08 fev, 2021 - 07:05 • Inês Rocha
Ensino à distância é, para muitos professores, sinónimo de maiores desigualdades entre alunos e de maior "ginástica" para o tentar minimizar. A nova realidade trouxe enormes desafios às escolas - muitos ainda sem solução à vista. Mas no meio dos problemas, os docentes encontraram novas estratégias, que trouxeram algumas vantagens ao processo aprendizagem.
Num inquérito ao qual responderam 51 professores de diferentes níveis de ensino, incluindo do ensino artístico, maioritariamente da zona do Porto, a Renascença pediu aos docentes que partilhassem as suas experiências sobre o último ensino à distância.
Muitos queixam-se das limitações deste tipo de ensino, e são quase unânimes na tese de que “nada substitui o ensino presencial”. Um dos principais problemas, para os professores, é o aumento das desigualdades entre os alunos. 39% dos inquiridos tiveram alunos sem possibilidades de acompanhar as aulas síncronas.
Mesmo para os docentes, a nova realidade obrigou, em grande parte dos casos, a investimentos avultados para se dotarem de meios tecnológicos. 75% dos inquiridos afirmou ter gasto dinheiro próprio em material para as aulas, entre computadores, câmaras, mesas digitalizadoras e reforço da internet em casa. A mediana de gastos foi de 400 euros.
No dia em que arranca um novo período de ensino à distância, a Renascença reuniu 15 dicas de professores para professores, para ajudar a enfrentar melhor o desafio.
Vários dos inquiridos consideram que as atividades síncronas (aulas por videochamada, com presença do professor e de toda a turma) são as mais produtivas e “mais interessantes” para os alunos, em comparação com as atividades realizadas de forma individual.
Ainda assim, manter a concentração focada nem sempre é fácil, principalmente para os alunos com mais dificuldade. Ana Santos, professora de Físico-Química no Conservatório de Música do Porto, sugere: “há que tentar chamar sobretudo esses a intervir nas aulas síncronas e explicitar de forma pormenorizada as tarefas a executar de forma assíncrona nas mensagens do canal da plataforma usada”.
Opte por dividir a turma em “pequenos grupos”, que permitam “aulas mais dinâmicas e com atividades em que os alunos possam participar”. São os conselhos de dois professores do primeiro ciclo da Escola Básica Engenheiro Fernando Pinto de Oliveira, Nuno Fernandes e Susana Sampaio.
Célia Rêgo, professora de História no Agrupamento de Escolas do Padrão da Légua, Matosinhos, acrescenta que o trabalho de pares ou de grupo “minimiza as insuficiências tecnológicas de alguns alunos; promove a colaboração e o contacto, mesmo que à distância, entre colegas”.
Por outro lado, nas aulas síncronas, o trabalho em pequenos grupos permite aos alunos tirar dúvidas mais facilmente e de forma menos intimidante do que no grande grupo.
O contacto entre colegas pode ser ainda mais importante para os alunos com menos acesso a equipamentos tecnológicos.
Na escola do Padrão da Légua, além do serviço de entrega e recolha de materiais impressos, houve entreajuda dentro das turmas - “os alunos disponibilizaram-se para, via telefone, ajudar os colegas”, conta Célia Rêgo.
É unânime entre os docentes inquiridos: as metodologias que mais resultam no ensino à distância passam por atividades “curtas e estimulantes” e que “envolvam algum tipo de desafio para os alunos, ou seja, atividades que realmente precisem do papel ativo do aluno para chegarem ao fim”.
Liliana Pinto, professora de Formação Musical e Classe de Conjunto no Conservatório de Música da Maia, menciona um estudo que diz “que o tempo de atenção das crianças em aulas online é pouco mais que 15 minutos”, pelo que as atividades “com um desafio, aliadas à tecnologia, permitem que o aluno esteja mais interessado na aula e mais participativo”.
Célia Rêgo, professora de História, dá um exemplo de uma atividade que resultou com os alunos.
“No Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, disponibilizei informação acerca da efeméride num 'padlet' e propus aos alunos [9.º ano de escolaridade] que partilhassem fotografias tiradas por eles de um monumento ou sítio que tivessem visitado e que lhes tivesse ficado na memória. E que fizessem uma breve reflexão sobre a importância do património e da sua preservação. Quase imediatamente, o mural encheu-se de fotografias, acompanhadas de descrições e relatos de episódios e emoções vividos, assim como de comentários de colegas e respostas a comentários anteriores, de partilha entre a turma. Esta experiência mostrou-me que é possível motivar e envolver alunos, mesmo com atividades à distância, que é possível promover a partilha e a interação entre todos”.
