE não é possível [de enquadrar], as empresas que estão em centros comerciais que têm contratos de sucessão não se enquadram, o apoio à restauração que foi agora fechado, o apoio aos sócios gerentes e aos trabalhadores independentes não se coaduna, e tudo isto é o que se passa. Neste momento a situação é dramática.

"A não serem alterados os critérios e a forma dos apoios chegarem e da aplicação dos mesmos − quando se decidir que o confinamento acaba as empresas estão moribundas. Não encerram, estão mortas"

Não somos só nós que o dizemos, a 27 de janeiro realizamos um webinar com 40 associações a nível nacional de variados setores, da qual saíram 21 propostas que fizemos chegar ao Governo com medidas muito concretas e que exigem que se tomem medidas. As empresas necessitam rapidamente desse auxílio. Não podemos estar a tomar medidas para daqui a um mês. Tem de ser no imediato.

A avaliação que faz da ação do Governo neste período é negativa?

Sim, é negativa. O Governo aprovou o orçamento do Estado em novembro [de 2020], a 14 de dezembro anunciou medidas de apoio às empresas e só as veio a aplicar em janeiro. Agora estamos em fevereiro e andamos aqui de mês a mês. Isto não pode acontecer. Não estamos numa fase em que podemos estar nesta situação.

Em relação ao "lay-off", hoje [quarta-feira] saiu um relatório do Tribunal de Contas acerca do "lay-off". Em 30 de junho do ano passado, apenas 70% dos processos foram despachados. Temos conhecimento de que há empresas que ainda não receberam o primeiro [pagamento do] "lay-off". Há também empresas que ainda não receberam do segundo pagamento que pediram do programa Apoiar.

As empresas começam a estar desmotivadas e quem tem valido no meio disto tudo são os contabilistas, mas que também têm estado assoberbados. A regulamentação que sai é tão vasta, tão complicada, que anda toda a gente baralhada com aquela informação e com todos os apoios.

"O que se tem vindo a verificar é que o ministério da Economia anuncia medidas, depois o ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social regulamenta os apoios, e no fim o ministro das Finanças fecha a torneira"

Candidata-se a um, depois é cumulativo, aquele não é, é uma situação dramática.

Há muitos empresários com dificuldade em pagar salários, nos restaurantes quase 1/5 não pagou salários em janeiro, como é que é a situação entre os pequenos e médios empresários?

Aquilo que se passa na restauração é o que se passa nas outras situações. Como se passará com os feirantes, como será também nos eventos, como será com os cabeleireiros, são setores que estão fechados há meses.

"O número de empresas que não paga salários é muito superior a esse [20%]"

Os eventos estão fechados desde março do ano passado. Os cabeleireiros encerraram agora também. O turismo fechou desde março. Há muitos que não faturam.

Mas esses setores estão abrangidos pelo "lay-off", não é?

Sim, mas o "lay-off" condiciona quem não está encerrado, que pode não ser abrangido. Há todo um conjunto de legislação que se vai alterando e que quem não está dentro da regulamentação pode não ser abrangido. A legislação foi sendo alterada e condiciona. Quem não estiver dentro da nova legislação deste confinamento não é abrangido por estes apoios.

São então 20% que não pagam salários?

Acho que o número de empresas que não paga salários é muito superior a esse.

O setor da restauração e da hotelaria são os que mais o preocupam?

São os que a comunicação social mais fala, porque os outros setores não são tão falados. O do turismo, o dos eventos, há outros que estão numa situação dramática há longos meses. Há meses que há campanhas de recolha de alimentos para trabalhadores destes setores. Muitos empresários estão a passar fome.

São situações dramáticas em que temos de encontrar soluções rápidas de apoios. Não é por se desconfinar em março que depois se retomará a atividade em abril. É necessário que rapidamente se possa retomar a atividade.

O que é que justifica que a taxa de desemprego ainda não tenha disparado?

É preciso que sejam conhecidos os números corretos. É preciso que o Governo dê os números corretos e que o INE informe dos números corretos. Uma coisa é a realidade, a outra são os números que se conhecem.

"Muitos empresários estão a passar fome"

Mas os números são falsos?

Não, mas o que conhecemos da realidade não corresponde aos dados oficiais.

Porque é que dizem que há tanta dificuldade em aceder aos apoios. Dê casos concretos?

De candidatura para candidatura alteram-se formulários, por exemplo. Alguns exemplos concretos que nos chegam: uma empresa criada num determinado mês de 2020, mas que só iniciará a atividade meses depois. Os meses intermédios só serão considerados como faturação zero.

