Tempo
|
A+ / A-

Dia Mundial da Vida Consagrada

“Ser fiel e feliz é de heróis”. Vida consagrada, uma provocação ao mundo

02 fev, 2021 - 08:57 • Olímpia Mairos

No dia em que a Igreja celebra o Dia do Consagrado, a Renascença dá a conhecer o testemunho de uma religiosa que celebra este ano 50 anos de vida consagrada e a congregação a que pertence 144 anos de existência.

A+ / A-

Elza Martins nunca tinha pensado em ser religiosa. Mas aos 16 entrou e fez o noviciado aos 17 anos.

“Estava a estudar no Colégio do Sagrado Coração de Jesus e por um feliz engano, enganei-me na mudança da hora e fui atrasada, quando cheguei, tinha uma irmã à minha espera e fez-me uma proposta, que já andava há muito tempo para ma fazer, mas não me encontrava a jeito: se não gostaria de me consagrar, de entrar para a congregação”, conta à Renascença.

Depois, as conversas foram-se multiplicando, até que decidiu iniciar o percurso com vista à consagração, mas não foi nada fácil. Pelo caminho enfrentou várias barreiras, a mais difícil de ultrapassar terá sido mesmo a oposição dos pais.

“Eles não queriam nem por nada e foi difícil. Mas avancei, mesmo contra a vontade de quase toda a família”, refere a irmã Elza Martins.

A família haveria, depois, de reconsiderar e surpreendeu a jovem religiosa, marcando presença na sua profissão temporária. “Quando eu fiz a profissão, em 1971, a minha família já esteve presente. Eu não contava que eles fossem. Foi uma surpresa enorme”, conta.

Natural de Vinhais, a irmã Elza tem agora 68 anos, quase 50 de votos, pertence à Congregação das Irmãs da Caridade do Sagrado Coração de Jesus, conhecidas como Coraçonistas. Vive em Bragança, é superiora da comunidade constituída por cinco religiosas e diretora do Colégio do Sagrado Coração de Jesus, com mais de 200 crianças.

O que a fez perseverar na vida consagrada e que, diz, a ajudou muito foi “o carisma da Congregação, o amor, a caridade, conforme fala S. Paulo aos Coríntios e a vida da fundadora, o que ela sofreu, o que ela passou para conseguir realizar a sua vocação”.

“Tive de lutar muito, especialmente com a mãe e isso deu-me muita força para lutar também, apesar de todas as dificuldades”.

Do seu percurso de vida, a irmã Elza refere como um dos momentos importantes a realização dos seus votos perpétuos. Na altura, “estava a passar uma crise vocacional muito grande” e foi um sacerdote que a ajudou a superar, incentivando-a à perseverança, lembrando-lhe que se “tratava apenas de uma crise” e que, se já tinha “ultrapassado tantas dificuldades, era sinal de que Deus a queria naquele caminho”.

“Os votos perpétuos é como um casamento, nós recebemos uma aliança. E isto foi para mim um marco muito, muito importante na minha vida. Quando fiz as minhas bodas de prata tive manifestações de carinho, de amizade e isso ajuda muito a manter-nos fiéis e a seguir o caminho empreendido. Momentos vividos em comunidade são também marcos, por exemplo quando vivemos os 100 anos da Congregação”, conta à Renascença.

“Ser para os outros”

Como professora do 1.º ciclo, a missão da irmã Elza Martins tem estado praticamente sempre ligada às crianças. Teve apenas uma interrupção de dois ou três anos, quando esteve em Coimbra, a acompanhar jovens universitárias.

Em Bragança, tem acompanhado grupos de jovens, jovens em preparação para o Crisma, o movimento eucarístico juvenil e catequeses de infância.

“Este ser para os outros é desafiante, são propostas que nos são feitas diariamente. As próprias crianças, jovens e adolescentes nos desafiam muito”, afirma a religiosa, explicando que “é isto o que dá vida e leva a avançar sempre”.

“Se não houvesse desafios, seria muito monótono o nosso caminho, a nossa caminhada. Eu gosto dos desafios. Ajudam-me a ultrapassar muitos momentos difíceis que vão aparecendo no caminho”, observa.

A religiosa das Coraçonistas lamenta não ter tempo para se “dedicar aos presos, aos pobres, e agora com a pandemia, ir às casas das pessoas, ajudar, levar amor, carinho, estar, dar uma palavra, dar um abraço sem ser abraço”, porque entende que tal é “amar ao jeito de Jesus Cristo”.