Algumas sugestões de atividades práticas que funcionaram para os professores:
- A escrita a várias mãos, ou seja, começar um texto num aluno e ir passando por todos;
- Videos educativos (escola virtual, Khan Academy, RTP Ensina...);
- Coreografias de músicas;
- Realização de pequenas atividades experimentais em casa;
- Questionários no Forms;
- Gravações de textos;
- Simuladores, museus online, laboratórios virtuais, etc;
- Quizzes;
- Visualização de pequenos documentários e posterior trabalho / debate.
Tendo em conta a falta de interação pessoal que decorre do ensino à distância, há professores a aconselhar reservar espaço para os alunos partilharem as suas experiências, para mostrarem objetos ou criações.
José Carlos Pinho, professor de E.M.R.C. (Educação Moral e Religiosa Católica), conta um episódio em que isso foi importante para a aula. “Estávamos a falar do tema 'A solidariedade'. Uma aluna pediu a palavra e perguntou se podia ausentar-se da aula durante alguns minutos, porque pretendia partilhar uma experiência pessoal. Conclusão: foi procurar um pequeno diploma, por ter participado na campanha do Banco Alimentar, e mostrou aos colegas por sua iniciativa”.
“Esta situação alertou-me para o seguinte: muitas vezes, os nossos alunos têm muitas experiências positivas e vivenciadas que oportunamente se enquadram na aula e enriquecem os colegas da turma. Naquele momento, a aula tornou-se mais escorreita”, conta o professor.
A presença dos pais no ensino à distância é, em alguns casos, difícil de gerir, mas pode também ser benéfica para o processo de aprendizagem do aluno.
Rosa Santos, professora do primeiro ciclo, diz que viu alguns pais ficarem a conhecer aspetos dos filhos que desconheciam, ao assistir às suas aulas. Por outro lado, viu as famílias valorizarem mais os professores, ao testemunharem o esforço dos docentes para contornar os problemas. Para Cristina Martins, também professora do primeiro ciclo, esta interação entre “alunos, pais/familiares e pares foi muito importante, pois veio estreitar alguns laços”.
Isabel Rodrigo, professora no Conservatório de Música do Porto, dá o exemplo de uma aula dita “normal” online, onde a maioria dos pais estavam presentes, com uma participação ativa. A professora sentiu “uma transformação positiva em relação à disciplina, na visão da formação dos seus educandos e respeito pela instituição e professores”.
O envolvimento da família foi particularmente importante no ensino artístico. Joana Machado, professora de violino no Conservatório de Música da Maia, notou essa importância principalmente nos alunos mais novos, “que não têm tanta noção corporal como os mais velhos”.
Nesses casos, “é necessária uma supervisão constante para que não se criem hábitos de estudo prejudiciais”. “Assim, os pais aprenderam nas aulas qual a maneira correta para se tocar o instrumento e terem as ferramentas necessárias para poderem ajudar os filhos sempre que fosse necessário”, conta a docente.
Por outro lado, Joana viu alguns encarregados de educação reconhecerem a “exigência e organização que é necessária para a prática de instrumento, pois esta deve ser constante. O facto de terem acompanhado o ensino "ao vivo" e a sua evolução, gerou uma perceção diferente do que estavam à espera. Ter este apoio em casa também ajudou muito os alunos na sua evolução”, considera a professora.
Apesar de pedirem o apoio (possível) dos pais no cumprimento das tarefas escolares, os professores lembram também que é importante promover a autonomia dos alunos, principalmente nas aulas síncronas.
Liliana Pinto, professora no Conservatório de Música da Maia, considera que "os pais devem compreender que a função pedagógica de ensino e aprendizagem está no professor e que mesmo à distância, o professor consegue gerir os seus alunos”.
A professora de Formação Musical alerta: “todos sabemos que os nossos alunos são diferentes quando na presença dos pais, e ter os pais em casa com um papel de professor intuitivamente assumido não permite que o aluno seja ele próprio, logo, a aprendizagem pode não acontecer em pleno”.
Joana Machado, professora de violino, diz conhecer casos de colegas “que viam as suas aulas de turma serem interrompidas pelos encarregados de educação para colocarem questões ao professor, o que quebra o fluxo de aprendizagem na turma, ou para falarem com o filho, o que compromete a sua atenção e por sua vez, a aprendizagem”.
O ideal é ser claro e explicar aos encarregados de educação que as reuniões devem ser feitas fora do período da aula.
Em tempos de pandemia, promover a proximidade com os alunos é ainda mais importante.