Os beneficiados do regime simplificado não recebem apoios. Quando se vai preencher o impresso, os próprios contabilistas têm dificuldade, apesar de hoje a própria Segurança Social verificar essas dificuldades e começar a fazer o manual para que se pudesse preencher o documento.

O próprio sistema fica bloqueado durante tempos infinitos. São situações que sucedem muito. Haver uma simplificação dos termos dos apoios podia ajudar as próprias empresas. Os microempresários que não têm estrutura organizativa, a não ser o próprio contabilista, com o volume todo de candidaturas acabam por ser eles a fazê-lo.

"Não é por se desconfinar em março que depois se retomará a atividade em abril"

A falta de informação e o desconhecimento faz com que, muitas vezes, não saibam se se devem candidatar a um ou outro apoio. Com os próprios contabilistas, isto leva tempos infinitos, às vezes uma hora de reunião para chegar à conclusão se se pode candidatar aqui ou ali. E este desconhecimento pode ser impeditivo de apresentação de candidaturas.

Há empresas que desistem?

Há. No apoio aos sócios gerentes, o formulário pede dados de caráter pessoal, a conta bancária, o agregado familiar. Há empresários e trabalhadores independentes que não estão disponíveis para estar a dar esse conjunto de informação que está a ser solicitado.

Quando se fala em simplificar, não se simplifica, complica.

Têm sido criadas muitas moratórias de créditos e, aliás, Portugal é o país na Europa em que percentualmente há mais créditos a usufruir desta medida. O sistema de moratórias não é uma bomba relógio com retardador?

É o adiar de uma situação, as moratórias são, como se costuma dizer, um empurrar para a frente. Não se paga agora, paga-se mais adiante e com juros.

É uma situação muito complicada. A questão das moratórias será mais um problema que as empresas vão ter daqui a uns meses. As moratórias não são uma solução.

Qual era a alternativa?

Temos sempre defendido, apresentámo-lo no dia 16 de março de 2020, que devia ter havido um apoio ao fundo de tesouraria que pudesse fazer face aos custos de contexto das empresas.

Essa era a grande medida para nós. Ao início não defendíamos que fosse a fundo perdido, mas com o evoluir da situação e com o agravamento da situação pandémica, passamos a pedir que fosse a fundo perdido.

Estava em Orçamento do Estado para 2021, estava previsto para o primeiro trimestre deste ano. Mas o Governo tarda em aplicar.

Como qualifica a relação e o comportamento dos bancos com as empresas?

O Governo nunca devia ter permitido que os bancos tivessem tido o papel que tiveram logo no início. Foi errada a forma como as linhas de crédito, que todos nós conhecemos, foram conduzidas, desde o início.

Quem mandava nas linhas de crédito não era o Governo, eram os bancos que ditavam regras e como as linhas de crédito eram regulamentadas.

"A questão das moratórias será mais um problema que as empresas vão ter daqui a uns meses"

Qual foi o impacto?

Os bancos usaram as linhas de crédito para resolver situações menos claras no sistema bancário nacional.

Numa reunião com secretário de estado da Economia, [foi apresentada] uma linha de mil milhões de euros, que era específica para as microempresas, foi-nos dito que era especificamente para estas empresas porque não tinham tido acesso às linhas de crédito que os bancos tinham. A banca começou a pedir aos empresários novos papéis e pediam balancetes do primeiro semestre de 2020.

Os bancos fizeram tudo o que quiseram e bem lhes apeteceu. Os tal mil milhões de euros que o Governo anunciou por quatro vezes, até nos fez dizer que não eram mil milhões, mas quatro mi milhões [de euros] (risos).

Mas o que aconteceu é que foi apenas uma percentagem ínfima de empresas que acabaram por se candidatar. Os bancos diziam que estavam aprovadas as linhas de crédito e depois as sociedades de garantia mútua diziam que não.

Deu para tudo e mais alguma coisa, mas não para ajudar as empresas. As linhas de crédito e moratórias não servem para micro, pequenas e médias empresas.

Olhando agora para a frente. Como acha que devia decorrer a reabertura e em que moldes?

Quanto mais depressa pudermos reabrir melhor. Agora precisamos é de reabrir em segurança. Precisamos de reabrir de forma a que as coisas tenham verbas e apoios que nos permitam fazer face a essa reabertura.

"Os bancos usaram as linhas de crédito para resolver situações que existiam e não para resolver as situações das empresas"

Podemos anunciar o fim do confinamento, mas sem apoios as empresas não reabrem e fecham. Precisamos que os apoios cheguem a tempo e horas para as empresas poderem relançar a atividade.

Isto é um imperativo nacional, a atribuição às empresas dos meios que lhes são indispensáveis para resistirem a esta crise.

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