“Claro que no trabalho que faço, eu sinto que também amo. Amo as crianças no estar atenta a elas, atenta aos pais, atenta àquilo que a criança sente, quando se veem lágrimas, quando se veem problemas entre as crianças, qualquer circunstância que as afasta, levá-las ao perdão. Isso são maneiras de amar ao jeito de Jesus Cristo”, explica.

Feliz na fidelidade do dia a dia

No entender da irmã Elza Martins, “ser consagrada, fiel e feliz, é de heróis, não é de umas pessoas quaisquer”.

“Não me sinto mais que ninguém, mas ser fiel e sempre, dia a dia, momento a momento, é ser herói”, reforça a religiosa, observando que “este é um dos desafios que se poem aos jovens de hoje, a capacidade de ser fiel, sempre, nos momentos fáceis e nos momentos difíceis”.

“Os jovens têm dificuldade em assumir um compromisso para sempre, um compromisso que seja eterno. O amor a Jesus ajuda-nos a superar tudo o que nos vai acontecendo, mas que é difícil, é. E depois, o viver em comunidade. Nós somos várias pessoas, de famílias completamente diferentes, com maneiras de ser e pensar diferentes, e este é um desafio contínuo”, aponta.

Mas, se a vida comunitária não é fácil é, também, explica a irmã Elza, “um suporte para as dúvidas, para as dificuldades”, na medida em que contam “sempre com a ajuda umas das outras”.

“Quando vou fazer qualquer tipo de trabalho, eu não vou sozinha; vou sozinha fisicamente, mas a comunidade acompanha-me, eu vou em nome da comunidade. E isso ajuda-me a sentir-me segura naquilo que vou fazer. Todas trabalhamos em conjunto e isso é um suporte muito bom”, afirma a religiosa à Renascença.

Prestes a celebrar, em outubro, no dia 16, 50 anos de vida consagrada, a irmã Elza diz-se uma pessoa “verdadeiramente feliz”.

“A fidelidade leva-me à felicidade. São duas palavras interligadas. Houve algum momento em que, certamente, se me fizessem esta pergunta, eu teria dificuldade em responder. Houve momentos bastante difíceis na caminhada. Hoje posso dizer: sou feliz. Sinto-me bem, sinto-me realizada, sinto que estou no lugar certo. Gosto muito das irmãs. Amo muito a congregação”. conta.

Um desafio aos jovens: “Arriscai, vinde fazer a experiência com Jesus”

A irmã Elza Martins nota que, atualmente, “não é fácil a opção pela vida consagrada porque os valores cristãos, os valores da família não são como antigamente. E a vocação consagrada nasce na família crente”.

“Não quer dizer que não haja exceções. Em alguns, até surge no grupo paroquial. Mas, geralmente, uma vocação consagrada nasce e desenvolve-se na família crente”, afirma a religiosa, admitindo que “hoje em dia há muitas solicitações que impedem os jovens de abdicar da liberdade, dos bens… Não é fácil”.

Ainda assim, não deixa de lançar uma provocação aos jovens de hoje, desafiando-os a arriscar.

“Arriscai. É preciso arriscar. Vale a pena. Ainda hoje vale a pena arriscar e seguir Jesus Cristo. Vinde, deixai-vos tocar, vinde e fazei a experiência do encontro com Jesus, tal como fizeram os dois discípulos que foram com Jesus, experimentaram e ficaram com Ele”, desafia a religiosa.

E em jeito de conclusão, a irmã Elza Martins, realça que “a vida consagrada tem que ser uma provocação forte, muito forte, mesmo”.

“Se nós não conseguimos provocar as pessoas, se elas não respondem, das duas uma: ou a nossa provocação é muito fraca e não chega até eles ou, então, eles são surdos e não ouvem. Há algo que não bate certo. Se calhar não somos fortes o bastante na nossa provocação”, afirma.

O testemunho de vida é, assim, para esta religiosa a chave que pode e deve abrir a porta à vida consagrada.

“Os consagrados, nós, não somos perfeitos, mas esse abanão, essa provocação tem que ser mesmo a partir do testemunho. Que testemunho dou aos jovens? Um dos testemunhos primordiais é a alegria. Se eu vivo alegre, eles vão perguntar-se porque é que eu ando sempre bem-disposta. O testemunho tem que passar pela alegria, pela fraternidade, pela felicidade”, conclui.

A Congregação das Irmãs da Caridade do Sagrado Coração de Jesus foi fundada em Madrid, por Isabel Larrañaga Y Ramirez, no dia 2 de fevereiro de 1877. Celebra esta terça-feira 144 anos de existência.

A Congregação estendeu-se a Portugal em 1936, e as primeiras irmãs chegaram a Bragança no dia 23 de agosto de 1940.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+