Pedro Sousa, professor de Formação Musical eClasse de Conjunto no Conservatório de Música da Maia, considera que “a melhor metodologia é fazer sentir ao aluno que o professor é o seu aliado e vice-versa no processo de ensino/aprendizagem. Assim, à distância ou presencialmente todas as atividades ganham novo sentido e resultado.”
Cristina Martins, professora do primeiro ciclo na E.B. Nogueira Pinto considera que, principalmente nas idades com que trabalha, é importante “dar mais tempo aos alunos para partilharem a suas angústias, as suas emoções e sentimentos, além de trabalhar muito os valores”.
Mafalda Maia, também professora do primeiro ciclo na E.B. Viscondessa, lembra a partilha emocional de um dos alunos da sua turma: “isto até é giro, mas sinto falta do cheiro da sala”.
Rute Pires, professora na mesma escola, recorda a primeira aula que deu à distância. A reação de vários alunos foi de ansiedade. A professora, “através de contacto telefónico”, conseguiu acalmá-los.
Vários professores inquiridos perceberam, ao longo do período de ensino à distância no último ano letivo, que a relação individual com os alunos não pode ser descurada.
Liliana Pinho, professora de Formação Musical, conta a história de um aluno que, no final de uma aula de iniciação ao 1º ano de escolaridade, pediu para ficar um bocadinho mais, além do tempo de aula.
“Permiti que isso acontecesse porque se estivéssemos em regime presencial, o mesmo aconteceria em sala de aula. O aluno pediu para ficar um bocadinho mais na sala de aula virtual para me contar as histórias da semana dele e apresentar os bonequinhos que dessas histórias fizeram parte”.
Este foi um “Aha Moment” para a professora, que percebeu que “apesar de estarmos afastados pelas razões óbvias, a proximidade entre aluno e professor tinha de se manter”.
“Eu nunca tinha pensado nessa importância até este momento e o pedido deste aluno fez-me pensar que, tal como no ensino presencial, o ensino à distância não pode ser só conteúdos/atividades/estratégias... a dimensão social relacional tem de estar igualmente presente, mesmo que isto tenha que passar por mais cinco ou 10 minutos além do tempo de aula”, diz a professora.
O mesmo sentiu Joana Machado, professora de violino que trabalha “em várias escolas e em vários contextos sociais diferentes”.
“Uma história que me ficou marcada foi de uma aluna ter desabafado comigo, já com lágrimas nos olhos, o quão desanimada estava com o ensino à distância devido a grande permanência em frente ao PC. Já não era a primeira vez que um aluno tinha desabafado comigo, mas sentia cada vez mais que os alunos precisavam de falar e contar o seu dia ou os seus problemas em outras disciplinas”, conta a professora.
“O que aprendi é que o mais importante, para o ensino resultar, é a relação com o aluno. Por vezes deixamos o papel de professor um pouco de parte para encarnar o papel de amigo confidente, que é tão ou mais necessário para tornar todo o ensino mais eficaz”, considera.
Também Liliana de Sousa Ferraz, professora do primeiro ciclo no Agrupamento de Escolas Fernando Pinto de Oliveira, recorda “a dificuldade de uma aluna lidar com as emoções e saudades”. Esta aluna “chorava pontualmente e ficava quase sempre para ultima para desligar o teams” e ficar à conversa com a professora.
Os alunos mais novos sentem ainda mais a falta desta relação com os professores. Maria de Lurdes Carvalho Miranda, professora do primeiro ciclo na EB da Viscondessa, Leça da Palmeira, conta um episódio que demonstrou isso mesmo: “após o final do ano letivo 2019/2020, proporcionei um encontro surpresa, ao ar livre, com os alunos. Eles ao me verem, tiveram o impulso de correr para me abraçar, mesmo com os pais a tentar segurá-los. Uma delas conseguiu chegar até mim. Perecia que tinha ganho um prémio”.
Praticamente todos os professores do ensino artístico que responderam ao inquérito da Renascença mencionam um método útil no ensino à distância: as gravações.
Uma vez que ainda não é possível tocar em simultâneo através da internet, em qualquer ferramenta de videoconferência, devido ao delay próprio desta forma de comunicação, a gravação é a única forma de conseguir juntar diferentes instrumentos à distância.
Por outro lado, a gravação leva a uma maior autoavaliação do aluno, lembra Ana Paula Sampaio, professora de Educação Musical e piano. “A gravação de peças leva o aluno a ouvir-se e autoavaliar-se, “provocando” um estudo mais intenso no sentido da melhoria do seu desempenho”.
A professora dá um exemplo concreto. “Um dos meus alunos de piano passou a apresentar, entre aulas, gravações frequentes, assim a sua motivação para o estudo aumentou, e acabou por haver mais aproximação e melhor performance da sua parte”.
Rute Cruz, professora de flauta, lembra ainda que, quando são pedidas gravações, “os alunos fazem várias para escolher a qual enviar, estudando mais e desenvolvendo a sua capacidade autocrítica. Ainda melhoram a sua autonomia e responsabilidade”.
Joana Machado também introduziu as gravações nas suas aulas. “Por exemplo, o aluno gravava uma peça que enviava posteriormente, à qual eu fazia uma apreciação, seguida de uma gravação minha a tocar a mesma peça ou um excerto da mesma para exemplificar a maneira correta de a tocar. Este processo moroso estaria resolvido em dois minutos se fosse presencial”, lembra a professora de violino.
As aulas à distância podem provocar momentos constrangedores, mas também podem gerar momentos de descontração entre professores e alunos.
Marta Ramos, professora do primeiro ciclo na E.B. da Praia, em Matosinhos, dá exemplos: “Tive uma situação que em vez do aluno responder, responde a mãe, pensando que o micro estava desligado”. Ou aquela vez em que uma mãe decidiu tratar de assuntos pessoais ao telefone e, apesar dos alertas da professora para os alunos desligarem o micro, a turma ouviu a conversa toda.
Uma parte importante do ensino à distância passa pela preparação antecipada das ferramentas técnicas. No primeiro período do ensino à distância, quando professores e alunos ainda não dominavam as ferramentas de videoconferência ao pormenor, surgiram problemas (e por vezes, abusos por parte dos alunos).
Nuno Rocha, professor de Formação Musical no Conservatório de Música do Porto, recorda uma aula síncrona que não correu bem: “fiquei sem som e o rato deixou de mexer. Resultado: não conseguia comunicar e não conseguia alterar as definições do computador (sem o rato era difícil). Penso que isto aconteceu porque não ativei a proibição dos alunos mexerem nas definições da reunião”, conta o docente.
Conclusão: neste aspeto, o conselho do professor é “preparar a aula (em termos técnicos) e ter equipamento alternativo para o caso do primeiro falhar”.
Nesta primeira aventura, grande parte dos professores lembra a “solidariedade” dos colegas e aponta a “colaboração entre doentes”, muitas vezes para aprender a trabalhar com as novas ferramentas, como o fator mais positivo que retiraram do ensino à distância.
Incentive os alunos a organizarem melhor o tempo, agora que têm de ficar em casa e têm menos distrações.
Alguns professores inquiridos dão exemplos de alunos que aproveitaram bem a nova realidade.
“Há alunos que pelo facto de estarem em casa, aproveitam muito melhor o tempo. Têm mais tempo para estudar. Tive alunos com melhor aproveitamento durante o 3º período do ano passado”, conta Nuno Rocha, professor de Formação Musical.
Maria Luísa Fernandes de Melo, professora de Física e Química na Escola Básica e Secundária Rodrigues de Freitas, no Porto, dá o exemplo de “uma aluna muito discreta nas aulas, e que com muito esforço conseguia obter resultados, mostrou saber gerir o tempo disponível e progrediu substancialmente. Penso que o facto de não ter a pressão da presença de colegas fez despontar uma série de competências que não são evidências das aulas presenciais”.
Por outro lado, o ensino à distância pode ajudar os alunos a mostrarem competências até aí escondidas. João Pedro Fernandes, professor de coro no Conservatório de Música do Porto, deu conta, “em alguns casos, através de gravações feitas no íntimo da casa de cada um, os alunos mostrarem uma voz, uma condição vocal mais desinibida e com uma qualidade que não era mostrada em ambiente de aula coletiva”.
“Ou seja, o estar fisicamente em conjunto e exposto aos colegas de turma e ao professor não permite a todos estarem completamente à vontade”, explica o professor.
Julia Braga, professora de História na escola Filipa de Vilhena, dá o exemplo de dois alunos que “mudaram radicalmente” com o ensino à distância. Antes, “estavam sempre distraídos nas aulas presenciais e não faziam os trabalhos de casa”. Passaram a estar atentos, participativos e t realizar todas as tarefas.
Rute Cruz, do Conservatório de Música da Maia, aponta outra vantagem do ensino à distância. “Fiquei muitas vezes a sentir-me mais próxima dos alunos, pois entrei em suas casa e/ou nos seus quartos, num período difícil para todos. Apesar da distância, ficamos mais próximos e fizemos, também, companhia uns aos outros”, conta.